Retrospectiva 2017

Com reforma, ano trouxe revolução legal no modelo de organização sindical

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31 de dezembro de 2017, 6h50

O ano de 2017 marcou intensos debates na área do Direito do Trabalho. Plantou a transformação nas relações trabalhistas. Nunca a sociedade discutiu tanto direitos trabalhistas e 2017 vai para a história como o ano da Reforma Trabalhista e da demonstração de muita resistência e controvérsias diante do novo!

Tudo começou em dezembro de 2016 com o Projeto de Lei 6.787/16 que, encaminhado ao Congresso, foi ampliado pelo Projeto Substitutivo da Câmara, de forma a propor alteração de mais de 100 dispositivos da CLT, alguns de fundamental relevância para a adequação da legislação trabalhista à realidade do que já se praticava tanto em negociações coletivas como nas tentativas flexibilizadoras das relações de trabalho.

Ao lado da proposta de alteração da CLT, caminhava o Projeto de Lei 4.330 sobre a regulamentação da terceirização de serviços. Enquanto se discutia o seu conteúdo, outro projeto de Lei avançou e tomou a dianteira foi aprovado. Trata-se do Projeto de Lei 4.302, de 1998, do Poder Executivo, cuidando a um só tempo de trabalho temporário e da prestação de serviços a terceiros. Este Projeto transformou-se na Lei 13.429 de 31 de março de 2017.

O primeiro impacto trazido pela Lei 13.429 foi a regulamentação formal da prestação de serviços por empresas especializadas ou por meio de pessoa jurídica, revertendo as expectativas de muitos que pretendiam limitar a liberdade contratual e manter o modelo corporativo de organização do trabalho: empregados assalariados e categoria profissional, sempre na defesa de benefícios sindicais sustentadas no modelo monista de organização sindical.

Portanto, a adoção da terceirização por um modelo admitido pela nova lei, eliminou a avolumada discussão em torno da burla na sua prática, agora com mais segurança jurídica. Neste tema, a Lei 13.467/17, arrematou a Lei 13.429/17, incluindo de forma efetiva a possibilidade de contratação de prestação de serviços em atividade fim. Deste modo, consolidou a liberdade contratual e os limites de atuação na fiscalização na presunção de vínculo de emprego. Agora, coerentemente, a discussão de vínculo de emprego ficou restrita à procura pelo trabalhador de seu reconhecimento perante a Justiça do Trabalho.

Foram dirimidas as dúvidas em torno dos aspectos relevantes da terceirização: (i) o risco da relação jurídica da tomadora, sempre subsidiária e mantida a orientação jurisprudencial do TST; (ii) o conteúdo da relação jurídica que mantém a mesma orientação da Súmula 331 quanto ao impedimento da marchandage; e, (iii) os direitos atribuídos aos empregados da empresa prestadora de serviços em choque frontal com o modelo de organização sindical que, naquele momento, ainda disputava o reconhecimento de categorias profissionais para aumentar a arrecadação sindical.

Ao contrário do que muitos apregoaram, na essência, o projeto de lei aprovado não trouxe grandes alterações porque preservou a proteção da relação de emprego e os desvios fraudulentos e ilícitos, quando constatados, sofrerão a incidência do artigo 9º da CLT.

Mas, a possibilidade de transformação de modelos chegou com a Lei 3.467 de 13 de julho de 2017, para entrar em vigor em 11 de novembro do mesmo ano.

As dúvidas e questionamentos foram inúmeros e continuam após sua vigência porque trouxe a necessidade de revisão de conceitos e de princípios mesmo aplicados às relações de trabalho. A nova lei trouxe à discussão a flexibilização de direitos para atender ao que mais de moderno se praticava nas relações trabalhistas e o mundo parecia viver em perfeito antagonismo: a lei que servia de base para a atuação fiscal não acompanhava a velocidade com que a produção do trabalho passou a ser entregue. E o medo que ficava era o da desproteção porque nas novas disposições ganhou força a autonomia da vontade e a boa-fé das relações contratuais não poderia mais permitir a proteção paternalista do Estado. A questão que se coloca é de saber até que ponto a Reforma Trabalhista teria avançado na transformação desse paradigma.

O tratamento dispensado pela legislação consolidada para a proteção de direitos dos trabalhadores submetidos à condição de empregado sempre foi e continuou sendo a dos artigos 9º, 444 e 468 da CLT, e que exprimem uma liberdade contratual contida sob pena de nulidade, elevada que está a legislação trabalhista e a proteção do trabalho ao nível de interesse e ordem públicos.

