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Acordo entre Brasil e EUA fere Constituição, afirmam advogados

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3 de setembro de 2015, 15h54

As trocas automáticas de informações financeiras entre os governos dos EUA e do Brasil por causa da promulgação do Fatca (Foreing Account Tax Compliance Act), no dia 24 de agosto, ferem garantias constitucionais, entre elas o direito ao sigilo, à intimidade e à não exposição. O entendimento é do advogado Hermano Barbosa, que ressalta o fato de os acordos internacionais serem feitos por entidades e especialistas estrangeiros e não levarem a legislação brasileira em consideração.

“Nas tomadas de decisão sobre suas regras, não apenas a legitimidade política dessas entidades é relativa, pelo pouco espaço reservado aos representantes de economias periféricas, por exemplo, a brasileira. Como sua legitimidade democrática é ainda mais questionável, pois neles a sociedade civil simplesmente não tem voz, nem sempre as soluções que são propostas nesses foros com aspirações de universalidade se compatibilizam com os limites estabelecidos pelos direitos nacionais”, afirma Barbosa.

O advogado diz também que não é sempre que as soluções internacionais propostas se adequam aos limites estabelecidos pelos direitos nacionais e que essas barreiras são superadas por meio de imposições à adesão por meio de “mecanismos de força: listas negras, boicotes e retenções na fonte, entre outras”.

Porém, segundo o advogado Eduardo Diamantino, pela Constituição, esse acordo tem supremacia sobre as leis ordinárias. “Isso é um absurdo em termos de segurança jurídica e sigilo de operações”, protesta. Ele diz também que o Brasil não teria como não assinar o acordo porque muitas outras nações assinaram. “No fundo, são os EUA legislando em termos de mundo e com base na moeda deles e acabando com todo e qualquer sigilo de parte relacionadas ao país”, critica, complementando que essa quebra de privacidade “acaba com a interpretação clássica do direito que temos”.

Política tributária internacional
O Fatca é resultado de uma política tributária internacional implementada pelos EUA nos últimos anos. O acordo está inserido na movimentação internacional, capitaneada pelo G20 e pela OCDE, que busca aumentar a transparência na tributação internacional e tem como base a troca automática de informações entre administrações tributárias.

Para o advogado Fernando Scaff, o tratado é muito importante para as relações entre o Brasil e os EUA, principalmente pelas normas relativas à transparência fiscal envolvida. “Recomenda-se muita atenção para as pessoas que possuem bens, valores ou relações comerciais com os Estados Unidos para suas normas, que modificarão enormemente a visibilidade nas transações”, afirma.

A iniciativa dos EUA já foi firmada com diversos países, alguns deles paraísos fiscais, como Bahamas, Barbados, Ilhas Cayman e Chipre. Em relação ao Brasil, o acordo, formalizado entre as duas nações em 2014, abrange brasileiros que detenham aplicações financeiras nos EUA e cidadãos americanos que, direta ou indiretamente, detenham aplicações financeiras no Brasil.

Segundo o advogado Nelson Lacerda, consta no pacto firmado que o Brasil deverá aderir automaticamente a outros acordos semelhantes que os Estados Unidos firmem com outros países. “É um regra dura que impõe às instituições financeiras a responsabilidade de buscar a origem do dinheiro e seus responsáveis — seja em empresas, trust, entidades, fundos e até procuradores. Responsabilizando, inclusive, gerentes de conta 'personalité' por omitir detalhes que tenha conhecimento”, explicou.

Um possível resultado desse acordo, segundo Hermano Barbosa, seria a busca pela regularização por parte dos brasileiros que têm valores não declarados no exterior. O envio de informações vai abranger investimentos mantidos ou registrados em instituições financeiras, seja em depósito ou custódia, entre eles: contas depósito, poupança e comercial; certificado de investimentos; títulos de dívida; participações em entidades de investimentos coletivos, quando não negociados em mercado regulado; participação em sociedades; instituidor ou beneficiário de trust, conta de custódia detida em benefício de terceiros; contrato de seguro com valor em dinheiro e todo contrato de anuidade, emitidos ou mantidos por instituições financeiras, entre outras modalidades financeiras.

