Opinião

Penhora de bitcoins é possível, mas de difícil realização

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  • Marcelo Lauar Leite

    é advogado professor da Universidade Federal Rural do Semi-Árido (Ufersa) e doutor em Ciências Jurídico-Empresariais pela Universidade de Coimbra.

7 de dezembro de 2017, 5h39

Na última semana de novembro, a cotação do bitcoin (BTC) atingiu a chocante marca dos US$ 10 mil. Embora o futuro do principal expoente das criptomoedas — e o destas, como um todo — ainda levante suspeitas por parte de governos, instituições financeiras e players do mercado, vários investidores já foram seduzidos pela verticalidade de sua escalada. Para se ter ideia, o Mercado Bitcoin — uma das corretoras (exchanges) nacionais do setor — divulga ter uma impressionante base de mais de meio milhão de clientes, superando o número de correntistas de muitos bancos já consolidados.

Não tardou para que o aporte patrimonial em BTCs despertasse o interesse dos juristas. Para além das questões fiscais[1], chamou a atenção o julgamento do Agravo de Instrumento 2202157-35.2017.8.26.0000, publicado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo em 21.11.2017. O TJ-SP debruçou-se sobre pedido de penhora de uma criptomoeda, negando-lhe provimento sob a alegação de não haver “sequer indícios de que os agravados tenham investimentos em bitcoins ou, de qualquer outra forma, sejam titulares de bens dessa natureza”. Apesar disso, deixou-se claro que, “por se tratar de bem imaterial com conteúdo patrimonial, em tese, não há óbice para que a moeda virtual possa ser penhorada para garantir a execução”.

A apreciação econômica do bem, cumulada com sua não categorização no rol do artigo 833 do CPC, mostram o acerto do TJ-SP em tratar o bitcoin como bem abstratamente penhorável. À parte da discussão sobre a natureza das criptomoedas para fins executivos — equivaleriam a dinheiro, valores mobiliários, bens móveis ou outros direitos?[2] —, o grande debate a ser travado sobre esse tema diz respeito à efetividade de uma ordem de penhora sobre BTCs, tamanha a complexidade de seus processos de organização, validação e circulação. Em outras palavras, penhorar criptomoeda é, hoje, um ato jurídico exequível?

Se a prudência recomenda a ressalva do “depende” na formulação de respostas jurídicas em geral, aqui, estamos diante de um caso potencializado. Vivo fosse, Guimarães Rosa talvez o chamasse de grandepende. Por quê?

Diferente do que ocorre com a circulação de moedas e valores mobiliários, as criptomoedas padecem de controle de autoridades financeiras ou do mercado de capitais (como o Banco Central e a CVM)[3]. Para penhorar BTCs, o magistrado precisaria saber onde eles estão depositados, informação obscura quando (i) inexiste um poder ou intermediador centralizado e (ii) as criptomoedas podem estar custodiadas rigorosamente em qualquer lugar: corretoras nacionais ou estrangeiras; softwares (aplicativos); hardwares (por exemplo, pen drives ou HDs externos); e até em paper wallets, isto é, carteiras físicas (sequências de caracteres impressas em papel) mantidas sem qualquer acesso à internet.

Nesse cenário, a exequibilidade de medidas constritivas em face de BTCs é improvável. Qualquer advogado com pouca experiência já deve ter se sentido paralisado diante de autos de penhora negligentes que, deixando de arrolar bens de fácil visualização e/ou aferição, limitam-se a veicular uma conhecida mensagem: “não foram encontrados bens penhoráveis no local da diligência”. Em uma praxe de pouco esmero, é fantasioso acreditar que residências ou sedes mercantis serão vasculhadas à procura de pen drives ou paper wallets com códigos aleatórios. Sendo assim, as (pequenas) chances dos credores estão no âmbito das exchanges nacionais.

Embora não sejam essenciais para a concretização de transações envolvendo criptomoedas, as corretoras são muito utilizadas pela praticidade de suas plataformas, facilitando as operações envolvendo criptomoedas e moedas nacionais. A venda de BTCs por uma exchange requer, primeiramente, a transferência daqueles para sua custódia, viabilizando-se, por meio desta, a negociação com terceiros. Paralelamente, os BTCs comprados por essa intermediação também são custodiados, ato contínuo, na própria corretora.

De fato, nada garante a permanência da criptomoeda sob a custódia da corretora por mais que alguns instantes. Tão logo o aporte-vendedor ou recebimento-comprador de BTCs chegue ao sistema da exchange, sua transferência para meios de difícil descoberta passa a ser possível (por exemplo, as paper wallets, entre outros mecanismos de armazenagem já citados). Todavia, a existência dessa curta janela pode conferir ao Estado-juiz a oportunidade de concretizar eventual ordem de penhora de bitcoins, bloqueando a circulação da criptomoeda em favor dos credores do negociante.


1 Objeto de orientações já expedidas pela Receita Federal.
2 Assunto, aliás, já tratado aqui na ConJur: https://www.conjur.com.br/2015-fev-07/bitcoins-podem-alvo-regulamentacao-especifica-bc-ou-cvm
3 Vozes especializadas até colocam em dúvida a viabilidade da intromissão legislativa estatal nesse meio: http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/radio/materias/RADIOAGENCIA/542125-BANCO-CENTRAL-NAO-RECONHECE-MOEDAS-VIRTUAIS-COMO-DINHEIRO-E-DISCORDA-DA-NECESSIDADE-DE-REGULAMENTACAO.html

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