Opinião

Plenário do Supremo Tribunal Federal tem a sua frente uma pauta desafiadora

Autor

  • Damares Medina

    é advogada doutora em Direito professora do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) e coordenadora de pesquisa do Instituto Constituição Aberta (ICONS).

23 de março de 2016, 13h06

Nos últimos dias seis ministros do Supremo Tribunal Federal se manifestaram, ainda que em diferentes graus de extensão, sobre o mesmo tema: suspensão da posse do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva como ministro chefe da Casa Civil e a condução das investigações "lava jato" pelo juiz federal da 13ª Vara Federal de Curitiba, Sergio Moro.

Das decisões proferidas pelos ministros, apenas duas adentraram ao exame do tema: a medida liminar concedida por Gilmar Mendes nos mandados de segurança impetrados pelo Partido Popular Socialista (PPS) e pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), em 18 de março, e a liminar concedida por Teori Zavascki na reclamação 23.457 ajuizada pela presidente da República, em 22 de março.

Ambas as decisões foram proferidas no exercício do poder de cautela inerente à função jurisdicional, que é prerrogativa de todo juiz, mas as semelhanças param por aqui. Apesar da aparente sobreposição de competências, as duas decisões não se confundem.

As diferenças começam logo na ação na qual foram proferidas: enquanto Gilmar Mendes concedeu a medida liminar em mandado de segurança, Teori Zavascki proferiu a liminar apreciando reclamação constitucional, ação vocacionada a preservar a autoridade de decisão do Supremo Tribunal Federal.

Os objetos das duas ações são distintos, assim como as disposições das duas decisões.

Os mandados de segurança têm o objetivo de anular o ato de nomeação de Luiz Inácio Lula da Silva para o cargo de ministro chefe da Casa Civil, mas apenas o mandado de segurança do PSDB pede expressamente a manutenção liminar da competência do juízo da 13ª Vara Criminal de Curitiba. Esse dado é importante porque ações concretas, como o mandado de segurança, apenas podem ser decididas nos estritos limites de seus pedidos, sob pena de extravasamento dos poderes de decidir do juiz, que não pode agir de ofício (princípio do impulso oficial).

Em sua decisão, Gilmar Mendes entende que o ato de nomeação do ex-presidente Lula estaria contaminado pelo insanável vício de desvio de finalidade, a saber, fuga do foro com o deslocamento da competência criminal para o Supremo, dada prerrogativa de foro dos ministros de estado, devendo por isso ser liminarmente sustado. A liminar suspende a eficácia da nomeação do Ministro Chefe da Casa Civil e determina manutenção da competência da justiça de primeira instância (não necessariamente da 13ª Vara Federal de Curitiba).

Já a reclamação é ajuizada contra a decisão do juiz federal Sérgio Moro, que captou e tornou públicas conversas mantidas entre a Presidente da República e o ex-presidente Lula. Ao assim decidir o juiz Sérgio Moro teria afrontado a autoridade das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal nas ações penais 871 e 878, relatadas por Teori Zavascki.

A decisão de Teori Zavascki fixa duas regras relevantes para o deslinde futuro do tema. Primeiro, havendo a interceptação de conversa mantida com terceiro que detenha prerrogativa de foro, o conteúdo das gravações deverá ser enviado ao juízo competente para investigar o agente com prerrogativa, único apto a decidir sobre o desmembramento ou não do inquérito. Para o ministro, apenas de posse do inteiro teor das investigações promovidas, o Supremo poderá decidir acerca do cabimento ou não do desmembramento, bem como sobre a legitimidade ou não dos atos praticados por Sergio Moro, exercendo assim a sua competência constitucional. Segundo, a divulgação pública das conversações telefônicas interceptadas, nas circunstâncias em que ocorreu, violou o direito fundamental à garantia de sigilo, princípio fundamental consagrado no inciso XII do artigo 5º da Constituição.

Para Teori Zavascki a divulgação de conversas que sequer têm relação com o objeto da investigação é inconcebível, sendo descabida a invocação do interesse público, como se pessoas públicas ou autoridades e seus interlocutores estivessem desprotegidas em sua intimidade e privacidade. Teori fundamenta sua decisão em precedente do Plenário do Supremo Tribunal Federal, no qual se decidiu que, na possível colisão entre os princípios da liberdade de informação e os direitos da personalidade (como o âmbito da proteção do sigilo das informações), este último prevalece, até mesmo em face de suposto interesse público (Pet 2.702).

