A vida do jurista Teixeira de Freitas contada pelo romancista Silvio Meira
19 de julho de 2015, 8h00
A obra foi premiada pelo Clube dos Advogados do Distrito Federal em 1977. Conta com notas introdutórias de Afonso Arinos de Melo Franco, de Gilberto Freyre e de Djacir Menezes. Trata-se de biografia definitiva de nosso grande civilista, fundamental para a problematização de nossa cultura jurídica do século XIX, ao lado do livro de Joaquim Nabuco sobre a vida do pai, a par dos estudos que Alberto Venâncio Filho e Luís Martins fizeram sobre nosso bacharelismo.
Silvio Meira nos contou com precisão o ambiente de estudo de Teixeira de Freitas, em São Paulo e em Olinda, onde o jurisconsulto baiano se formou em 1837. Nesse mesmo ano eclodiu na Bahia, terra do biografado, a revolta da sabinada, liderada por um médico, Sabino da Rocha Vieira, época em que se proclamou uma provisória república baiana, de curtíssima duração: pensou-se em uma “Bahia independente”[2]. Meira conta-nos também a chegada de Teixeira de Freitas no Rio de Janeiro (em 1840), época do golpe da maioridade, pelo qual aos 14 anos D. Pedro II assumiu definitivamente o trono brasileiro, no emblemático episódio do “quero já”.
Meira explicitou a criação do Instituto dos Advogados do Brasil, do qual Teixeira de Freitas foi presidente, ainda em 1843; teria o jurisconsulto baiano passado pelo instituto como um meteoro (a imagem é de Silvio Meira), deixando a presidência da agremiação por conta de um desentendimento conceitual, isto é, “a renúncia ocorreu de sentido doutrinário em torno de questão jurídica submetida ao Instituto: se eram livres os escravos os filhos de uma escrava, que em testamento havia sido libertada, mas com cláusula de servir a um herdeiro ou legatário, enquanto este vivesse”[3]. A posição de Freitas, nessa questão, foi conservadora e contrária à liberdade do interessado:
“Freitas, em seu parecer, concluía que os filhos, em tais condições, nasciam escravos. Carlos Alberto Soares opinou em sentido contrário, isto é, que os filhos nasciam livres. O plenário ficou com Alberto Soares, aprovando-lhe o parecer, contra a opinião de Freitas. Este renuncia em longa carta, na qual conclui, de maneira um pouco rude, oferecendo ao Instituto a pequena quantia de 1:000$000 para ser aplicada na fundação de sua Biblioteca, ‘e recomendando-vos, sobretudo, que a enriqueça com o Corpus Juris, que deve ser a fonte vital, e onde devemos beber sempre e sem descanso”[4].
Meira nos explica o desenvolvimento da ideia codificadora no Brasil, que teve em Teixeira de Freitas um dos mais empolgados defensores. Este último preparou trabalho extenso, denominado de Esboço. O texto continha uma parte geral e uma parte especial; a parte geral era dividida em pessoas, coisas e fatos. Teixeira decompôs as pessoas em pessoas de existência visível e em pessoas de existência ideal, fórmula com a qual contemplou as pessoas físicas e as pessoas morais. O projeto não avançou no Brasil, embora tenha de algum modo triunfado na Argentina, dado o relacionamento de Teixeira de Freitas com o codificador argentino Dalmácio Vélez Sárfield, situação explicada por Silvio Meira.
O tempo dramático vivido por Teixeira de Freitas em Curitiba, seu retorno ao Rio de Janeiro e seus dias finais em Niterói, compõem um quadro melancólico, que Silvio Meira pontuou com tristeza:
“Quis o destino que, com a transferência do domicílio para Niterói, estivesse Freitas escolhendo o lugar de seu último repouso. Nem Cachoeira, onde nascera, nem São Paulo e Olinda, onde estudara, nem Curitiba e Rio de Janeiro, onde vivera, arrebatariam essa glória. Seu falecimento não teve grande repercussão nos meios culturais e oficiais do país, na época. A Corte o desconheceu. Notícias lacônicas dos jornais, a mando da família, comunicavam o evento”[5].
Carlos Perdigão e Pimenta Bueno compareceram ao enterro, ao lado de outras pessoas de distinção[6]. Esses dois últimos, entre outros, a par do biógrafo aqui tratado (Silvio Meira) e do biografado aqui mencionado (Teixeira de Freitas) são exemplares de um tipo intelectual que a cultura jurídica de massa dissolveu: o “jurisconsulto”. Esse, que era ímpar, diferente, olímpico, cedeu lugar e vez para um novo tipo ideal (ainda que não necessariamente weberiano) que os textos que lemos denominam de “operadores jurídicos”.
Entre o imaginário jurisconsulto da literatura jurídica clássica e o operador jurídico dos textos forenses e acadêmicos de consumo massificado vai uma grande distância, que transcende do bom gosto e da erudição para o latim macarrônico, para o filogermanismo falsificado e para os falsos problemas equivocadamente resolvidos, porque não inteligentemente colocados. Chamam a isto de democratização da cultura jurídica.
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