Opinião

STF acerta ao qualificar bens jurídicos por seu aspecto funcional

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  • é advogada professora associada de Direito Civil e Comercial na UnB ex-conselheira do Cade e ex-diretora da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília.

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  • é sócio-fundador do Gustavo Tepedino Advogados professor titular de Direito Civil e ex-diretor da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

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3 de abril de 2017, 9h53

No dia 8 de março, o Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu que os livros eletrônicos e os suportes próprios para a sua leitura são alcançados pela imunidade tributária a que se refere o artigo 150, VI, “d”, da Constituição. Mais do que isso, entendeu que a imunidade tributária abrange igualmente os suportes exclusivos para leitura e armazenamento, além de componentes eletrônicos que acompanhem material didático.

Foram dois os recursos extraordinários cujos julgamentos foram finalizados naquela oportunidade. No RE 330.817, discutia-se a imunidade de livro eletrônico que era apresentado com suporte em CD-ROM. Já no RE 595.676, discutia-se a imunidade de fascículos didáticos que vinham acompanhados de componentes eletrônicos.

Em ambos os recursos, a questão relevante submetida ao Supremo Tribunal Federal, além da relativa aos propósitos da imunidade tributária de livros e periódicos, foi precisamente a dos critérios de compreensão dos bens na sociedade tecnológica.

Mais do que ampliar a noção de livro,[1] o Supremo Tribunal Federal deu um passo importante para mostrar como a interpretação jurídica, atenta às tecnologias emergentes, deve qualificar os bens jurídicos por seu aspecto funcional, desapegando-se de conceituações baseadas em aspectos meramente estruturais. No caso, por desempenhar a mesma finalidade e função, o livro eletrônico é modalidade contemporânea de livro, a atrair as mesmas normas que disciplinam o livro impresso, do qual somente se distingue pelo modo de consulta e de acesso ao seu conteúdo. Dito diversamente, o conceito de livro não pressupõe o papel, podendo apresentar diversas formas de exteriorização, desde que se preservem a sua finalidade e função.

Vista sob essa perspectiva, a questão é simples: livro eletrônico é livro. O fato de prescindir de sua tradicional estrutura, suporte físico e tangível, não afasta tal sua qualificação funcional. A mesma conclusão deve ser estendida aos casos em que o livro eletrônico tenha algum suporte material, que integra o livro eletrônico tanto quanto as páginas de papel fazem parte do livro impresso.

Tal conclusão torna-se ainda mais evidente quando se verifica que a norma constitucional imunizante refere-se somente a livro, sem qualquer ressalva quanto ao seu conteúdo, tampouco quanto ao seu formato. E nem se cogite de que a discussão requer a interpretação extensiva da imunidade tributária, quando, na verdade, basta que haja a conformação e a adaptação do conceito de livro para uma sociedade tecnológica.

Todas essas razões fizeram com que o Supremo Tribunal Federal, acertadamente, reconhecesse a imunidade tributária do livro eletrônico, estendendo-a a todos os suportes físicos ou tangíveis que se destinem exclusivamente a esta função, o que inclui até mesmo os e-readers. Entretanto, o ministro Relator Dias Toffolli teve o cuidado de afastar expressamente da imunidade aparelhos multifuncionais, tais como tablets, smartphones e notebooks.

Dessa maneira, foi fixada a tese de repercussão geral segundo a qual “a imunidade tributária constante do artigo 150, VI, “d”, da Constituição Federal, aplica-se ao livro eletrônico (e-book), inclusive aos suportes exclusivamente utilizados para fixá-lo”. O voto do ministro Relator Dias Toffolli esclareceu, entretanto, que funcionalidades acessórias que acompanhem o suporte material do livro eletrônico, como glossários e ferramentas para mudança de fonte da leitura, dentre outros, não afastam a imunidade tributária.

Já em relação ao RE 595.676, que tratava da questão de complementos materiais que podem vir acompanhados com o livro, foi igualmente reconhecida a imunidade, sob o fundamento de que os componentes eletrônicos que acompanham fascículos formam, do ponto de vista funcional, conjunto didático, a ser protegido. Daí a tese fixada, segundo a qual “a imunidade tributária da alínea “d” do inciso VI do artigo 150 da Constituição Federal alcança componentes eletrônicos destinados exclusivamente a integrar unidades didáticas com os fascículos”.

Além de definir a compreensão do conceito de livro de modo compatível com a sociedade tecnológica, os julgamentos mencionados consolidam a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de considerar a imunidade sobre livros, jornais e periódicos como instrumento de realização de valores e princípios constitucionalmente tutelados, que se traduzem em fundamento do Estado Democrático de Direito: educação, cultura, mídia, liberdade de expressão.

No contexto da sociedade tecnológica, em que democracia e informação, cada vez mais, se interligam, o entendimento do Supremo Tribunal Federal constitui-se em alento e alerta para que a interpretação jurídica priorize a qualificação funcional dos novos bens jurídicos, com extraordinário impacto para a teoria geral do direito.


[1] A ampliação da noção de livro tem sido igualmente debatida nos Tribunais brasileiros, sendo emblemático o caso recentemente noticiado quanto ao conjunto de cartas (ou cards) que compõem jogo de estratégia, veiculando difundem imagens de personagens e fragmentos descritivos das características e aventuras relativas a eles, os quais, juntos, completam o todo de tais histórias de ficção infanto-juvenil. O Tribunal Regional Federal da 3ª Região considerou que, embora a imunidade tributária seja exceção à regra jurídica de tributação, não seria razoável atribuir-lhe interpretação limitada de forma a incluir os cards em classificação tributária diferente da de livros: “o vocábulo ‘livro’ contido no artigo 150, inciso VI, alínea ‘d’, da Constituição Federal não se restringe à convencional coleção de folhas de papel, cortadas, dobradas e unidas em cadernos, mas sim em qualquer suporte (disco, disquete, cartões, vídeos e outros), nos quais seja possível antever a divulgação de material literário”. A questão chegou ao STF em recurso proposto pela União (Recurso Extraordinário com Agravo 941.463), mas não chegou a ser apreciado no mérito em virtude da incidência da Súmula n. 279 da Corte. Para mais informações, v. http://www.conjur.com.br/2016-mar-29/jogos-estrategia-cartas-direito-imunidade-tributaria; http://www.conjur.com.br/2017-mar-26/cartas-rpg-equiparam-livro-isentas-pis-cofins

Autores

  • é professora de Direito Civil e Comercial da Universidade de Brasília (UnB) e sócia de Gustavo Tepedino Associados.

  • é professor titular de Direito Civil e ex-Diretor da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Sócio fundador do escritório Gustavo Tepedino Advogados.

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