Punição eterna

Mesmo com dívida tributária, administrador de empresa falida deve ser reabilitado

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2 de agosto de 2018, 7h19

O artigo 191 do Código Tributário Nacional afirma que as obrigações do falido só se extinguem com o pagamento de todos os tributos devidos. Mas uma interpretação adequada do dispositivo, de acordo com a Constituição e o Direito Comparado, demonstra que a não quitação dos impostos não pode ser empecilho à reabilitação do administrador da empresa. Isso porque ele não pode ficar sujeito a uma punição civil que perdure por tempo indeterminado.

Esse foi o entendimento do juiz Daniel Carnio Costa, da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo, ao extinguir as obrigações de Tony Arazi, sócio-administrador da empresa falida Visioner do Brasil, e declarar sua reabilitação.

Arazi pediu que a Justiça decretasse a extinção das obrigações da companhia, de forma que ele pudesse voltar a exercer atividade empresarial — o processo já dura mais de 10 anos. A administradora judicial da falência opinou pela reabilitação econômica do sócio. Porém, o Ministério Público, com base no artigo 191 do CTN, pediu que o requerimento fosse negado.

Em sua decisão, o juiz apontou que o artigo 102 da Lei de Falências (Lei 11.101/2005) estabelece que “o falido fica inabilitado para exercer qualquer atividade empresarial a partir da decretação da falência e até a sentença que extingue suas obrigações”. O artigo 158 da mesma lei determina que as obrigações do administrador da companhia somente serão extintas no fim do processo com o pagamento integral dos créditos ou mais de 50% dos créditos quirografários. Se não houver bens ou dinheiro para isso, os deveres do gestor só acabarão cinco anos após o encerramento da falência. Caso ele tenha sido condenado por crime falimentar, esse prazo é estendido para 10 anos.

Mas vincular o início da contagem do prazo de reabilitação do falido ao fim do processo de falência representa “grave violação aos direitos fundamentais do cidadão”, afirmou Costa.

“Tendo em vista que o processo de falência não possui um prazo certo para ser encerrado e, no mais das vezes, em razão dos mais diversos motivos — inclusive da burocracia estatal — tal encerramento demora a ocorrer por longos anos, submete-se o falido, na prática, a uma pena quase perpétua que o excluirá definitivamente da vida econômica e do livre exercício de suas iniciativas empresariais. Tal situação viola os direitos fundamentais ao trabalho e à livre iniciativa, além de vulnerar em certa medida a própria dignidade da pessoa humana.”

Segundo o julgador, o prazo de reabilitação do falido deve ser encarado de forma semelhante aos prazos de prescrição da pretensão punitiva do Estado em relação àqueles que praticaram crimes. Ou seja: as pessoas não podem ficar respondendo por esses fatos pelo resto da vida.

Como o Supremo Tribunal Federal entendeu, na Súmula 147, que não se poderia vincular o início do prazo prescricional exclusivamente ao encerramento do processo falimentar, também não se pode vincular o início do prazo de reabilitação do falido a esse evento, avaliou Costa, ressaltando que tal termo deve começar antes do fim do procedimento quando o andamento deste for “excessivamente demorado”.

Dessa maneira, o juiz entendeu ser razoável fixar o início do prazo de reabilitação do administrador na data da decisão que determinou o arquivamento de investigação por crime falimentar.

Como o despacho foi proferido em 5 de junho de 2008, o prazo de cinco anos exigido pela Lei de Falências acabou em 4 de junho de 2013. Mesmo o período prescricional máximo para crimes falimentares, de 10 anos, já estaria prescrito em 16 de abril de 2018, se este fosse considerado.

“Não é razoável admitir que a persecução pela prática de crimes falimentares já estão prescritas, mas o prazo para reabilitação do falido ainda sequer teve sua contagem iniciada”, disse o juiz. A seu ver, uma punição civil que dura mais do que uma prescrição criminal contraria direitos fundamentais, como a liberdade de trabalho.

Interpretação do CTN
O artigo 191 do CTN estabelece que “a extinção das obrigações do falido requer prova de quitação de todos os tributos”. À luz da Constituição, o termo “falido” deve ser entendido de maneira restritiva e referente apenas à empresa falida em questão, segundo o juiz.

“Não se pretende, por meio do pedido do requerente, no caso, a reativação da atividade da empresa falida, mas tão somente, a reinserção do falido, enquanto pessoa física e independente de seu negócio infrutífero, no mercado de trabalho. Claramente, para que a empresa voltasse à ativa, seria imperioso a quitação de todos os tributos. No entanto, enquanto pessoa física, é notoriamente impossível ao requerente levantar a quantia monetária em questão, ainda mais impedido de realizar atividade empresarial.”

O magistrado citou que as leis de falência de EUA, França e Alemanha buscam permitir que os administradores de empresas falidas se reabilitem, de forma a garantir a preservação dos benefícios econômicos e sociais decorrentes da atividade empresarial.

Dessa maneira, o juiz concluiu que “a interpretação adequada do artigo 191 do CTN demonstra que o não pagamento dos tributos pela pessoa jurídica/massa falida, não pode configurar empecilho à reabilitação da pessoa física do administrador da empresa falida”.

Clique aqui para ler a íntegra da decisão.
Processo 0042511-48.2016.8.26.0100

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