A luta continua

Não há certeza de que a neutralidade da rede terá vida longa nos EUA

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28 de fevereiro de 2015, 10h50

A aprovação de novas regras para a Internet pela Comissão Federal de Comunicações (FCC – Federal Communications Comission), na quinta-feira (26/02), que sustentam a “neutralidade da rede” ou a “Internet aberta”, ao defini-la como um serviço de utilidade pública (como o serviço telefônico), foi muito comemorada nos EUA e, provavelmente, no mundo. Mas, não há garantias de que a medida terá vida longa. Ou, pelo menos, a luta para acabar com a Internet aberta vai continuar.

As grandes provedoras de serviços de Internet (ISPs – Internet Service Providers) nos EUA, entre elas as provedoras de internet por cabo, como AT&T, a Comcast, a Verizon e a Cox, e as provedoras de serviços wireless, como T-Mobile e Sprint, somados à maioria dos parlamentares do Partido Republicano, são os opositores da neutralidade da rede. Entre os defensores estão as provedoras de conteúdo, como a Netflix, a Amazon, a Apple e a Google, a maioria dos parlamentares do Partido Democrata, o governo Obama.

É uma “briga de gente grande”. Os defensores, porém, tiveram um reforço inusitado nos dias que antecederam a votação da proposta pela FCC: mais de 4 milhões de pessoas enviaram mensagens ao órgão, com pedidos para manter a Internet livre — ou a neutralidade da rede. Pelo volume de mensagens, o pedido tem um peso considerável.

Porém, os opositores da neutralidade da rede, um grupo que inclui americanos de formação conservadora, juraram não desistir da luta. Prometeram combater a neutralidade da rede pelo menos em quatro frentes: uma na Justiça, duas no Congresso e uma no (futuro) governo, segundo o New York Times, Washington Post, Wall Street Journal e outras publicações.

Na Justiça, os opositores já fazem planos de mover uma ação contra a FCC para obrigar o órgão a derrubar suas próprias regras. E, antes mesmo de montar o processo, pretendem pedir uma liminar que impeça, temporariamente, que as regras entrem em efeito — o que está previsto para um período próximo de dois meses.

A FCC não tem um bom histórico na defesa da neutralidade da rede nos tribunais. Em 2010, um tribunal federal de recursos decidiu que a FCC ultrapassou os limites quando acusou a Comcast de reduzir a velocidade do tráfico para usuários de sites de compartilhamento de arquivos, como o BitTorrent. No ano passado, o mesmo tribunal decidiu em favor da Verizon e anulou um esforço da FCC para aprovar regras em favor da Internet aberta.

Porém, as grandes ISPs terão dificuldades de processar a FCC, porque dependem, frequentemente, da boa vontade do órgão. A Comcast, por exemplo, provavelmente irá declinar de compor o grupo de demandantes, porque tem processos de fusão e de outras transações correndo na FCC. O mais provável é que as ISPs se escondam por trás de alguma entidade e de parlamentares conservadores, que poderão se encarregar de mover a ação.

Por sua vez, os defensores da neutralidade da rede — provedoras de conteúdo, políticos e entidades — tendem a lutar de peito aberto, porque defender a “Internet livre” é uma posição muito mais popular do que a de combatê-la.

No Congresso, há duas frentes de combate à neutralidade da rede e não se sabe o que pode acontecer. Sequer há uma sólida posição partidária em qualquer dos lados. Parlamentares republicanos de peso, como o líder do Comitê do Comércio, senador John Thune, o presidente do mesmo comitê e do Comitê de Energia na Câmara, deputado Greg Fred Upton e o deputado Greg Walden e seus seguidores deveriam ser contra a neutralidade da rede. Mas são a favor.

Os democratas são a favor, de uma maneira geral, mas uma boa parte deles está em cima do muro. Os republicanos chegaram a trabalhar em um projeto de lei para acabar com a proposta. Mas, diante do volumoso apoio popular à medida da FCC, passaram a discutir uma legislação alternativa. A ideia agradou a alguns parlamentares democratas, como o senador Bill Nelson, que quer discutir uma “legislação verdadeiramente bipartidária” para as telecomunicações.

