Justiça Tributária

Contribuintes também são vítimas de abusos e maus-tratos pelo Fisco

Autor

  • Raul Haidar

    é jornalista e advogado tributarista ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

3 de abril de 2017, 11h07

Spacca
Neste fim de semana encontrei no site da Câmara Federal o Projeto de Lei 4.546/2016 que pretende regulamentar os maus-tratos aos animais. Seu artigo 2º cuida da hipótese de:

“XV – obrigar animais a trabalhos excessivos ou superiores às suas forças e a todo ato que resulte em sofrimento para deles obter esforços;”

Ainda que racionais (?), somos animais e na Constituição Federal em tese somos protegidos contra trabalhos excessivos ou superiores às nossas forças, quando a Lei Maior diz que a carga tributária deve ser fixada de acordo com a nossa capacidade contributiva e proíbe cobrança de imposto com efeito de confisco.

Assim, com o aumento da nossa carga tributária e o tratamento que nos dá o Fisco hoje, talvez um dia tenhamos que fazer como Sobral Pinto que, em defesa um preso político que fora torturado, invocou a Lei de Proteção aos Animais para reclamar contra o que sofria ele no cárcere.

Pois bem. A Associação dos Advogados de São Paulo publica em seu boletim de número 3.003, que noticia que funcionários da Fazenda do Estado estão “em estado de greve”.

Em determinado Posto Fiscal da Capital constatou-se demora de quase quatro horas no atendimento a contribuintes e advogados. Informa-se ainda que já foi enviado ofício ao secretário da Fazenda pedindo esclarecimentos e providências. Nas esferas de competência da União e dos municípios esse desrespeito aos contribuintes e advogados também ocorre.

Na Secretaria de Finanças da prefeitura paulistana vistas de processos são dificultadas e a maioria dos atos dependem de agendamentos. Quando livros e documentos são entregues ou apreendidos pelo Fisco, permanecem vários anos sem exame, o que ocorre às vésperas da decadência.

Ignoram-se ou atiram-se ao lixo o inciso LXXVIII do artigo 5º da Constituição (duração razoável do processo) e o artigo 196 do Código Tributário Nacional, que manda seja fixado, no início do procedimento, o prazo para sua conclusão.

O mesmo ocorre na área federal.  Os contribuintes são geralmente intimados por correio ou pelos ridículos “avisos” que são colocados num quadro na própria repartição. Ou seja: você deve com muita frequência ir à agência do fisco, para saber se não está sendo caçado pelo Leão!

Já ocorreu que pessoa ausentou-se de casa durante um  mês em serviço no exterior. Ao retornar, encontrou em seu domicílio uma intimação. Dirigindo-se imediatamente à repartição, foi informado que perdera o prazo para defender-se. Afirmou o servidor: “quando o contribuinte ausenta-se deve indicar pessoa habilitada a representá-lo!”

Outro contribuinte foi notificado de decisão de primeira instância pelo correio. Apresentou seu recurso dirigido ao Carf e o enviou também pelo correio, registrado com A.R. dentro do prazo legal.  

Em curto espaço de tempo foi informado que a dívida estava inscrita para cobrança executiva, já emitida uma CDA! Simplesmente o setor de protocolo da repartição recebeu o recurso, mas o esquecera em um de seus muitos armários, gavetas ou prateleiras.

Não teve a vítima do “esquecimento” outra solução que não fosse ingressar em juízo para anular a inscrição e obrigar o prosseguimento do recurso, eis que o envio pelo correio é absolutamente legal, por força Ato Declaratório (Normativo) MF/SRF 19 de 26 de maio de 1997, publicado no Diário Oficial da União de 27 de maio de 1997.

Registre-se, por oportuno, que o processo administrativo já está em andamento há quase oito anos, com prejuízo para ambas as partes. Se o Fisco tem razão, deveria resolver logo e colocar em cobrança o que lhe é devido. Se a razão está com o contribuinte, tem ele direito ao que se estatui no preâmbulo da Constituição, que já cansamos de repetir aqui, onde se diz que o Brasil tem como objetivo “assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar,  o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos”.

A respeito disso tudo, devemos registrar que existe no Congresso (atualmente está na Câmara) o Projeto de Lei 2.557 de 19 de outubro de 2011, que pretende instituir o Código de Defesa do Contribuinte a nível nacional. Já foi  aprovado pela Comissão de Justiça e Tributação, onde aguarda andamento desde 22 de dezembro de 2016.  São Paulo, Minas Gerais e Goiás já possuem diplomas parecidos. Seu artigo 2º estatui que:

“Art. 2º São objetivos do presente Código:

 I – promover o bom relacionamento entre o fisco e o contribuinte, baseado na cooperação, no respeito mútuo e na parceria, visando a fornecer aos entes federados os recursos necessários ao cumprimento de suas atribuições;

II – proteger o contribuinte contra o exercício abusivo do poder de fiscalizar, de lançar e de cobrar tributo instituído em lei;

III – assegurar a ampla defesa dos direitos do contribuinte no âmbito do processo administrativo-fiscal em que tiver legítimo interesse;

IV – prevenir e reparar os danos decorrentes de abuso de poder por parte do Estado na fiscalização, no lançamento e na cobrança de tributos de sua competência;

V – assegurar a adequada e eficaz prestação de serviços gratuitos de orientação aos contribuintes;

VI – assegurar a manutenção e apresentação de bens, mercadorias, livros, documentos, impressos, papéis, programas de computador ou arquivos eletrônicos a eles relativos, com base no regular exercício da fiscalização.”

Parece-nos que tal código nem seria necessário. Bastaria que se colocassem em prática, sem interpretações subjetivas ou desvios de aplicação, as normas já contidas na Constituição Federal e no Código Tributário Nacional. Como alguém já disse, “nada se resolve com novas leis, se somos incapazes de cumprir as que já existem.”

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  • é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

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