Retrospectiva 2016

Acabou mais um ano, e cansei-me do domínio do fato no Direito Penal

Autor

24 de dezembro de 2016, 10h23

Zsa Zsa Gabor morreu agora, aos 99 anos. Era famosa, é claro. Casada com gente importante, divorciada e amancebada de vez em quando, sofreu, certa vez, acidente de automóvel. Quiseram amputar-lhe uma perna. “Só depois do natal e do ano novo”, ela respondeu. Não sei se lhe cumpriram a vontade, mas o fim do ano é assim.  Tudo entra em descanso, até a Polícia Federal, sem falar na Justiça em geral. As operações com nomes fantasiosos entram em recesso. Imagine-se diligência pluriapta realizada à meia-noite do dia 24 de dezembro: “Operação Papai Noel”, ou “Operação Missa do Galo”, sugestão sádica, aliás.

Acreditou-se que uma das condições da megaoperação Odebrecht seria a soltura de Marcelo. Otimismo exagerado, evidentemente. Ou não houve tempo, ou ainda falta a costura de pormenores, sabendo-se que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, possível candidato a reeleição, designou muita gente para o cumprimento das diligências. Fica para março, quem sabe, pois Moro precisa respirar, constando que grande parte de suas condenações foi confirmada, havendo aumento de penas em relação a uma ou outra.

No fim de tudo, prevaleceu o abrandamento do “Tatbestandmässigkeit or Typicitat”, traduzido livremente para “aquilo em que o fato consiste”, mais o chamado “domínio do fato”, desgraça do ministro José Dirceu, tese aplicada deformadamente do original versado por Claus Roxin.

Zsa Zsa Gabor, com certeza, preservou sua perna durante um tempo, quiçá até o ano seguinte. Policiais federais energizados e procuradores da República compulsivos, acompanhados por meio-irmãos estaduais, ensarilham armas. Uns vão repousar. Um jovem solitário se ajoelha no culto, agradecendo a Deus as benesses constitutivas da remoralização do país. A divindade, cofiando a barba hirsuta, é posta em reflexão, pois não há bondades puras, nem maldades extremadas. Sobra sempre algum podre pelas tabelas…

Do lado deste gasto escriba criminal, meu direito penal é do santinho da 1ͣ comunhão. Quem pecou será castigado. Ficaria melhor em latim, mas vale, também, o bom português. À margem do todo, restam os impecáveis implacáveis. Poucos, é claro, compondo seletíssimo grupo assemelhado aos membros do Santo Ofício. Estes, figurativamente, afiam lâminas, aparafusam melhor os alicates e remexem brasas na fogueira. É natal. Época alvissareira há de surgir, prenhe de severidade. Tenha-se cuidado, apenas, para avivar-se o fogo. E viva o inquisidor-mor. Bom ou mau, ele merece a distinção.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!