Poder moderado

Judicialização não se confunde com ativismo, diz ministro Luís Roberto Barroso

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25 de setembro de 2015, 21h35

Cada vez mais o Judiciário tem sido chamado a se manifestar sobre assuntos para os quais ainda não há previsão na legislação existente, e a resposta para muitos desses casos acaba sendo construída pelos juízes de forma argumentativa, com base nos princípios da Constituição. Na avaliação do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, essa é uma das causas que tem levado a Justiça brasileira a ser acusada de interferir nas esferas de decisão dos outros poderes. Porém, na avaliação dele, a judicialização não pode, em nenhum momento, ser confundida com ativismo judicial.

A declaração foi feita na noite desta sexta-feira (25/9), no encerramento do XV Congresso Brasileiro de Direito de Estado, que ocorreu na Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro. Na palestra, Barroso disse que o Brasil vive um fenômeno da “judicialização ampla da vida” e que o Judiciário não pode deixar de decidir quando provocado. O problema, segundo o ministro, é que muitas questões são novas e não contam com uma resposta pronta nas leis vigentes.

“Vivemos em uma era em que muitos problemas não contam com soluções pré-prontas na Constituição e nas leis. Selecionei alguns exemplos, todos reais: pode um casal de surdos-mudos querer gerar um filho, através de fertilização in vitro, que também seja surdo-mudo para que entenda o universo deles? Pode uma mulher querer engravidar de seu marido morto e cujo sêmen se encontra congelado? Em que norma jurídica está prevista a solução para esses problemas?”, questionou.

“Em nenhum lugar”, emendou o ministro. “A solução precisa ser construída argumentativamente pelo juiz com base em princípios vagos como a dignidade da pessoa humana.”

O ministro destacou ainda “casos corriqueiros” nos tribunais que evidenciam o conflito entre os princípios. Ele citou como exemplo o da livre iniciativa e da proteção ao consumidor, ambos previstos na Constituição Federal. “Podemos dizer que o controle de preços para os planos de saúde é realmente legítimo? Bom, protege o consumidor, mas trava a livre iniciativa”, ponderou.

Para Barroso, casos como esses demonstram não ser possível a solução pelos métodos tradicionais. “Diversas normas exercem influência legitima sobre as situações. Em muitas, o juiz vai ter que ponderar entre normas constitucionais que incidem sobre uma mesma situação concreta. E, ao ponderar, terá que fazer escolhas sobre qual direito deverá prevalecer”, destacou.

Ativismo no STF
Diante desse contexto, o Barroso refutou as críticas de que o Supremo tem sido ativista. Ele explicou ser inerente à mais alta corte do país o exercício de alguns papéis. Um deles é o de se manifestar sobre questões que não foram atendidas a tempo pelo Poder Legislativo. Ele citou como exemplo a decisão do tribunal que proibiu o nepotismo no serviço público. “O argumento era ‘não há lei’, mas extraímos de princípios como o da legalidade que não se pode contratar a parentada”, disse.

Uma outra função que o STF desempenha foi classificada por Barroso como a de “vanguarda iluminista” — ou seja, que dizem respeito às decisões “que dão um empurrão na história” porque tratam de temas que não contam com previsão legal em razão da falta de consenso na própria sociedade.

Ele citou como exemplo a determinação da corte que autorizou o casamento homoafetivo. “Era um avanço indispensável. As pessoas têm o direito de colocar a sua sexualidade onde mora o seu desejo. O Estado não tem o direito de depreciar o cidadão por essa razão”, ressaltou.

De acordo com o ministro, ao se manifestar sobre esses temas, o Supremo o faz de forma contramajoritária: “Os ministros do STF, que não tiveram um votinho sequer, podem anular um ato do Executivo ou Legislativo, legitimamente eleitos pelo povo”, explicou. 

No entanto, na avaliação de Barroso, a corte tem exercido esse papel com grande parcimônia. “Apesar de um discurso muito recorrente de que o STF tem sido ativista e invadido o espaço dos outros poderes, não existe nenhum bom exemplo disso”, frisou.

De acordo com o ministro, a Constituição reconhece a legitimidade desse papel apenas quando exercido para proteger os direitos fundamentais e manter as regras do jogo democrático. “Então qual é o limite para a atuação democrática do Supremo? Quando o Legislativo atua, o Supremo deve deferir sua decisão. Decisão política deve ser tomada por quem tem voto. E o STF só deve invalidar quando existe afronta à Constituição. Então, salvo em situações extremas, o STF não deve sobrepor sua vontade à do Legislativo. Agora, quando o Legislativo não atua, o Supremo deve ser proativo, sobretudo para proteger os direitos individuais, como fez no caso das uniões homoafetivas”, afirmou.

E concluiu: “Acho que o STF tem conseguido percorrer o caminho do meio, sem timidez ou arrogância”. 

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