Opinião

Com "regra do jogo" distinta ao Brasil, JBS Made in USA seguia a lei

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20 de julho de 2017, 11h18

* Artigo originalmente publicado no jornal O Globo desta quinta-feira (20/7), com o título “Sobre a lei e a regra do jogo”.

Nunca se saberá a que tamanho chegaria a JBS sem propina. Com propina, virou a maior empresa privada nacional. No ranking Fortune 500, que lista as gigantes americanas, está à frente da Nike, 3M e McDonald’s. Tornou-se ainda a segunda companhia global de alimentação, atrás da Nestlé.

Como os Batista não rasgam dinheiro, a corrupção deve ter sido útil. A impossibilidade de medir o tamanho dessa utilidade não impede uma discussão oportuna. Por que Joesley e Wesley, que subornaram tanto no Brasil, evitaram repetir o método nos demais países onde a JBS atua?

Os Batista confessaram ter entregado US$ 180 milhões a 1.829 políticos brasileiros. Quase US$ 100 mil por cabeça. Na delação, contudo, não há uma linha sobre propina paga a político ou autoridades do exterior, onde estão 80% do faturamento do grupo. Metade das vendas globais da JBS se concentra nos Estados Unidos.

Segundo Cláudia Trevisan, correspondente de O Estado de S.Paulo em Washington, entre 2007 e 2014, a JBS aplicou US$ 7 milhões em lobby feito legalmente na capital americana. Isso dá 4% da propina gasta no Brasil.

Nas campanhas políticas, a diferença choca. Em 2014, a JBS desembolsou oficialmente US$ 150 milhões no Brasil, e US$ 300 mil nos Estados Unidos. Ainda que tenhamos tido eleições gerais por aqui, e lá eleições parlamentares, a diferença é de 500 vezes. Vê-se que tiveram o cuidado de agir de forma diferente aqui e lá fora. Por quê?

Uma explicação pode ser a maneira como os Batista interpretam o conceito de limite. Existem pessoas que respeitam limites em qualquer situação, apenas porque os limites existem, não por receio de punição. É gente que nunca fecha um cruzamento por princípio, não porque o guarda está vendo.

Nos países mais atentos aos limites, o servidor público não assina o ponto para ir embora sem dar expediente, as pessoas não pagam o médico sem nota fiscal, não furam filas, nem deixam o lixo em qualquer lugar. É assim no Japão. Na Copa do Mundo de 2014, os torcedores japoneses deram um show nos estádios brasileiros ao recolher o lixo que haviam produzido durante a partida. Se eles sujaram, eles deveriam limpar.

Joesley e Wesley talvez tenham preferido decidir por observar ou não os limites após uma avaliação de risco. Nos Estados Unidos, a chance de ir para a cadeia é maior do que a de fechar um acordo com perdão judicial? Melhor andar na linha. No Brasil dá para aprontar e depois pagar pela inocência? Ok transgredir.

Após a delação, Joesley concedeu uma entrevista a Diego Escosteguy, da Época. Nas respostas, assumiu a existência de um critério geográfico de limites. “Competimos sem propina nos Estados Unidos, na Austrália, na Inglaterra, no mundo inteiro. No Brasil, infelizmente, a propina era o custo de operar”, respondeu. “Era a regra do jogo”.

Há um lado lamentável na declaração. Constatar que a JBS Made in USA seguia a lei, e a JBS Made in Brazil, a “regra do jogo”. E tudo feito de forma velada. A JBS possuía até um Manual de Conduta Ética, que dizia que “prometer, oferecer, receber ou autorizar (…) qualquer forma de suborno (…) são condutas inaceitáveis”.

Há, contudo, um lado animador, uma oportunidade de avançarmos. Fica comprovado que até pessoas dadas à transgressão, como os Batista, conseguem seguir regulamentos. Se não por princípio, como os torcedores japoneses, ao menos por medo das consequências. A consequência, e não a indulgência, pode fazer com que lei e regra do jogo se tornem sinônimos. Sinônimos de limite.

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