Opinião

Lei de Recuperação Judicial não está ambientada às PMEs

Autor

  • Carlos Henrique Abrão

    é desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo doutor em Direito Comercial pela USP com especialização em Paris professor pesquisador convidado da Universidade de Heidelberg e autor de obras e artigos.

9 de novembro de 2017, 5h31

O Brasil está muito próximo de atingir, nos próximos anos, alentador quadro composto por 20 milhões de empresas, dentre as quais 95% estão sedimentadas nos ramos de pequenas e médias, contratando e operacionalizando a integração de plantas e, mais de perto, prestação de serviços.

Abatido o país pela mais grave crise de sua história, registrando Produtos Internos Brutos negativos, logo se acendeu o farol indicativo de que alguma coisa estava errada na concepção da legislação de recuperação e quebra. Com razão, a Lei 11.101/05 não se mostra ambientada às pequenas e microempresas e representa excesso de tolerância com as macroempresas, as quais enfrentam endividamentos vultosos, recebendo essa lei críticas para ensejar a inadiável reforma a ser feita pelo Parlamento.

Coube à pasta da Fazenda assumir a iniciativa de, frente ao cenário de crise, formar comissão em busca do enxugamento da lei e de sua plataforma, principalmente quanto à sucessão da venda isolada de bens, dinheiro novo, com empoderamento dos credores, calculando-se que mais de 10 mil empresas sairiam de imediato beneficiadas pela reforma.

Entretanto, a amostragem universal não é relevante, e para tanto nos propomos a debater o substrato da reforma nesta quinta-feira (9/11) e sexta-feira (10/11) no Instituto Nacional de Recuperação Empresarial, com a presença de autoridades estrangeiras e nacionais, entre especialistas, advogados, promotores, juízes e desembargadores, e principalmente ministros que integram o Superior Tribunal de Justiça.

Apenas para que se tenha uma ideia, quase no encerramento do ano de 2017 o número de recuperações judiciais provavelmente atingirá a casa de 2 mil empresas, sendo que o sucesso das recuperações não atinge um quadro efetivo de 20%. Preocupa-se a pasta da Fazenda em aumentar o poderio dos credores, em detrimento da melhoria e da racionalidade do processo recuperacional.

Bastaria, pura e simplesmente, fazer incluir os credores instituições financeiras e tributários para que se almejasse regras de transição, porquanto no concerto atual, à exceção dos recebíveis do contrato de adiantamento sobre contrato de câmbio e da alienação fiduciária, fizeram com que as instituições financeiras buscassem a recuperação do crédito em prejuízo da recuperação da empresa.

Não se discute que alguns empresários, até intencionalmente, às vésperas do pedido de recuperação judicial buscam vultosas importâncias que não ingressam na empresa, ou delas entra apenas uma parte insignificante, para logo em seguida tentarem, mediante o requerimento legal, inibir o pagamento ou projetá-lo para uma década.

Entretanto, esse aspecto não foge do caráter geral da boa-fé objetiva, devendo ser apreciado pelo juízo, principalmente no tocante aos requisitos de solvabilidade do empresário destituído de princípios de eticidade e boa-fé.

Exemplos modernos das legislações europeia, norte-americana e do vizinho Chile propiciaram ganhos de escala na economia, mesmo no atravessamento da crise, facilitando o procedimento recuperacional e notadamente conferindo alguma vantagem para a hipótese de o empresário acertar o timing do pedido. Corresponde essa ideia a não aguardar a pré-insolvência para requerer a recuperação, demonstrando capacidade econômico-financeira e um plano absolutamente factível, não artificial e muito menos fictício.

É evidente que a reforma tributária desempenhará um importante papel para a economia e para a insolvência tributária de milhares de empresas, cujos Refis representam apenas uma incapacidade de se tributar a produtor e não o consumo.

Bancos ligados à área de crise empresarial também devem ser fomentados, até por intermédio da carteira do BNDES, com o propósito de reduzir o estrangulamento de crédito de dinheiro novo e outras percepções formadas pela falta de avaliação segura sobre o sucesso do soerguimento da empresa.

Em linhas gerais, se atingirmos o auspicioso número de 20 milhões de empresas dentro em breve, o mais importante é preservá-las e conservá-las. Mas para tanto teremos que reduzir o apetite do Fisco e melhorar o nível do ambiente econômico do Brasil, para que o Estado e o setor financeiro sejam parceiros dos empresários em crise, não meramente ávidos recuperadores dos seus créditos.

A ruptura provocada pelo fechamento de empresas em diversos setores reclama a atenção do governo, de sindicatos e das empresas, porque atingimos um número marcante de 13 milhões de pessoas sem trabalho formal. A reforma trabalhista, a ser implementada proximamente, poderá trazer algum alívio em atenção à informalidade.

O governo e as demais entidades devem centrar suas atenções para a relevância da empresa e seu papel fundamental no combate à crise e, sobretudo, aos horrores da exclusão social.

A falta de uma legislação disciplinando a recuperação judicial com absoluta isonomia, princípios da boa-fé e eticidade, além de prazos menores, e o poderio maniqueísta da assembleia de credores, esvaziando os poderes do juízo, todos esses ingredientes alinhados ao espírito da reforma poderão deflagrar a falência do instituto da recuperação judicial.

Autores

  • é desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo e professor pesquisador convidado da Universidade de Heidelberg (Alemanha). Tem doutorado pela USP e especialização em Paris.

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