Opinião

Não há dúvidas da existência e legitimidade da Polícia Legislativa Federal

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14 de novembro de 2016, 6h35

Há quem sustente que as polícias da Câmara dos Deputados e do Senado não seriam, exatamente, polícia, já que não estão inseridas no rol do artigo 144 da Constituição Federal.

O raciocínio se baseia na falsa premissa de que a Constituição só teria tratado das instituições policiais no mencionado dispositivo. Confunde-se o termo “polícia” com a expressão “segurança pública”, que intitula o capítulo no qual o artigo 144 se insere e, embora relacionada com as atividades de muitos órgãos policiais, com eles não se confunde.

Basta ver que o referido capítulo trata de instituições que não trazem a denominação policial, como os corpos de bombeiros militares (inciso V, parte final), as guardas municipais (parágrafo 8º) e os órgãos responsáveis pela segurança viária (parágrafo 9º). Resta patente que, no entender do próprio constituinte, segurança pública não se restringe às atividades dos órgãos de polícia.

O inverso também é verdadeiro, ou seja, as atividades dos órgãos de polícia não se confundem ou se restringem à segurança pública. Nesse sentido é que o constituinte, ao dispor das polícias do Poder Legislativo, assim o fez em dispositivos próprios, topologicamente inseridos em capítulo que trata, justamente, do Poder Legislativo, como não poderia deixar de ser.

Assim é que, em redação cristalina, os artigos 51, IV, e 52, XIII, atribuem à Câmara dos Deputados e ao Senado, respectivamente, a competência privativa para “dispor sobre sua (…) polícia (…)”.

Nem se diga que o termo “polícia” foi utilizado em sentido diminuto, como mero exercício do poder de polícia consistente em uma das atividades administrativas. Se assim o fosse, teria o constituinte utilizado a expressão como um todo, “poder de polícia”, como o fez ao referir-se no artigo 145, II. Aliás, para esse sentido limitado, nem precisaria haver menção expressa, como assim não há ao longo do texto constitucional em relação aos demais Poderes, já que o poder de polícia seria inerente à administração em geral.

O registro claro e inequívoco que o texto constitucional faz à competência da Câmara dos Deputados e do Senado para dispor de sua própria polícia, por evidente, refere-se à autorização para dispor de um órgão policial interno, com atribuições próprias. O pronome “sua”, correlacionado ao termo “polícia”, que se observa em ambos os dispositivos constitucionais, é revelador desse pertencimento e do caráter institucional a que se reveste o termo “polícia”.

Aliás, a própria localização sistemática dos dispositivos, que, como dito alhures, foram inseridos pelo constituinte em capítulo próprio e diverso daquele que trata da segurança pública, longe de diminuir o valor das polícias legislativas, levam a duas conclusões básicas. A primeira, a de que o constituinte quis ressaltar que as atribuições das polícias legislativas não se confundem com atividades de segurança pública. A segunda, e mais significativa, releva a vontade do constituinte de homenagear a independência entre os Poderes, razão maior da existência dessas instituições policiais.

Uma análise histórica das constituições brasileiras evidencia essa verdade. A primeira Constituição, de 1824, previu, em capítulo destinado a tratar dos Ramos do Poder Legislativo, e suas atribuições, a “polícia interior” do Legislativo (artigo 21). Expressão similar foi utilizada na Constituição de 1891, que, no parágrafo único do artigo 18, dizia competir a cada uma das Casas, dentre outras coisas, “regular o serviço de sua polícia interna”, o que viria a ser repetido no artigo 41 da Constituição de 1937. Antes disso, a Constituição de 1934 também tratou, nos artigos 26 e 91, VI, respectivamente, da competência da Câmara dos Deputados e do Senado de “regular a sua própria polícia”. Nas Constituições de 1946 e 1967, inclusive após a Emenda Constitucional 1, de 1969, a menção à Polícia Legislativa se manteve prevista, respectivamente, nos artigos 40, 32 e 30, de forma similar a como atualmente tratado na Constituição de 1988.

Ora, se em todas as constituições, mesmo aquelas outorgadas em períodos autoritários, a Polícia Legislativa foi respeitada com tratamento constitucional, por que razão a chamada “Constituição Cidadã” de 1988, promulgada em período de redemocratização, haveria de retroagir?

A interpretação dos artigos 51, IV, e 52, XIII, não pode ser outra senão a que realize mais plenamente os valores essenciais de uma democracia, dentre os quais se destacam a independência, harmonia (artigo 2º) e a separação entre os Poderes, cláusula pétrea inegociável e essencial (60, parágrafo 4º, III). E assim o é, não só no Brasil, mas em países de avançado caminhar democrático, mesmo aqueles de forte tradição presidencialista, como é o caso dos Estados Unidos e sua famosa e estruturada Capitol Police (Polícia do Capitólio).

Vê-se, portanto, que uma análise mais atenta evidencia que as resoluções da Câmara dos Deputados e do Senado que tratam das suas próprias instituições policiais guardam fundamento de validade diretamente da própria Constituição, em processo legislativo igualmente adequado ao mandamento constitucional, consoante previsão do artigo 59, inciso VII, da Constituição Federal.

Não há dúvidas, pois, da existência e legitimidade das polícias legislativas federais. E, não obstante o desconhecimento possa gerar estranheza, trata-se de polícia, sim! Sua missão, embora englobe, não se restringe à proteção patrimonial ou policiamento de instalações físicas; à segurança de dignitários e à condução de investigações. Vai além: envolve a garantia diária de bens imateriais de valor inestimável, como a independência institucional do Poder Legislativo, a participação popular e a liberdade do exercício da atividade parlamentar, tão caros e essenciais em um Estado Democrático de Direito.

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