Depois, no artigo 444, o legislador atribuiu às partes a plena liberdade de estipulação do contrato, com restrição a que não sejam estabelecidas contrariamente aos direitos garantidos tanto pelas normas trabalhistas como aquelas que forem ajustadas por meio de negociações coletivas em convenções ou acordos coletivos.

Na relação individual, o artigo 468 da CLT, pela imposição à intangibilidade do contrato de trabalho e a capacidade relativa do empregado quanto à manifestação da vontade, serviu para os empregadores como a espada de Dâmocles sempre que se tratasse de alteração contratual com respaldo no artigo 9º do Estatuto Obreiro imputando de nulo todos os atos praticados e que tenham efeito no descumprimento das normas de proteção previstas na CLT.

A Lei 13.467/2017 manteve os três pilares da proteção das garantias mínimas nas relações de trabalho, com algumas considerações que levam às garantias contratuais a possibilidade de se transformarem e, por conseguinte, de sofrerem alterações, cabendo ao intérprete a busca da separação entre o contrato e a garantia da lei em sentido estrito.

O novo pensamento e a transformação no Direito do Trabalho levam de modo inequívoco ao disposto pelo artigo 8º da CLT, que recebeu parágrafos essenciais para a alteração na intepretação prevista no caput: (i) restringe o direito comum como fonte subsidiária do direito do trabalho, excluindo a incompatibilidade com os seus princípios fundamentais; (ii) fixa parâmetros para a jurisprudência do TST e TRTs; e, (iii) impõe a observância do disposto pelo artigo 104 do Código Civil, privilegiando a autonomia da vontade coletiva, aqui, portanto, responsabilizando a atuação sindical.

Agora a legislação trabalhista reconhece trabalhadores com condições diferenciadas baseada no ganho salarial e formação intelectual, como previsto na reforma do artigo 444, esclarecendo a capacidade de negociação individual com eficácia plena nas hipóteses previstas no artigo 611-A, para os empregados portadores de diploma de nível superior e que percebam salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social. Abandona-se desta forma o critério generalizado da hipossuficiência trabalhista. A essência desta disposição não pode ser a eliminação de direitos garantidos, mas de permitir a flexibilização e adequação das condições contratuais segundo os interesses das partes contratantes.

A segurança jurídica do negociado sobre o legislado impôs aos sindicatos um avanço para que as negociações nos locais de trabalho sejam incentivadas e adaptadas aos interesses no ambiente de trabalho com a garantia de que não se aplicará o critério da condição mais benéfica quando o assunto se referir a norma coletiva, porquanto haverá motivos para que seja observada a teoria do conglobamento e sua aplicação deverá ser inconteste. Neste sentido o artigo 620, dispondo que “as condições estabelecidas em acordo coletivo de trabalho sempre prevalecerão sobre as estipuladas em convenção coletiva de trabalho”.

No campo da desoneração da folha de pagamento, a Lei 13.467/17 oportunizou menor custo, trazendo maior possibilidade de integração do trabalhador na empresa, com efetivo interesse em resultados. Assim, a alteração do artigo 457 da CLT, trará efeitos diretos nos contratos de trabalho com novas atribuições de natureza jurídica salarial de ganhos ou produtos decorrentes de resultados das empresas. Veja-se, exemplificativamente, que o parágrafo 2º, exclui da base de incidência previdenciária e de reflexos trabalhistas, os valores pagos a título de ajuda de custo, auxílio alimentação, diária para viagem, prêmios e abonos (“As importâncias, ainda que habituais, pagas a título de ajuda de custo, auxílio-alimentação, vedado seu pagamento em dinheiro, diárias para viagem, prêmios e abonos não integram a remuneração do empregado, não se incorporam ao contrato de trabalho e não constituem base de incidência de qualquer encargo trabalhista e previdenciário”).

A previsão de que as gratificações ajustadas comporiam a natureza salarial para os devidos efeitos jurídicos desapareceu, sendo substituída exclusivamente pelas gratificações legais com as restrições da MP 808/17 ainda em discussão.

Outra não menos relevante foi a nova redação do parágrafo 4º do artigo 457, referindo-se aos prêmios pagos pelo empregador como “liberalidades em forma de bens, serviços ou valor em dinheiro […] em razão de desempenho superior ao ordinariamente esperado no exercício de suas atividades”, agora com a modulação semestral da MP 808/17. Ainda assim, a nova lei alterou profundamente a antiga disposição do parágrafo 1º, conforme já referido, e que incluía como salário “não só a importância fixa estipulada, como também as comissões, percentagens, gratificações ajustadas, diárias para viagens e abonos pagos pelo empregador”. Visto pelo lado do empresário empreendedor, a flexibilidade de possibilidade de integração da equipe no trabalho é transformadora.

