Sistema de investigação de movimentações bancárias do MPF
14 de outubro de 2015, 12h30
Imaginem o tempo que era necessário para recebimento e analise de informações bancárias quando no paradigma do papel. O juiz manda e tempos depois os bancos terminam de imprimir e empacotar tudo. Os investigadores que pediram conferem as centenas de páginas e a defesa faz o mesmo quando obtém o acesso. Se houver um erro, uma falta de alguma informação solicitada, roda-se o ciclo todo novamente. A exemplo de quando bancos estrangeiros enviam seus dados para as grandes operações nacionais, um extrato digitalizado, papel fotografado, é muito menos processável que tabelas em formato de arquivos projetados para serem importados por ferramentas de análise.
Após anos de desenvolvimento do Simba, em 2010 o Banco Central emitiu a Carta Circular 3.454 versando sobre a estrutura na qual um banco deveria fornecer os dados quando da quebra de sigilo bancário decretada judicialmente. No mesmo ano a Corregedoria Nacional de Justiça emite a Instrução Normativa 3 que determina que as autoridades judiciárias solicitem as informações financeiras dos bancos com base nos padrões da citada carta circular do Banco Central. A instrução normativa pretendia dar efetividade para a carta circular e visava a redução de tempo entre a determinação das quebras de sigilo bancário e a recepção dos dados pelos solicitantes.Anote-se que estes dois documentos fundadores foram resultados de negociações no âmbito da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (ENCCLA), foro que reúne o law enforcement nacional e, no caso desta meta, com a participação da Federação Brasileira de Bancos (Febraban).
Atualmente, ao seguir boas práticas, uma investigação que já tenha colhido e analisado diversos documentos e fatos pode precisar, para sua complementação ou continuidade, do acesso a dados protegidos por sigilo bancário. No pedido para que o juízo afaste esta garantia do investigado, pelos motivos relevantes que vierem a ser expostos, os investigadores solicitarão que seja consultado o Cadastro de Clientes do Sistema Financeiro Nacional (CCS), junto ao Banco Central, e que para cada pessoa física ou jurídica que seja encontrado algum relacionamento no período solicitado, o Banco Central envie solicitação para a instituição financeira detentora da informação para disponibilização destes dados utilizando o modelo Simba.
Os bancos possuem equipes de resposta aos pedidos judicias e quanto mais o judiciário utiliza o modelo Simba, mais rápido torna-se o envio das informações.
No polo das instituições financeiras a estrutura de funcionamento do Simba é composta de dois módulos. O primeiro faz uma série de testes para verificar se a massa de dados a ser enviada para o órgão solicitante esta consistente. São analisadas questões como a existência de agencias cadastradas para as contas informadas, a correta descrição de origens ou destinatários para as transações e outras. Somente depois de ser aprovado pelo validador é que os dados podem ser transmitidos. Tal procedimento evita as idas e vindas com pedidos de complementação de dados, comuns na era do papel, mesmo o digitalizado.
O segundo módulo é o que faz a transmissão dos dados. Ele incorpora aspecto de criptografia e garante a autenticidade do conteúdo, o hash comentado em coluna anterior. Esse momento é de especial importância para a validade destas informações como prova no processo.
A Procuradoria-Geral da República não armazena todos os dados transmitidos pelos bancos, somente aqueles com o Ministério Público Federal como demandante. Para a recepção de dados transmitidos por outros órgãos o Simba é disponibilizado, como software livre, mediante convênios, para órgãos federais e estaduais que passam a receber diretamente os dados solicitados, aproximadamente 60 órgãos já o possuem.
Finalmente, existe um módulo processador no órgão destino que fornece relatórios para os investigadores, facilitando a análise do material recebido.
Toda vez que o material disponível nos autos contiver os seguintes cinco arquivos, estarão os dados no formato processável pelos padrões do Simba.
1. [CODIGO DO CASO]_AGENCIAS.txt
2. [CODIGO DO CASO]_CONTAS.txt
3. [CODIGO DO CASO]_TITULARES.txt
4. [CODIGO DO CASO]_EXTRATO.txt
5. [CODIGO DO CASO]_ORIGEM_DESTINO.txt
Esta estrutura de arquivos pode conter diversas contas e as transações entre elas, descritas em forma de tabelas interligáveis, como em um banco de dados relacional.
Questões críticas para a defesa também podem ser respondidas de forma mais fácil, visto que as informações são passíveis de serem carregadas em bancos de dados. Como, por exemplo, quanto o acusado recebeu de tal fonte ou a faixa de data que os dados se enquadram e se ela está de acordo com o mandado de afastamento de sigilo.
Em 2011 o Simba ganhou menção honrosa na categoria especial do Prêmio Innovare e atualmente o modelo já transcendeu a esfera da investigação criminal e está disponível para a justiça trabalhista, visando maior efetividade nas execuções.
O sistema gerou o interesse do Procurador-Geral da Suíça em visita ao Brasil no início deste ano e foi apresentado em abril no 13º Congresso das Nações Unidas sobre Prevenção ao Crime e Justiça Criminal, em Doha.
O procurador da República, Daniel de Resende Salgado, secretário de Pesquisa e Análise do Gabinete do PGR, explicou para esta coluna que:
“Antes do Simba, os órgãos tinham setores que recebiam em papel ou CD-ROM os registros bancários. Os servidores desses setores eram, então, responsáveis por planilhar um volume imenso de dados. Perdia-se tempo e mão de obra que poderia ser utilizada para outras atividades. Com o Simba, as instituições financeiras, após autorização judicial, passam a enviar os registros bancários por meio eletrônico, estruturados e em um leiaute único. O Sistema gera relatórios automáticos, o que facilita a análise, e torna desnecessário o deslocamento de servidor para o planilhamento dos dados, podendo ser este servidor utilizado para outras atividades.
O MPF tem buscado ajudar a criar, divulgar e disseminar sistemas tecnológicos que são úteis para o enfrentamento mais célere do crime organizado e da corrupção. Buscamos constantemente medidas que venham a nos tornar mais eficientes na promoção da Justiça e no enfrentamento ao crime e à corrupção, sempre com respeito aos direitos humanos”.
A importância deste sistema reside, não só na eficiência, mas na segurança que ele traz para as partes na discussão da prova. Interesse de todas as partes e do juízo, apoia a garantia de estar discutindo provas validas em principio e passíveis dos mesmos testes pelas partes.
Não é uma questão só de facilitar a investigação, mas de gerar uma cadeia de custódia validável de maneira simples ligando a fonte de informação, no caso o banco, e o seu destino como prova processual. O sistema permite tanto a coleta, a análise e as inferências dos investigadores, como o mesmo tratamento para a parte contrária, gerando uma paridade de armas neste ponto, capacidade difícil e almejada no cotidiano da análise de provas digitais em grande volume.
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