Opinião

Breve diálogo entre as teorias da conduta e o "direito penal redutor"

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15 de agosto de 2018, 6h17

Ao longo da história, desde tempos imemoriais, o Direito Penal vem fazendo a escolha daqueles que serão os seus eleitos, por meio de sistemas de imputação movidos pelos mais variados sabores e propósitos: quer seja no desiderato da defesa dos valores morais ou religiosos; no sentido da proteção do sistema de normas; dos bens jurídicos ou como um mecanismo de controle social.

Dessa forma, ganha enorme importância para o Direito Penal, na atualidade, a indagação acerca de seu real mister: a retribuição pelo mal causado pelo delito, a preservação das garantias individuais diante da expansão do poder punitivo do Estado, a preservação de um sistema de normas ou a proteção dos bens jurídicos?

É reinante, entre os pensadores do Direito Penal, a necessidade da busca de uma “expressão de sentido” para o próprio Direito Penal, que venha a auxiliar especialmente na edificação dos Estados Democráticos de Direito, na reafirmação das conquistas das liberdades individuais pautadas em governos de leis e não de homens, sem perder de vista a sua efetividade.

Nessa ordem de ideias, em uma realidade pré-típica, as teorias da conduta assumem um papel absolutamente destacado no pensamento jurídico-penal, no sentido de selecionar as ações humanas que serão relevantes para um direito que, a priori, deve ser mínimo, subsidiário, de ultima ratio, especialmente na perspectiva da democracia.

Por outro lado, não se pode olvidar que as próprias teorias da conduta se alicerçam em aspectos culturais, filosóficos, econômicos e, sobretudo, políticos vividos em cada contexto histórico e social.

As condutas penalmente relevantes, portanto, são frutos dos ideais concebidos e exteriorizados por meio de um discurso reinante, pela palavra que vira norma, conforme se dá na perspectiva do Direito Penal.

Tanto assim que, após os legados do Positivismo e da Teoria Causal Naturalista, percebe-se que pouco se reestruturou em termos do reconhecimento dos substratos que irão servir à base daquilo que se concebe e descreve, em linhas gerais, como crime enquanto “conduta típica, antijurídica e culpável”.

Assim sendo, se “o Direito é o discurso”, utilizando-se de uma base estruturada de que se concebe para o delito, advém a relevância dos discursos penais para a eleição das condutas e dos destinatários do sistema penal.

Em dias atuais, em meio a inúmeros outros, ganham força os discursos oriundos dos “movimentos de política criminal”, quando se destacam, notadamente, os denominados “lei e ordem”, o “direito penal do inimigo”, o “garantismo penal”, o “abolicionismo penal” e o “direito penal redutor”.

Em outras palavras, em uma visão punitivista ou reducionista, aqueles que possuírem maior força de comunicação na sociedade terão a possibilidade de influenciar nas estruturas do Estado e nas teorias da conduta que irão alicerçar os tipos penais incriminadores, os comportamentos não tolerados pela sociedade contemporânea.

Noutro modo, também pelo discurso se criam os estereótipos daqueles que serão, no imaginário coletivo, os delinquentes do mundo atual, supostamente causadores de todas as mazelas sociais instauradas, especialmente em países como os de “terceiro mundo”, em que a corrupção e o descaso para a efetivação de políticas públicas não permitem a emancipação dos povos e a diminuição da própria criminalidade.

Em meio ao caos do século XXI, com a globalização e a criação das sociedades complexas, plurais, na era da comunicação, do consumo e do risco, percebe-se uma expansão por vezes injustificada do Direito Penal em razão dos novos discursos que são aceitos em meio à política criminal adotada pelos Estados.

Assim, a função delimitadora ou de filtro para saber dos elementos contrários à norma faz da Teoria da Conduta uma primeira barreira a descartar todos os comportamentos que não devem ter valoração para o Direito Penal, o que reforça os primados de segurança jurídica, intervenção mínima e do exercício de um Direito Penal garantista.

Aliás, interessa destacar que o nível de democratização dos próprios Estados também poderá ser percebido pelas condutas penalmente relevantes, que perpassa por uma visão da forma de sua concepção, de seus ideais de política criminal, do grau ou nível de respeito aos direitos humanos e garantias fundamentais dos indivíduos.

Então, em razão da expansão do Direito Penal na atualidade, como se galgar um ideal de um Direito Penal humanitário?

Nessa perspectiva, exsurge, para o pensamento jurídico-penal, a necessária visão de um “direito penal redutor”, idealizado primeiramente por Eugenio Raul Zaffaroni e que não irá romper absolutamente com as estruturas metodológicas das demais teorias do delito, pois reconhece os méritos do neokantismo como movimento necessário à construção sistemática do delito; atribui ao finalismo a elaboração de conceitos jurídicos que estivessem de acordo com os próprios limites impostos pelo mundo, sem desmerecer, outrossim, a própria “funcionalidade política” a ser creditada ao funcionalismo.

Aliás, como bem diz Brodt, “do mesmo modo que acontece com o funcionalismo alemão, Zaffaroni busca lançar uma ponte construtiva entre o funcionalismo redutor e a sociologia. Entretanto, diferentemente de Roxin e Jakobs, que o fazem no âmbito da sociologia sistêmica, Zaffaroni vale-se para tanto das teorias sociais do conflito, associadas à concepção agnóstica da pena, afastando-se, dessa forma, das mencionadas vertentes”.

A funcionalidade, portanto, faz-se entendida no sentido de uma função política para que não se construam conceitos perversos em matéria penal, aproximando sempre o direito penal do direito humanitário.

Tem-se, portanto, a concepção de um ideal de um “direito penal redutor” como a única esperança de acesso aos mecanismos de Justiça dos mais vulneráveis e estereotipados, que não venha a atribuir as cargas negativas da sociedade a um determinado grupo de pessoas em razão de questões étnicas, de classe social, etárias ou de gênero ou mesmo estéticas.

Isto porque os interesses do Direito Penal e o discurso legitimado para o Direito na contemporaneidade, independentemente da Teoria da Conduta adotada a partir de um viés ontológico ou funcionalista, deverá permitir a reafirmação universal dos direitos humanos e dos primados de Justiça, concebido especialmente a partir do ambiente pós-Segunda Guerra Mundial, para a emancipação dos indivíduos.

Portanto, apesar da constatação de que o Direito Penal justo e humanitário ao longo da história se mostrou utópico, ainda valerá “a pena” o seu discurso contemplativo, como um ideal sempre a ser seguido.


Bibliografia
BRODT, Luís Augusto Sanzo. O Direito Penal sob a perspectiva funcional redutora. Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, n. 101, p. 97-136, jul/dez. 2010.
GUARAGNI, Fábio Andre. As Teorias da Conduta em Direito Penal. Série As Ciências Criminais no Século XXI, Volume 12. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
JUNQUEIRA. Gustavo Octaviano Diniz; VANZOLINI, Patrícia. Manual de Direito Penal. Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 3ª Ed., 2017.
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SÁNCHEZ, Jesús María Silva. A expansão do Direito Penal. Aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais. São Paulo: Revista dos Tribunais, Coleção Direito e Ciências Afins.
VALLEJO, Manuel Jaén. El Concepto de Acción de La Dogmática Penal. Editorial Colex. 1994.

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