A controvérsia sobre as razões recursais em segundo grau
30 de dezembro de 2016, 7h05
Adotando o posicionamento, o Tribunal de Justiça do Paraná no julgamento liminar da Correição Parcial Criminal — invenção regimental inconstitucional, conferir STF, RHC 91.293 — 1.617.554.7, de São José dos Pinhais, decidiu que está correto o juiz ao negar o processamento do recurso com apresentação das razões na forma do artigo 600, parágrafo 4º, do CPP[1]. A decisão que indeferiu a validade à norma do artigo 600, parágrafo 4º, do CPP, ainda invocou julgado do TJ-PR, segundo o qual, “efetivamente, em face da facilidade moderna para a transmissão de dados e documentos, não se pode mais falar em dificuldade do advogado em apresentar as razões da apelação diretamente junto ao Juízo de 1o Grau onde tramita o feito, isso sem falar que, em muitos Estados, existe o sistema de protocolo integrado que possibilita apresentar a petição em qualquer Fórum do Estado”. (TJ-PR – 2ª Câmara Criminal – Apelação Crime 1.593.348-5 – relator des. José Maurício Pinto de Almeida – 13/11/2016).
A razão forte da decisão de controle de constitucionalidade em face da efetividade e da duração razoável parte da premissa de que o oferecimento das razões em segundo grau torna mais demorado o processamento e se constitui como uma forma de dilargamento da prestação jurisdicional.
Entretanto, o que causa desconforto é que se tolera que o Ministério Público demore mais do que os oito dias (CPP, artigo 600, caput) para apresentação das razões recursais, quando da interposição, sem que o mesmíssimo fundamento seja invocado, como já sublinhei com Aury Lopes Jr (aqui). Dois pesos e duas medidas não devem ser tolerados em qualquer lugar.
A interposição do recurso somente se completa com a apresentação das razões no prazo de lei, sendo abusiva em face da lógica estabelecida qualquer uso retórico da “mera irregularidade”. Não se trata de simples demora, mas de franca violação à regra do devido processo legal substancial e do princípio do julgamento em prazo razoável.
A lógica é:
a) a Constituição estabeleceu a cláusula da duração razoável do processo;
b) a apresentação das razões fora do prazo do CPP implica em sua violação (tanto para o caput como parágrafo 4º, do artigo 600);
c) logo, com o controle de constitucionalidade, depois da Emenda Constitucional no Poder Judiciário (EC 45/04), não pode ser mais manejado tanto: (i) o artigo. 600, parágrafo 4º, do CPP — apresentação das razões recursais em segundo grau — quanto; (ii) a tolerância como “mera irregularidade” da apresentação das razões recursais fora do prazo de oito dias previsto no CPP (artigo 600).
Qualquer compreensão diversa demonstra ausência de coerência sistêmica e trata a mesmíssima situação — demora injustificada no exercício de dever processual — com respostas não equânimes.
Cabe dizer, ainda, que dentre as propostas do Ministério Público estava a exclusão do artigo 600, parágrafo, 4º, do CPP, do ordenamento jurídico. A alegação era a mesma, embora a medida não tenha sido aprovada. O tempo dirá se há coerência dos julgadores ou farão uma distinção pro acusação.
De qualquer forma, em 24/9/2015, na liminar do HC 128.873, o ministro Marco Aurélio, do STF, determinou a aplicação do artigo 600, parágrafo 4º, do CPP — portanto, em vigor — ao regime recursal dos crimes previstos no Código Eleitoral[2].
A controvérsia está longe de ser superada, mas a posição dominante é a de estar em vigor o artigo 600, parágrafo 4º, do CPP, com a possibilidade de se apresentar as razões no segundo grau (CPP, artigo 600, parágrafo 4º), embora o jogador tenha que recorrer ao STJ e talvez ao STF. A apresentação das razões somente quando já distribuído o recurso pode se constituir em ganho porque apresentam-se os argumentos depois de se saber quem serão os julgadores, potencializando as expectativas de comportamento decisório[3]. A linha argumentativa pode ser "customizada" conforme o órgão julgador.
Bom Ano-Novo e muita esperança no nosso caótico sistema penal aos amigos que leram, criticaram, mesmo o que se escondem atrás do anonimato ou de avatar por não terem coragem de assumir suas posições.
Haja limite penal. Agradeço aos parceiros de colunas Aury Lopes Jr, Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, André Karam Trindade, Rafael Tomaz de Oliveira e Lenio Luiz Streck, bem como aos que garantem que tudo aconteça, Marcos de Vasconcellos, Leonardo (super) Léllis e Andressa Taffarel. Além da Fernanda Nothen Becker que auxilia na revisão toda semana, de tudo.
Homenagem final aos amigos Leonardo Issac Yarochewsky, Luis Carlos Valois e Rômulo de Andrade Moreira, três professores e profissionais que falam o que pensam e são “patrulhados” pelos totalitários de sempre, juristas tenentes do lugar. Estamos juntos.