O temor de incidência previdenciária foi eliminado com a alteração da Lei 8.212/91, que trata do custeio da previdência social que, expressamente, alterou o artigo 28, parágrafo 9º, e excluiu do salário de contribuição as diárias para viagem (“h”), os prêmios e abonos (“z”). Nesta linha, não serão mais considerados como base de contribuição previdenciária para fins de benefícios, que ficam limitados aos conceitos de salário na forma do disposto pela lei previdenciária.

Também, o ano foi marcado por uma revolução legal quanto ao modelo de organização sindical baseado no custeio obrigatório pelos trabalhadores e empregadores.

Quando anunciado o projeto de lei da reforma trabalhista, houve manifestação de todos os lados, ora de apoio, ora de rejeição total. Depois de sancionada a Lei 13.467/17, ainda se ouviu o clamor dos indignados, mas a lei está posta e com alterações profundas no modelo trabalhista, agora no campo da organização sindical.

Na relação de Direito Sindical, o artigo 545 da CLT, em sua nova redação trouxe a extinção da contribuição sindical compulsória, fonte de sustentação econômica da estrutura sindical, patronal e profissional (“Os empregadores ficam obrigados a descontar da folha de pagamento dos seus empregados, desde que por eles devidamente autorizados, as contribuições devidas ao sindicato, quando por este notificados” g.n.). Os artigos 578, 579 e 582 da CLT anunciaram a partir de novembro, quando vigente a lei, o caráter facultativo das contribuições sindicais patronal e profissional.

A contribuição sindical sempre foi o elemento essencial de identificação da representação sindical, e ter a chamada “carta sindical” outorgada pelo Ministro do Trabalho era, antes de tudo, aquisição de garantias econômicas em função da categoria representada. Agora, desde 1988, nada disso prevalece, e a revogação do controle do Estado em questões sindicais foi fundamental. As disputas ocorridas entre diferentes agrupamentos sempre demonstram que a capacidade jurídica de estar em juízo ou de celebrar convenções e acordos coletivos esteve vinculada à contribuição sindical: o importante não era a legitimidade, mas o caráter oficial da representação acumulado com o direito à cobrança da contribuição sindical.

O efeito mais próximo e previsível da ausência de obrigatoriedade é de que a contribuição sindical produz a perda do vínculo jurídico que legitima a organização sindical em sua personalidade sindical que passar a fundamentar-se na capacidade de adesão do grupo de interessados. Assim sendo, fragiliza o interesse do controle administrativo da unicidade sindical pelo Ministério do Trabalho. Em palavras outras, o exercício do direito à liberdade sindical na formação de associação profissional ou sindical (artigo 8º da CF) passa a adquirir força natural e espontânea e a entidade estaria legitimada pelo número de associados, e não mais por efeito de ato administrativo do poder executivo.

O poder de negociar não passa pela condição de que a entidade sindical que tem capacidade negocial é aquela para quem o Ministério do Trabalho reconhece o direito de cobrança de custeio forçado.

O Judiciário trabalhista também deverá deixar de decidir sobre representatividade e enquadramento sindical porque, nesse cenário, não haverá mais interesse de agir em ações dessa natureza e, portanto, a adesão espontânea e livre dos interessados é que passaria a definir a capacidade negocial. Dirão alguns que estamos agredindo a garantia da unicidade sindical da Constituição Federal. Entretanto, o que está em conta não é o aspecto formal de representação, mas a efetividade de grupos reconhecidos de forma legítima. Ademais, a participação obrigatória de sindicatos em negociação coletiva parece não impor o modelo de sindicato, bastando sua capacidade negocial vinculada diretamente aos interessados aderentes.

De outro lado, é inegável que o caráter facultativo da contribuição sindical produz rompimento enorme com o modelo anterior em que os sindicatos possuíam a receita certa. A aplicação da nova lei trouxe preocupação aos sindicatos que devem enfrentar dificuldades naturais para sustentação de sua estrutura de assistência aos associados (e não a todos que contribuíam para o sindicato) e manter sua condição sindical.

Necessariamente, os sindicatos atuais serão compelidos ao movimento de aproximação com a categoria por meio da valorização da representação e da representatividade, saindo do imobilismo beneficiado pelo modelo intervencionista e protetor do Estado. Entretanto, a contribuição sindical facultativa pode levar à criação de novos sindicatos inclusive com outras formas e campo de atuação, e não exclusivamente em categoria como praticado atualmente.

Finalmente, tema de relevância é o acesso à Justiça do Trabalho e o rompimento histórico de tradição proteção do judiciário aos jurisdicionados.