Em outra frente, parlamentares republicanos programaram uma audiência, que se assemelha a uma CPI, na qual pretendem colocar as autoridades da FCC contra a parede. Representantes das provedoras de serviços de internet também foram convocados para, obviamente, depor contra as novas regras aprovadas pela FCC.

Se as medidas não forem derrubadas na Justiça ou no Congresso, os republicanos irão depositar todas suas esperanças nas próximas eleições presidenciais. Na quinta-feira, a neutralidade da rede foi aprovada por 3 a 2: três votos da ala democrata da FCC e dois votos da ala republicana. Os republicanos devem ganhar as próximas eleições presidenciais, dizem os republicados. Então, a composição da FCC irá mudar para ter maioria republicana e a neutralidade da rede será amaldiçoada.

Em outras palavras, os republicanos não estão dispostos a entregar os pontos. Eles querem que o governo não interfira na Internet de forma alguma, o que significa não regulamentá-la.

O que está em jogo

O caso da Netflix, a empresa que viabiliza o streaming de filmes e programas de televisão é o melhor exemplo do que está acontecendo. Em períodos de pique, a Netflix responde por cerca de um terço de todo o tráfego na Internet, na América do Norte. Ou seja, a Netflix está faturando alto e as provedoras de serviços de Internet cobiçam uma fatia do bolo.

Por isso, as ISPs tentaram cobrar uma taxa da Netflix — e de todas as demais provedoras de conteúdo — para que possam fazer o streaming de seus vídeos em alta velocidade. Se as provedoras de conteúdo não toparem pagar essa taxa, a velocidade de transmissão seria reduzida — com prejuízo evidente para os consumidores.

As novas normas da FCC simplesmente proíbem a criação de linhas rápidas (fast lanes) e a cobrança de taxas diferenciadas das provedoras de conteúdo. Por isso, a FCC define a neutralidade da rede como uma questão de justiça. As provedoras de Internet devem tratar todo tráfego na Web com igualdade — e não aumentar a velocidade ou reduzi-la ou, em outras palavras, manipular o conteúdo da Internet de maneira a favorecer algumas empresas em detrimento de outras, por uma taxa.

A FCC — na linha de pensamento do governo Obama — acredita que, se algumas operadoras de websites tiverem de pagar um dinheiro extra para levar seu conteúdo aos consumidores, isso iria inviabilizar as operações de pequenas empresas ou empresas novas de fornecimento de conteúdo e também de jogos, músicas e aplicativos. Por isso, se posiciona contra a priorização de algum tráfego na Internet sobre outros.

Com a aprovação dessas regras, a FCC reconhece que a Internet como uma commodity básica — ou um serviço de utilidade pública, como o serviço telefônico. Assim, as ISPs devem obedecer regras padrão, que se aplicam à privacidade, transparência e não discriminação — as mesmas regras da telefonia. Ficam proibidos bloqueamento de serviços, tais como os da Netflix, o controle de fluxo, a redução do tráfego na Web, o estabelecimento de prioridades, e a aceleração do tráfego em troca de pagamento extra.

Um problema das ISPs é que elas também são provedoras de conteúdo — ou seja, de vídeos de filmes e programas de televisão. Porém, a Netflix cobra apenas US$ 8 por mês e o usuário pode assistir filmes todos os dias, se quiser. Mas a Netflix demora para disponibilizar filmes novos. As ISPs lançam os filmes novos mais cedo e, talvez por isso, o aluguel de um único filme pode custar alguma coisa em torno do que a Netflix cobra por mês. No final das contas, uma grande quantidade de usuários prefere esperar que o filme seja lançado pela Netflix para assisti-lo e isso prejudica a rentabilidade das ISPs.

O mesmo acontece com as provedoras de conteúdo que disponibilizam músicas, jogos e aplicativos, como é o caso da Apple, da Google e da Amazon. Elas sempre têm um preço mais em conta e, por isso, faturam mais que as ISPs. No final das contas, tudo se resume ao mais repetido dizer americano: “It is all about money”. 

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