[1] TJ-PR, Correição Parcial 1.617.554.1 (des. Celso Jair Mainardi): “(…) Recebo o recurso interposto pela Defesa do denunciado, eis que tempestivo.
Indefiro o pedido de apresentação das razões de recurso em segundo grau formulado pela Defesa do denunciado seguindo o entendimento do Exmo. Desembargador José Mauricio Pinto de Almeida, nos autos de Apelação Crime no 1.593.348-5, que considerou que o §4º do art. 600 do CPP não foi recepcionado pela Emenda Constitucional n. 45/04. Afirmou o Ilustre Desembargador que:
O art. 600, § 4º, do Código de Processo Penal não foi recepcionado pela Emenda Constitucional no 45/04, que adicionou aos direitos fundamentais previstos no art. 5º da Constituição Federal de 1988 o inciso LXXVIII, no qual se embute o princípio da celeridade que deve ser empreendida à tramitação dos processos judiciais e administrativos, cuja dicção é: a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantem a celeridade de sua tramitação".
Para além disso, pode-se dizer que o cotejo entre o art. 600, § 4º, do estatuto processual penal e o inciso XXXVIII do art. 5º da CF leva à conclusão da inaplicabilidade dessa norma processual por total incompatibilidade com o princípio da razoável duração do processo contemplado pela Emenda Constitucional 45/04, caracterizando-se a interpretação ab-rogante. Sobreleva notar que, indiscutivelmente, no momento histórico atual (o § 4º do art. 604 do CPP foi acrescido em 1964 pela Lei n. 4.336, de 1º de junho), sua aplicação impõe violação aos princípios da economia e da celeridade processuais, com uma delonga desnecessária propiciada por um oneroso vaivém dos autos do processo, prejudicial às partes e, primacialmente, à sociedade. Os autos são remetidos a esta Corte, onde são apresentadas as razões recursais.
Apresentadas estas, e em obediência ao princípio do promotor natural, volta o caderno processual ao Juízo de origem, para que o Ministério Público ofereça suas contrarrazões. Todo esse trâmite onera a administração da justiça e interfere em demasia na razoável duração do processo, vez que há intimação formal a se realizar nesta instância recursal para que as razões sejam apresentadas pelo apelante, com o consequente deslocamento interno dos autos para retorno dos autos ao primeiro grau (de onde vieram). De conseguinte, na instância inferior, será aberta vista ao representante Ministerial para contra-arrazoar. Depois dessa demorada tramitação, vêm novamente os autos ao tribunal, quando então se abrirá vista à Procuradoria-Geral de Justiça. Neste sentido já decidiu o Supremo Tribunal Federal: RECLAMAÇÃO. JUÍZO DE NÃO-RECEPÇÃO DE NORMA ANTERIOR À CONSTITUIÇÃO DE 1988. INAPLICABILIDADE DA CLÁUSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO (ART. 97 DA CRFB). PRECEDENTES. RECLAMAÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. (…). Considerando que a norma não aplicada, a saber, o art. 600, § 4º, do Código de Processo Penal, foi introduzida pela Lei n. 4.336/64, o juízo realizado pela autoridade reclamada foi o de não-recepção, afastando-se a exigência prevista no art. 97 da CRFB. Ex positis, julgo improcedente a presente Reclamação, com base no art. 161, p. u., do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, ficando prejudicado o pedido de liminar. Publique-se. Brasília, 21 de setembro de 2011. Ministro Luiz Fux Relator (Rcl. 12329 MC, Relator: Min. LUIZ FUX, j. em 21/09/2011, p. em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-185 DIVULG. 26/09/2011 PUBLIC. 27/09/2011). Sendo assim, intime-se o Procurador do denunciado para que apresente as razões de recurso, no prazo legal. (…)”.
[2] MOREIRA, Rômulo de Andrade; MORAIS DA ROSA, Alexandre. Quando o STF precisa dizer o óbvio: o art. 600, § 4º, do CPP, aplica-se aos crimes eleitorais. Consultar: http://emporiododireito.com.br/quando-o-stf-precisa-dizer-o-obvio-o-art-600-§-4o-do-cpp-aplica-se-aos-crimes-eleitorais-por-romulo-de-andrade-moreira-e-alexandre-morais-da-rosa/.
[3] Defendemos que o Ministério Público não pode se valer da regra do artigo 600, parágrafo 4°, do CPP. Consultar: MOREIRA, Rômulo de Andrade; MORAIS DA ROSA, Alexandre. A problemática tramitação das razões recursais no Tribunal (art. 600, § 4°, CPP). http://emporiododireito.com.br/a-problematica-da-tramitacao-das-razoes-recursais-diretamente-no-tribunal-art-600-§-4o-cpp-romulo-de-andrade-moreira-e-alexandre-morais-da-rosa/.
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