O instituto da Justiça gratuita é regulado na CLT no parágrafo 3º, do artigo 790, no qual se lê que: “É facultado aos juízes, órgãos julgadores e presidentes dos tribunais do trabalho de qualquer instância conceder, a requerimento ou de ofício, o benefício da justiça gratuita, inclusive quanto a traslados e instrumentos, àqueles que perceberem salário igual ou inferior ao dobro do mínimo legal, ou declararem, sob as penas da lei, que não estão em condições de pagar as custas do processo sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família”.

O legislador propositalmente não colocou nenhum critério além da apresentação de requerimento para a concessão da Justiça gratuita, permitindo maior acesso à Justiça do Trabalho.

Contudo, o novo Código de Processo Civil instituiu em seu artigo 105 novas regras para a procuração e limitação aos seus poderes, dispondo que: “A procuração geral para o foro, outorgada por instrumento público ou particular assinado pela parte, habilita o advogado a praticar todos os atos do processo, exceto receber citação, confessar, reconhecer a procedência do pedido, transigir, desistir, renunciar ao direito sobre o qual se funda a ação, receber, dar quitação, firmar compromisso e assinar declaração de hipossuficiência econômica, que devem constar de cláusula específica”.

Assim, o pedido do benefício da Justiça gratuita deverá constar expressamente na procuração outorgada com cláusula que lhe permita declarar a hipossuficiência econômica.

Nesse sentido, para se adequar à disposição do CPC, a OJ 304 foi convertida na Súmula 463, com o seguinte conteúdo:

ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. COMPROVAÇÃO

I – A partir de 26.06.2017, para a concessão da assistência judiciária gratuita à pessoa natural, basta a declaração de hipossuficiência econômica firmada pela parte ou por seu advogado, desde que munido de procuração com poderes específicos para esse fim (art. 105 do CPC de 2015);

II – No caso de pessoa jurídica, não basta a mera declaração: é necessária a demonstração cabal de impossibilidade de a parte arcar com as despesas do processo.

Desta feita, o processo trabalhista se ajusta às disposições do CPC. Em tese, esse procedimento evita declarações de procuradores quanto à hipossuficiência de partes que teriam plenas condições de pagar as custas processuais, sem seu conhecimento e consentimento, e as consequências de apresentar declarações falsas ao Judiciário.

A aprovação da reforma trabalhista oferece óbices à concessão de Justiça gratuita, não sendo mais ela desvinculada de quaisquer condições. Nesse sentido, o novo texto sobre o assunto:

Art. 790……………………………………………………………………….

§ 3º É facultado aos juízes, órgãos julgadores e presidentes dos tribunais do trabalho de qualquer instância conceder, a requerimento ou de ofício, o benefício da justiça gratuita, inclusive quanto a traslados e instrumentos, àqueles que perceberem salário igual ou inferior a 40% (quarenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.

§ 4º O benefício da justiça gratuita será concedido à parte que comprovar insuficiência de recursos para o pagamento das custas do processo.

Desse modo, a Justiça do Trabalho continuará acessível sem custos.

O outro aspecto controvertido diz respeito aos honorários de sucumbência da nova lei que introduziu o artigo 791-A na CLT e parágrafos, dispondo da seguinte forma:

Ao advogado, ainda que atue em causa própria, serão devidos honorários de sucumbência, fixados entre o mínimo de 5% (cinco por cento) e o máximo de 15% (quinze por cento) sobre o valor que resultar da liquidação da sentença, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa.

§ 1º Os honorários são devidos também nas ações em face da Fazenda Pública e nas ações em que a parte estiver assistida ou substituída pelo Sindicato de sua categoria.

§ 3º Na hipótese de procedência parcial, o juízo arbitrará honorários de sucumbência recíproca, vedada a compensação entre os honorários.

§ 4º O beneficiário da justiça gratuita não sofrerá condenação em honorários de sucumbência, desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outra lide, créditos capazes de suportar a despesa.

Cuida-se de previsão que, para alguns, poderá inibir o acesso à Justiça porque a gratuidade no processo trabalhista sempre foi determinante ao estímulo na busca de reparação de direitos inadimplidos durante o contrato de trabalho. Para outros, entretanto, poderá ter efeito contrário dado que as ações serão ajuizadas com mais cuidado e responsabilidade, e os pedidos, face à possibilidade de sucumbência recíproca em caso de procedência parcial da ação, serão melhor direcionados e fundamentados.

O ano de 2017 de fato plantou as transformações possíveis e, agora, cabe aos operadores do Direito, apontar o seu caminho. O que não se poderá admitir é a perda de oportunidade de construir um novo Direito do Trabalho com os ajustes necessários mas sempre com olhar para o futuro, porque o passado não pode ser utilizado como referência de proteção de justiça nas relações trabalhistas.

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