Opinião

Ausência de anotação na CTPS deve ser disciplinada de modo eficaz

Autor

  • Gustavo Filipe Barbosa Garcia

    é livre-Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Especialista em Direito pela Universidad de Sevilla.

13 de outubro de 2015, 16h00

A Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) é documento de extrema relevância, tendo como objetivos a identificação profissional, a comprovação do contrato de trabalho e do tempo de serviço.

A CTPS é emitida pelas unidades do Ministério do Trabalho ou, mediante convênio, pelos órgãos federais, estaduais e municipais da administração pública (artigo 14 da Consolidação das Leis do Trabalho).

O trabalhador deve apresentar a Carteira de Trabalho e Previdência Social ao empregador que o admitir. Este, por sua vez, tem o prazo de 48 horas para anotar a data de admissão, a remuneração e as condições especiais, se houver (artigo 29 da CLT).

A falta do cumprimento do mencionado dever de anotação da CTPS pelo empregador acarreta a lavratura do auto de infração pelo Auditor-Fiscal do Trabalho.

Frise-se ser vedado ao empregador efetuar anotações desabonadoras à conduta do empregado em sua Carteira de Trabalho e Previdência Social, sob pena de multa administrativa e, conforme o caso, havendo violação a direito da personalidade, condenação em indenização por danos morais.

A prova do contrato individual do trabalho deve ser feita justamente pelas anotações constantes da CTPS, ou por instrumento escrito, mas pode ser suprida por todos os meios permitidos em direito (artigo 456 da CLT).

Sendo assim, de acordo com a jurisprudência, as anotações feitas pelo empregador na carteira profissional do empregado não geram presunção absoluta de veracidade, mas apenas relativa, admitindo-se prova em sentido contrário (Súmulas 12 do TST e 225 do STF).

Observados os aspectos acima, discute-se se a ausência de anotação do contrato de trabalho na CTPS do empregado, além de infração trabalhista e administrativa, também configura ilícito de natureza criminal.

A Consolidação das Leis do Trabalho dispõe que para os efeitos da emissão, substituição ou anotação de Carteiras de Trabalho e Previdência Social, deve-se considerar como crime de falsidade, com as penalidades previstas no artigo 299 do Código Penal: fazer, no todo ou em parte, qualquer documento falso ou alterar o verdadeiro; afirmar falsamente a sua própria identidade, filiação, lugar de nascimento, residência, profissão ou estado civil e beneficiários, ou atestar os de outra pessoa; servir-se de documentos por qualquer forma falsificados; falsificar, fabricando ou alterando, ou vender, usar ou possuir Carteira de Trabalho e Previdência Social que assim tiver sido alterada; anotar dolosamente em Carteira de Trabalho e Previdência Social ou registro de empregado, ou confessar ou declarar em juízo ou fora dele, data de admissão em emprego diversa da verdadeira (artigo 49).

De forma mais específica, como se observa do artigo 297, parágrafo 4º, do Código Penal, em tese, a omissão na Carteira de Trabalho e Previdência Social da vigência do contrato de trabalho é considerada crime de falsificação de documento público, com a previsão de pena de reclusão, de dois a seis anos, e multa.

A respeito da competência para o referido delito, conforme entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, a Justiça do Trabalho, mesmo depois da Emenda Constitucional 45/2004, ainda não é competente em matéria de natureza criminal (Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.684-0/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ 03.08.2007).

Na verdade, segundo a Constituição da República, compete à Justiça Federal processar e julgar as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas (artigo 109, inciso IV).

Esclareça-se que a hipótese em estudo não está prevista nos “crimes contra a organização do trabalho” (previstos nos artigos 197 a 207 do Código Penal), por se tratar de “crime contra a fé pública”, mais especificamente de “falsidade documental”.

Anteriormente, a Súmula 62 do Superior Tribunal de Justiça previa que “compete à Justiça Estadual processar e julgar o crime de falsa anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social, atribuído a empresa privada”.

Esse entendimento, entretanto, estava superado, uma vez que o crime em questão envolve interesse da Previdência Social, mais especificamente da autarquia previdenciária, integrante da administração federal indireta, tanto que se trata de falsificação de documento público.

Nesse sentido, conforme decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, “o agente que omite dados ou faz declarações falsas na Carteira de Trabalho e Previdência Social atenta contra interesse da Autarquia Previdenciária e estará incurso nas mesmas sanções do crime de falsificação de documento público”. Com isso, o “sujeito passivo principal do delito é o Estado, ficando o empregado na condição de vítima secundária”. A competência, portanto, no caso, seria da Justiça Federal (3ª Seção, CC 97.485/SP, Rel. Min. Og Fernandes, DJe 17.10.2008).

Não obstante, mais recentemente, o ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, em 21 de setembro de 2015, proferiu decisão monocrática no sentido de que “quando se trata de investigar prática de possível crime de omissão de anotação de dados relativos a contrato de trabalho na Carteira de Trabalho e Previdência Social – CTPS (artigo 297, parágrafo 4º, do Código Penal), a atribuição, para qualquer ação, é do Ministério Público estadual, e não do Federal, pois inexiste lesão a bem ou interesse da União bastante a potencializar a atração da Competência da Justiça Federal, o que direciona à competência da Justiça Comum estadual para processar e julgar eventual ação penal, consoante, inclusive, enuncia o Verbete 107 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça” (Pet 5.084/SP, DJe 28.09.2015).

A rigor, defende-se o entendimento de que a matéria em estudo deveria ser disciplinada e sancionada, de modo pleno e eficaz, nos âmbitos administrativo, civil e trabalhista, mas não criminal, uma vez que nem todos os ilícitos devem ser abrangidos pelo Direito Penal, ao qual se reserva a tutela dos valores essenciais à vida em sociedade.

De todo modo, quando a própria existência da relação de emprego é verdadeiramente controvertida e duvidosa, não havendo a intenção do agente de omitir em CTPS a anotação da vigência de contrato de trabalho, pode-se dizer que não se observam os elementos do tipo penal em questão.

Cabe, assim, acompanhar a evolução da jurisprudência, em especial do STF, notadamente em composição colegiada, a respeito do controvertido tema.

Autores

  • é livre-Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Especialista em Direito pela Universidad de Sevilla. Pós-Doutorado em Direito. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, Titular da Cadeira nº 27. Membro Pesquisador do IBDSCJ. Professor Universitário em Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito. Advogado e Consultor Jurídico. Foi Juiz do Trabalho das 2ª, 8ª e 24ª Regiões, Procurador do Trabalho do Ministério Público da União e Auditor Fiscal do Trabalho.

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