Neutralidade da rede

Governo Trump permite criação de "vias rápidas" com pedágio na internet

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15 de dezembro de 2017, 9h49

Por meio de ato da Comissão Federal das Comunicações dos Estados Unidos (FCC – Federal Communications Commission), o governo Trump revogou nesta quinta-feira (14/12) as normas que criaram a neutralidade da rede em 2015, durante o governo Obama. Agora, as provedoras de serviço de internet (ISPs) podem, entre outras coisas, criar vias rápidas para quem pagar e vias lentas para quem não pagar. Ou até mesmo vias bloqueadas.

Para explicar a extensão da medida com uma imagem, pode-se dizer que o governo Trump reservou rodovias de alta velocidade (por banda larga) para quem não se importar de pagar pedágios, estradas vicinais para quem não concorda em fazer pagamentos extras e estradas de terra, com possíveis bloqueios, para fornecedores de conteúdo concorrentes.

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Trump revogou nesta quinta-feira (14/12) as normas que criaram a neutralidade da rede em 2015, durante o governo Obama.
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Exemplificando: sob as regras atuais, a Verizon não pode favorecer o Yahoo e o AOL, de sua propriedade, bloqueando o Google. Com as novas normas, poderá fazer isso legalmente — desde que informe seus clientes sobre sua ação. Ou a Verizon poderá cobrar uma taxa extra do Google para levar seu conteúdo, através de banda larga de alta velocidade, aos clientes que assinam seus serviços a cabo.

A medida, que vai favorecer as grandes provedoras de internet, como a Verizon, AT&T, Comcast, Charter etc., foi contestada por inúmeras empresas de tecnologia e provedoras de conteúdo que poderão ter seus websites manipulados pelas ISPs.

Entre as empresas descontentes com a medida está a Netflix, que terá um grande problema se seus streamings de vídeos forem desacelerados, caso se recuse a pagar um bom pedágio. Se concordar, todos os custos extras da Netflix, como os de outras provedoras de conteúdo, serão obviamente repassados aos consumidores.

Mais do que os protestos das provedoras de conteúdo, o governo ignorou a opinião pública americana. De acordo com o Washington Post e outras publicações, as pesquisas revelaram que 83% dos americanos se opõem ao fim da neutralidade da rede — entre os quais, 3 em cada 4 republicanos entrevistados.

Afinal, além de poder tornar a internet muito lenta para consumidores que não querem pagar por cada serviço “extra” que sua ISP acrescentar a seu pacote, as provedoras de serviço terão o poder de simplesmente bloquear conteúdos e websites que não gostarem. Podem também bloquear o download de aplicativos gratuitos, a não ser que o consumidor contrate um determinado plano.

A medida é tão impopular que o presidente Trump não fez referência a ela quando anunciou, na tarde desta quinta, por uma rede de televisão, um pacote de medidas executivas de desregulamentações. Ele apenas se limitou a explicar as vantagens da desregulamentação, que, segundo ele, favorece as empresas e cria empregos.

Mas foi amplamente divulgado que o fim da neutralidade da rede e suas consequências para os consumidores é uma obra republicana, duramente combatida pelos democratas. A FCC tem cinco membros votantes, três republicanos e dois democratas. Entre os republicanos está o presidente da Comissão Ajit Pai, ex-advogado da Verizon, que chegou ao cargo pelas mãos de Trump. A medida passou por 3 votos a 2, de acordo com as linhas partidárias.

Como Trump, as ISPs, também operadoras de serviços de telecomunicações e de TV, declararam que a desregulamentação vai, na verdade, favorecer os consumidores. Só não explicaram como vão concretizar esse prodígio.

A FCC criou algumas estratégias para mudar (ou pelo menos tentar mudar) a internet para sempre nos EUA. A primeira foi eliminar a classificação de serviço de utilidade pública que o governo Obama atribuiu ao serviço de provimento de internet.

A medida de Obama colocou a internet no mesmo nível do serviço telefônico. As companhias telefônicas não podem desacelerar ou bloquear ligações por interesse próprio. A norma de Trump torna a internet um serviço comercial que pode ser explorado como as provedoras quiserem.

As provedoras de serviços de internet, que também oferecem serviços telefônicos e de TV a cabo, são obrigadas, até agora, a tratar todos os serviços on-line, grandes e pequenos, igualmente. O tratamento igual acaba com as novas normas.

Outra estratégia para manter a perpetuação da desregulamentação da internet foi a decisão da FCC de limitar o seu próprio poder de mudar as normas no futuro. Assim, se o Partido Democrata ganhar as eleições presidenciais de 2020, tomar o controle da FCC e quiser restituir a neutralidade da rede, não poderá fazê-lo — teoricamente.

As novas normas também pretendem impedir que os estados aprovem suas próprias normas em favor da neutralidade da rede. Assim, as grandes provedoras poderão assumir o controle da internet em todo o país.

Isso coloca o problema nas mãos do Congresso dos EUA. Mas, até as eleições de 2018 (ou de 2020), o Partido Republicano terá a maioria dos votos. O partido defendeu a medida, apesar do descontentamento de uma boa parte de seus parlamentares, preocupados com a desaprovação de sua base, e dos democratas. Portanto, não vai ser fácil aprovar uma lei que devolve a neutralidade à rede em curto prazo.

Nem por isso o governo Trump pode celebrar tão rapidamente o fim da neutralidade da rede, porque vários estados, várias entidades e empresas de tecnologia vão mover ações judiciais para bloquear a entrada em vigor das novas normas, conforme anunciaram antes mesmo de elas serem aprovadas. Algumas entidades já declararam, por exemplo, que a medida é uma violação da liberdade de expressão. E, de uma maneira geral, à liberdade da internet.

No Brasil
Especializado em internet, o advogado Ademir Pereira Jr., sócio da Advocacia José Del Chiaro, teme que a iniciativa americana exerça alguma influência negativa no Brasil. “O Brasil tem uma boa lei, o Marco Civil da Internet, e um decreto presidencial, mas ainda está definindo como aplicar as novas regras na prática. As normas americanas podem reforçar as pressões para mudar o marco civil”, disse à ConJur.

O advogado Alexandre Zavaglia Coelho, coordenador do IDP-São Paulo e especializado em inovação e tecnologia, afirmou que a maior preocupação é garantir a livre iniciativa que democratizou a oferta de bens e serviços na internet. “Além disso, há uma preocupação com a liberdade de expressão, que perde com o fim da neutralidade da rede. As provedoras de Internet poderão privilegiar alguns conteúdos ou alguns fornecedores, de acordo com os planos de serviço que oferecem aos consumidores.”

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