Prisão antecipada

STF adotou posição conservadora e regressista, afirma Celso de Mello

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23 de fevereiro de 2016, 8h37

Ao permitir a prisão de réus cujo processo ainda não transitou em julgado, o Supremo Tribunal Federal adotou uma posição conservadora e regressista. Quem diz isso é o ministro que ocupa há mais tempo uma cadeira da corte, o decano Celso de Mello. O polêmico julgamento do último dia 17, diz o ministro, "perigosamente parece desconsiderar que a majestade da Constituição jamais poderá subordinar-se à potestade do Estado".

Em seu voto, o ministro é direto ao afirmar que nenhuma execução de condenação criminal no Brasil, "mesmo se se tratar de simples pena de multa", pode ser implementada sem a existência do título judicial definitivo, resultante do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. E não há fundamento jurídico (de caráter legal ou de índole constitucional) que possa mudar tal questão, prevista no inciso LVII do artigo 5º da Constituição.

U.Dettmar/SCO/STF
Nem mesmo uma simples pena de multa pode ser aplicada sem o fim do devido processo legal, diz Celso de Mello.

Celso de Mello foi um dos quatro ministros que votaram contra a mudança de entendimento, ao deferir o Habeas Corpus 126.292. A maioria de seus colegas discordou dele, e a corte mudou sua jurisprudência, passando a permitir que, depois de decisões de segundo grau que confirmem condenações criminais, a pena de prisão já seja executada.

O ministro ressalta, em seu voto, que a presunção de inocência “representa uma notável conquista histórica dos cidadãos em sua permanente luta contra a opressão do Estado e o abuso de poder”. E essa garantia, continua, diferencia democracias de regimes autoritários. Como exemplo, o ministro lembra que, no Estado Novo (1937-1945), os brasileiros tinham que provar que eram inocentes.

O membro mais antigo do STF deixa claro que tal princípio não deixa a sociedade à mercê de acusados perigosos, pois estes podem permanecer encarcerados no curso de investigações e ações criminais por meio de prisões cautelares.

Essa regra, inclusive, não é uma anomalia brasileira, destacou Celso de Mello, rebatendo os argumentos de que tal garantia seria uma "jabuticaba". Ele lista alguns dos diplomas internacionais de direitos humanos que preveem a presunção da inocência, como a Declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana; a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia; a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos; a Declaração Islâmica sobre Direitos Humanos; e a Convenção Americana de Direitos Humanos.

De acordo com o magistrado, a culpa de um acusado só será declarada após a polícia e o Ministério Público demonstrarem-na e a Justiça concluir que a exposição desses órgãos reflete a realidade.

“Isso significa, portanto, que inquéritos policiais em andamento, processos penais ainda em curso ou, até mesmo, condenações criminais sujeitas a recursos (inclusive aos recursos excepcionais interpostos para o Superior Tribunal de Justiça e para o Supremo Tribunal Federal) não podem ser considerados, enquanto episódios processuais suscetíveis de pronunciamento absolutório, como fatores de descaracterização desse direito fundamental proclamado pela própria Constituição da República”, argumentou o ministro.

Com isso, Celso de Mello votou pela manutenção da jurisprudência do Supremo, acompanhando a divergência aberta por Marco Aurélio. Rosa Weber e o presidente da corte, Ricardo Lewandowski, também ficaram entre os vencidos.

Clique aqui para ler o voto do ministro Celso de Mello.
HC 126.292

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