A esse propósito, apesar de admitir a irreversibilidade dos efeitos práticos da indevida divulgação das conversas interceptadas, Teori concede a liminar para restabelecer o sigilo, sustando possíveis efeitos futuros. A medida visa evitar ou minimizar os efeitos jurídicos nefastos da divulgação indevida, dentre os quais destaca: o comprometimento da validade da prova colhida e eventuais consequências no plano da responsabilização civil, disciplinar e penal dos agentes envolvidos.

Dessa forma, a parte dispositiva da liminar concedida por Teori Zavascki suspende a quebra de sigilo decretada por Sergio Moro, bem como os efeitos da decisão que autorizou a divulgação das conversas telefônicas interceptadas, determinando a imediata remessa do processo ao Supremo Tribunal Federal, para que se possa decidir acerca do desmembramento.

Ao contrário do que tem sido equivocadamente noticiado em alguns veículos de informação, na decisão de Teori Zavascki não há nenhuma menção à concessão de prerrogativa de foro ao ex-presidente Lula. Há exclusivamente a preservação da garantia de foro privilegiado da presidente da República e da prerrogativa constitucional do Supremo Tribunal Federal decidir pelo desmembramento ou não dos inquéritos criminais.

Tanto a decisão de Gilmar Mendes, quanto a de Teori Zavascki são monocráticas, liminares (por isso provisórias) e deverão ser confirmadas ou não pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, o que se espera seja feito na próxima sessão de julgamento prevista para 30 de março, com a apreciação conjunta de todas as ações, a fim de se evitar pronunciamentos monocráticos divergentes sobre o mesmo tema.

O Plenário tem a sua frente uma pauta desafiadora e deverá decidir sobre os seguintes pontos:

  • a constitucionalidade ou não da quebra do sigilo pelo juiz Sérgio Moro e suas consequências legais;
  • a materialização do vício de desvio de finalidade no ato de nomeação do ex-presidente Lula e, a depender da anulação ou não de sua posse, se a competência para a condução do inquérito a ser instaurado seria da primeira instância ou do Supremo Tribunal Federal;
  • o desmembramento do inquérito a partir da interceptação telefônica de conversa com a presidente da República, que detém prerrogativa de foro constitucional.

No tocante à quebra do sigilo decretada por Moro e a divulgação do conteúdo das interceptações, vale lembrar que a decisão de Teori Zavascki encontra respaldo até na jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). A Corte já condenou o Brasil pela violação de direitos decorrentes da divulgação de gravações de interceptação telefônica que estavam em segredo de justiça, e que foram divulgadas no mesmo Jornal Nacional da TV Globo (Caso Escher e outros vs. Brasil).

No tocante ao desvio de finalidade (seja em razão de a nomeação de ministro de estado alvo de investigação afrontar o princípio da moralidade administrativa, seja por tentativa de escolha de foro), é importante frisar que a situação do ex-presidente Lula não é isolada. O ministro do turismo teve mandados de busca e apreensão expedidos contra sua residência e o presidente da Câmara dos Deputados acaba de se tornar réu em ação penal em tramitação no próprio Supremo.

Há indícios de que 40 deputados que integram a comissão do impeachment contra a presidente da República receberam doações de empresas investigadas na "lava jato". A se confirmar a tese de que investigado não pode ser indicado ministro de estado, vários cargos e posições deverão ser revistos pelo Supremo, sob pena de se adotar uma posição casuística e seletiva.

Por fim, ainda sob a perspectiva do julgamento do mérito e da possibilidade do STF anular ato de posse de ministro de estado, vale rememorar o pronunciamento do presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, no julgamento plenário da ADPF 388 (ajuizada contra a nomeação do então ministro da Justiça, Wellington Silva), em 9 de março:

"Alguns jornais já estão dizendo que a maioria do STF vota para anular a posse do ex-ministro. Isso não é verdade, não corresponde a realidade. Nós simplesmente estamos afirmando uma tese que é a incompatibilidade de um membro do ministério publico assumir um cargo no poder executivo, trata-se de uma tese em abstrato (…). O Supremo Tribunal Federal absolutamente não está interferindo na decisão da Presidente da República que tem inclusive amparo no art. 84 (…). Nossa decisão não implica nenhuma censura à senhora Presidente da República e nem cerceia o poder que lhe é dado na constituição, no art. 84, inc. 1º, de nomear e demitir livremente os ministros de estado. Portanto não há nenhuma interferência com o ato de nomeação do dr. Wellington de Cezar Lima Silva para o elevado cargo de Ministro da Justiça, estamos apenas afirmando uma tese”.

Como podemos ver, os desafios são enormes, mas o Supremo Tribunal Federal e seus ministros sempre estiveram a altura deles.

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