Além do Fatca, o Brasil possui acordos para troca de informações com OCDE — que possui mais de 60 signatários —, Bermuda, Ilhas Cayman, Guernsey, Jersey, Reino Unido e Uruguai. Todos os pactos ainda não foram ratificados internamente. “É inegável que a celebração e promulgação do Acordo Fatca, assim como outras iniciativas brasileiras, como a possível adesão ao acordo multilateral da OCDE para troca automática de informações fiscais entre os países tende a servir de estímulo para brasileiros que possuem valores não declarados no exterior aderirem ao regime de anistia e repatriação, caso sua lei venha a ser aprovada”, diz Barbosa.

Veja quais países já aderiram ao Fatca:

Países que já oficializaram o FATCA
África do Sul Espanha Jersey
Alemanha Estônia Kosovo
Austrália Filipinas Kuwait
Áustria Finlândia Letônia
Bahamas França Liechtenstein
Barbados Geórgia Lituânia
Bélgica Gibraltar Luxemburgo
Bermudas Guernsey Malta
Bielorrússia Holanda México
Bulgária Honduras Moldávia
Canadá Hong Kong Noruega
Catar Hungria Nova Zelândia
Chile Ilha de Man Peru
Chipre Ilhas Cayman Polônia
Cingapura Ilhas Maurício Portugal
Colômbia Ilhas Turcas e Caicos Reino Unido
Coreia do Sul Ilhas Virgens Britânicas República Checa
Costa Rica Índia Romênia
Croácia Irlanda Santa Sé
Curaçao Islândia São Vicente e Granadinas
Dinamarca Israel Suécia
Emirados Árabes Unidos Itália Suíça
Eslováquia Jamaica Uzbequistão
Eslovênia Japão  

Retroatividade
Um ponto do acordo que pode causar dor de cabeça às pessoas é o início da vigência. Isso ocorre porque ele passou a valer no dia da promulgação (24/8), mas a legislação determina que sua validade se inicie em julho de 2014, ou seja, mais de um ano antes da ratificação.

Hermano Barbosa afirma que a retroatividade não é possível e que o Acordo deveria valer em relação a fatos posteriores a sua entrada em vigor. “Contudo, essa não é a visão das autoridades tributárias. O próprio acordo, apesar ter sido celebrado em setembro de 2014, prevê que será aplicável em relação a período iniciado em julho de 2014, ou seja, três meses antes a sua própria assinatura. Esse entendimento foi confirmado formalmente pela RFB ao editar a Instrução Normativa 1.571, de 2015”, explica.

Seguindo essa linha, Linneu de Albuquerque Mello também diz que “é preciso levar em consideração que no cenário atual, e em vista de tudo que está acontecendo tanto no Brasil como no mundo com respeito a corrupção e sonegação, existe pouca disposição de se decidir contra o fornecimento de informação”.

Penalidades
O Fatca é claro quanto à obrigação de enviar informações e impõe penalidades aos correntistas que se recusarem a fornecer seus dados, entre eles o encerramento da conta bancária. Sobre essas sanções, Hermano explica que há a Instrução Normativa 1.571, que regulamenta a aplicação do Acordo Fatca no Brasil. O dispositivo dispõe sobre a obrigatoriedade de prestação de informações relativas a operações e investimentos pelas instituições financeiras à Receita Federal brasileira.

Segundo o advogado Igor de Souza, os clientes que não autorizarem o envio das informações às autoridades americanas ou que não apresentarem os documentos solicitados pela instituição financeira serão considerados não cooperante ou recalcitrante. “Nesse caso, a instituição financeira deverá encerrar a conta financeira e/ou liquidar os contratos e investimentos detidos pelo cliente não cooperante, devendo de qualquer forma informar às autoridades americanas acerca do cliente não cooperante e também o valor global da sua conta e/ou investimentos”, afirma.

Ainda sobre as sanções, o advogado Linneu de Albuquerque Mello conta que esses procedimentos já começaram. “Inclusive, temos conhecimento de clientes que foram chamados para encerrar a conta.”

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