Construção da Cidadania

Há um universo sobre o STF a se descobrir na obra de Emília Viotti da Costa

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3 de novembro de 2017, 13h02

Meu amigo, nobre colega, perdemos Emília Viotti da Costa. 89 anos, boa parte deles na luta pela democracia e pela cidadania. Viu a notícia? Não, não é jurista, nem doutrinadora, nem juíza de alguma comarca de relevo. Ministra do STJ? Tampouco. Integrante da Operação “lava jato”? Passou longe. Já suspeitava: não sabe quem é Emília Viotti da Costa? Não se preocupe. Não conhecer Emília Viotti é apenas um sintoma do quanto nós, do meio jurídico, não costumamos dar a devida atenção à história do nosso Direito Constitucional. Coisa grave?

Não precisa esconder, você torceu o nariz quando falei em história do Direito Constitucional brasileiro. Está certo: quem, de fato, liga para a história do Direito no Brasil? História do Direito Constitucional brasileiro? Não, não troque de mesa. Antes disso, eminente jurista, aceite mais algumas provocações: quem se interessaria, em sã consciência, pela história do Supremo? Sim, Emília Viotti, como historiadora, teve esse mérito. E, sim,me refiro ao Supremo Tribunal Federal, ao nosso Supremo: esse outro desconhecido daquele outro desconhecido, o Aliomar … Baleeiro. Ah chegou de Brasília hoje pela manhã? E como foi? Ambiente cordial entre os ministros? Bom, conte-me depois…

Quero fazer uma brincadeira com a sua memória. Sei que é bastante culto, domina o vernáculo, talvez use mesóclise no jantar com os pimpolhos e conheça todas as institutas de Direito Romano: deve se lembrar da judicialização das medidas implementadas por Roosevelt ao tempo da Grande Depressão nos Estados Unidos.Verdade, maldita Supreme Court! Maldito controle do New Deal! Eu sabia. E sou cético e não adivinho.Desconfiava que estudou pelos melhores livros, pela melhor doutrina de direito público sobre a Reforma do Estado no Brasil da década de 1990. Mas, vendo você tomar esse cafezinho com tanto gosto, fiquei curioso, não me leve a mal — esta conversa passa longe de ser uma prova de erudição: e o STF ao tempo dos programas varguistas de regulação da nossa economia? Saberia me dizer? …

Passo a impressão de ser chato? Não pense uma coisa dessas. Quero te ouvir. Estamos no mesmo barco. Concordo: se os próprios ministros da nossa mais alta Corte não costumam se sentir integrantes e devedores conscientes de uma narrativa histórica mais abrangente, por que deveríamos dar atenção a essa tal“história do nosso direito”? No Brasil, o direito constitucional, por acaso, tem passado?

Saber, por exemplo, se o STF lutou pela defesa de direitos na época de Floriano Peixoto; se se calou na Ditadura Militar; se teve ministro aposentado no braço à época de Vargas – o que tudo isso importa? O bom mesmo é continuar a fazer alusão, sem nenhum propósito,ao direito dos gregos e dos otomanos.

Foi Sócrates ou Luciano Oliveira que nos alertou, recentemente, sobre o anacronismo de se falar do Código de Hamurabi em pesquisas jurídicas? Bobagem, não é mesmo?

Mas, mesmo ouvindo você falar com tanto entusiasmo e conhecimento de causa de todos esses países e sistemas jurídicos, prefiro, hoje, não conhecer tantas coisas. Eu fico com O Supremo Tribunal Federal e a construção da cidadania, da Emília. Me disseram que há um universo sobre o STF a se descobrir por lá…

Emília Viotti da Costa – Emérita da Universidade de Yale e ex-professor de História da USP, escreveu O Supremo Tribunal Federal e a construção da cidadania – nos deixa fisicamente, mas, como sempre, quando o mundo perde alguém da sua envergadura intelectual, a maior homenagem que podemos lhe render é fazer perguntas.

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