Novas leis mudaram mais o cenário do que "lava jato", diz Pierpaolo Bottini
12 de abril de 2016, 18h21
Nem operação "lava jato", nem juiz Sergio Moro, o combate à corrupção no Brasil acelerou por conta das recentes mudanças na legislação nacional. A análise foi feita pelo advogado criminalista e professor de Direito da USP Pierpaolo Cruz Bottini, durante palestra promovida pela Fundação Álvares Penteado (Faap), em São Paulo.
Bottini credita as mudanças que se tornaram visíveis na famigerada operação a leis editadas ou recepcionadas recentemente — Lei das Organizações Criminosas (12.850/2013), a Lei Anticorrupção (12.846/2013) e o Fatca (Foreing Account Tax Compliance Act).
Para o advogado, 2013 foi importante para o combate à corrupção no Brasil, pois é nesse ano que são validadas as regras para meios de combate ao crime organizado, entre elas a do agente infiltrado, da produção de prova, da delação premiada. “Sem essa lei [das Organizações Criminosas], talvez a operação [“lava jato”] não teria esse sucesso”, pondera.

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Sobre a delação premiada, o advogado afirma que a medida, apesar de estar em leis mais antigas, seu uso ainda é recente e está “em construção”, ou seja, tem pontos positivos, mas é preciso cautela, pois “o delator deve ser visto com muita desconfiança e cuidado”.
Em relação à estranheza com que a advocacia vê a delação, Pierpaolo diz que os advogados se sentem desconfortáveis com a prática e lembra que o Ministério Público — que tanto tem usado esse instrumento em suas investigações — também se incomodava em fazê-la, por entender que a troca do testemunho pelo benefício era uma espécie de prevaricação da atividade original do órgão. “Não trabalhamos com desenvoltura. Não faz parte da cultura nem da história jurídica.”
Com a intensificação no uso das delações, Pierpaolo destaca que é preciso determinar mais detalhadamente a troca que há entre informações e provas necessárias à investigação e a redução da punição. “Sem isso [parâmetros], pode gerar injustiça. Não é mercado persa. Falta esse critério, por mais que seja difícil mensurar matematicamente.”
O advogado afirma que outro fato negativo, resultado da falta de regulamentação das delações, é o réu ficar com uma parte do produto do roubo. Ele destaca ainda que colaboração tem que ser espontânea, e não motivada por possibilidade prisão preventiva, pois essa prática atenta contra o Estado Democrático de Direito. “Se isso for feito, teremos excesso ou arbítrio estatal.”
“É algo além da confissão. É quando o réu traz dados, identifica o produto do crime, em troca tem benefícios. É um contrato, um acordo, que não se resume a declarações, já que é preciso provas. Quem são as partes. De um lado, o réu confesso. Não se confere aura de inocência. Quem é o interlocutor? Polícia ou MP?”, questiona o professor.
Passo a passo
O criminalista destaca que quando uma pessoa decide fazer a delação premiada, ela deve escolher bem a autoridade com quem firmará a colaboração e o escopo que suas informações vão alcançar. Essa escolha, segundo ele, ajuda na hora de negociar a redução da pena e deve ser feita com cautela, pois, ao firmar a colaboração, o delator renuncia o direito de permanecer calado para não produzir prova contra si e de contestar qualquer ato, além de não poder mentir.
Porém, Pierpaolo explica que o colaborador não renega seu direito de questionar a legalidade de eventual cooperação internacional, de suposta gravação; a qualidade jurídica do fato e outras irregularidades. “Ele [o delator] não se obriga a confessar tudo o que sabe. O acordo é para situação definida. E só sobre esse objeto ele deve dizer tudo. Na quebra do acordo, perde-se o benefício.”
“A delação pode ser feita a qualquer momento. No inquérito, na instrução, no julgamento e mesmo depois do trânsito julgado pode, mas evidente que quem tocar o sino, quem chegar primeiro, terá melhores condições”, explica o advogado.
Sobre a participação da magistratura nas negociações, Pierpaolo destaca que os julgadores se distanciam para não se “contaminar”, e só passam a atuar na fase de homologação da delação. O advogado ressalta que a colaboração só deve ser aceita pelo magistrado depois que o réu foi questionado sobre o que falou, que o fez por livre e espontânea vontade. “Recentemente, o ministro Teori Zavascki fez isso e virou notícia, mas não deveria, pois faz parte do sistema.”
O advogado afirma que a lei concede ao juiz grande margem para reduzir a pena imposta ao colaborador ou até extinguir a punibilidade, mas que a prática tem sido muito usada. “Se observarmos as colaborações públicas, veremos que foram criadas novas formas de punição não previstas em lei como regime aberto diferenciado (tornozeleira eletrônica).”
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