hashtags ofensivas

Homem será indenizado por ter perfil criado sem autorização no aplicativo Lulu

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1 de dezembro de 2018, 15h23

Se o Facebook utilizou o aplicativo Lulu para obter lucro, é também responsável solidário por eventuais danos que este tenha causado aos usuários, especialmente por meio de hashtags ofensivas a direitos de personalidade.

Por isso, a 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul condenou ambas as empresas a pagar dano moral no valor de R$ 10 mil a um bancário que teve seus dados pessoais expostos indevidamente e sem autorização na plataforma que divulga a avaliação das mulheres sobre o desempenho sexual de seus parceiros. O autor ficou sabendo que tinha um perfil, cheio de hashtags ofensivas, por meio de uma colega de trabalho.

O bancário disse que não autorizou o Facebook a disponibilizar seus dados cadastrais para o Lulu. Sustentou que a exposição lhe trouxe vários dissabores, sendo alvo, inclusive, de chacotas e comentários difamatórios. Dentre os apontamentos constrangedores dispostos no seu perfil, citou: ‘‘não quer nada com nada, judia dos animais, prefere videogame, não fede nem cheira, mais barato que um pão na chapa, esquece a carteira, não se interessa por nada’’.

Como não conseguiu excluir os dados pessoais desse cadastro, ele ajuizou, na 17ª Vara Cível do Foro Central de Porto Alegre, uma ação de obrigação de fazer cumulada com pedido de indenização por danos morais.

Anuência tácita
O juiz Sandro Sanchotene julgou improcedente a ação indenizatória, por entender que os incisos IV e IX do artigo 5º da Constituição asseguram a livre manifestação do pensamento e da comunicação. Para ele, o autor, ao se cadastrar e concordar com os termos de uso do serviço oferecido pelo Facebook, passou a anuir também com a cessão voluntária de imagens e informações básicas do usuário e de listas de contato.

‘‘Embora o autor tenha comprovado que foi avaliado pelo aplicativo ‘Lulu’, não demonstrou os alegados abalos sofridos, não referindo de que modo consistiram os abalos ou quais foram as expressões que lhe causaram tamanho suposto dano psicológico e dano stricto sensu [em sentido específico]. Desse modo, entendo não ter restado evidente dano algum a ser reparado, ônus do qual incumbia ao autor comprovar, nos termos do artigo 373, inciso I, do CPC.’’

O relator da apelação na 9ª Câmara Cível, desembargador Carlos Eduardo Richinitti, reformou integralmente a sentença. A seu ver, o autor não anuiu com a inserção de seus dados — nome, fotografia, lista de contatos, gênero, faixa etária, número da conta e idioma — no aplicativo. Além disso, afirmou que o caso comporta a aplicação do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), porque ambas as empresas rés são fornecedoras de serviço, e o autor, o consumidor. E, como prevê o artigo 14 do CDC, as empresas respondem objetivamente por eventuais danos que venham a causar aos consumidores, em razão de falhas na prestação dos serviços ou por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

Para o relator, embora os termos e condições de uso do Facebook estabeleçam a existência de informações públicas, isso não pode ser interpretado da forma ampliada. Ou seja, as informações fornecidas podem ser utilizadas dentro da rede social para que outros usuários possam encontrar amigos ou perfis que lhe interessem, mas não por outros aplicativos ou empresas para uso irrestrito e violador de direitos e garantias fundamentais, como ocorreu no caso concreto. E mais: o artigo 47 do CDC diz que “as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor”. Em síntese, houve falha de serviço.

Condutas ilícitas
‘‘Assim, estabelecido o regime de responsabilidade e a solidariedade das rés, consigno que resta evidenciada a ilicitude de suas condutas ao submeterem o autor à avaliação de terceiras, não identificáveis, a partir de questionário e hashtags pré-estabelecidas com cunho denegridor à imagem, à intimidade e à honra, como já antes mencionado. Veja-se que a Constituição Federal garante o direito de livre manifestação, mas veda o anonimato (artigo 5º, IV); além de que garante a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem (artigo 5º, X)’’, afirmou Richinitti.

Ele destacou que os danos morais decorrem do próprio fato ofensivo, enquadrando-se na categoria dos chamados ‘‘danos morais puros’’, cuja experimentação se presume com a demonstração do evento danoso. ‘‘Entende-se que, nessas situações, a simples exposição da imagem e da intimidade do autor, sem qualquer identificação das ‘avaliadoras’, atribuindo-lhe notas e características sintetizadas em hashtags, principalmente pelo seu desempenho sexual e comportamento em relacionamentos, são circunstâncias suficientes para a configuração de abalo moral indenizável (dano in re ipsa).’’ 

Desde 24 de dezembro de 2013, o aplicativo não opera mais no Brasil.

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Processo 001/1.13.0342606-5 (Comarca de Porto Alegre)

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