Segurança Jurídica

"Lei Anticorrupção exige regulamentação coerente entre os entes federativos"

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1 de fevereiro de 2015, 6h32

Spacca
A falta de regulamentação federal e a possibilidade de cada ente municipal e estadual poder regulamentar a Lei Anticorrupção à sua maneira tem causado expectativa tanto no setor público quanto no privado. Essa é a realidade que o advogado Fábio Medina Osório tem encontrado em suas palestras pelo país sobre a nova norma, que completou um ano nesta semana. "De nada adianta cada ente ter uma regulamentação completamente díspare sobre um sistema normativo que deveria ter algum tipo de racionalidade", afirma. 

Casado com uma procuradora da Fazenda Nacional, pai de dois filhos, Medina Osório fez carreira no Ministério Público, que abandonou para exercer a advocacia. Aos 24 anos, tomou posse como promotor de Justiça no Rio Grande do Sul, onde atuou no combate à improbidade administrativa. Depois de 15 anos no MP, pediu exoneração e foi trabalhar no setor privado como diretor jurídico de uma empresa. Em seguida, abriu seu escritório — Medina Osório Advogados.

Os anos dentro do Ministério Público fizeram do advogado um crítico da instituição. Segundo ele há uma esquizofrenia no MP que faz com que cada promotor atue com suas convicções, faltando unidade institucional e criando insegurança jurídica.  Medina Osório também critica a função do procurador de Justiça. “Os que atuam em segundo grau, são praticamente assessores de luxo de juízes e só dão pareceres”, diz.

A formação acadêmica de Fábio Medina Osório inclui mestrado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e doutorado em Direito Administrativo na Universidade Complutense de Madri, sob orientação do catedrático Eduardo García de Enterría, uma das maiores autoridades em Direito Público da Espanha, morto em 2013.

Autor de diversas obras sobre Direito Administrativo, hoje o advogado preside o Instituto Internacional de Estudos em Direito do Estado (IIEDE), fundado em conjunto com os catedráticos da Complutense de Madri em 2003. O IIEDE funciona como um intercâmbio internacional de experiências. Segundo Medina, o instituto tem a característica de se voltar para seminários e para a reflexão crítica em torno do papel do Estado frente à agenda regulatória.

Leia a entrevista:

ConJur — O senhor tem feito palestras sobre a Lei Anticorrupção. Qual tem sido a maior dificuldade encontrada pelo poder público?
Fábio Medina —
A lacuna na regulamentação. Esse ponto tem gerado uma expectativa tanto no setor público quanto no privado. Há um temor com relação a possibilidade do abuso de poder, do desvio de finalidade e da instrumentalização política dos órgãos fiscalizadores. Ninguém sabe o tipo de estrutura administrativa que irá aplicar essa lei e as sanções administrativas são muito pesadas.

ConJur —  Como deveria ser esta estrutura?
Fábio Medina
O Brasil deveria partir para um arcabouço institucional de agências reguladoras para aplicar essa lei. Penso que a Controladoria-Geral da União (CGU), no plano federal, deve se transformar em uma grande agência reguladora, com mandatos fixos e com autonomia. Esta estrutura deve ser replicada nos estados. Essas agências seriam geridas por pessoas nomeadas de acordo com critérios técnicos. É importante o protagonismo técnico, da impessoalidade, na aplicação de uma normativa que vai exigir muita prudência.

ConJur — E como garantir uma aplicação uniforme em todo o país, sendo que a regulamentação pode ser feita por cada município?
Fábio Medina
Será preciso um diálogo entre todos os entes, para garantir a segurança jurídica. De nada adianta cada ente ter uma regulamentação completamente díspare sobre um sistema normativo que deveria ter algum tipo de racionalidade. Se cada ente puder regulamentar do jeito que bem lhe aprouver, com total dissonância também do que vier a ser ditado na União Federal, nós teremos uma insegurança jurídica absurda.

ConJur — O que é esperado do decreto regulamentador da União?
Fábio Medina —
Primeiro que ele deveria ter sido mais discutido, com audiências públicas. Depois, para que seja um bom decreto, deve detalhar as infrações, os procedimentos e trabalhar, basicamente, esse conceito da agência reguladora. As regulamentações que foram feitas até o momento basicamente repetiram a lei, o que está errado. A regulamentação tem que ir além.

ConJur — Como o senhor analisa a Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992) em seus 22 anos de vigência?
Fábio Medina —
A Lei de Improbidade, eu a chamo de Lei da Probidade Empresarial, fazendo uma equivalência da probidade administrativa. No caso da probidade empresarial, você imagina que são agora os agentes econômicos, as pessoas jurídicas privadas, que passam a ter que observar deveres públicos, ou deveres, digamos, disciplinados pelo direito administrativo.

ConJur — Isso não é uma inversão? Não deveria ser papel do Estado?
Fábio Medina —
Não. É o protagonismo do Estado que se outorga. Isso é um influência do direito anglo-saxão. Cada vez mais os espaços públicos são ocupados por organismos não estatais, no caso até pelo setor privado. Você vê no sistema penal, que institutos como a delação premiada vão fechando o cerco junto ao privado. Eles mostram que o privado tem deveres.

ConJur — A propósito, a Lei Anticorrupção colocou entre os deveres das empresas a criação de um setor de compliance.
Fábio Medina —
Isto. Como ela é proibida de cometer delitos contra a administração pública, contra o sistema financeiro etc, ela também tem que apurar esse delitos que estão ocorrendo dentro da empresa, então tem que ter um sistema de investigação privada de delitos.

ConJur — E as empresas estão absorvendo bem isso?
Fábio Medina —
Em geral, isso é uma cultura nova no Brasil. Mesmo nos mercados mais regulados, como o financeiro, nunca houve um compliance voltado especificamente à anticorrupção. Era muito mais um compliance de normas éticas, de proteção à integridade institucional. Agora não, as empresas terão que vigiar seus funcionários. Se ele praticar um ato de corrupção que é no interesse da empresa em tese, a empresa pode ser responsabilizada objetivamente por isso. Para ela poder cortar o nexo causal entre a conduta e o ilícito, ela tem que mostrar que adotou todas as práticas compliances. E é preciso mostrar consistências nesses mecanismos, mostrar a autonomia do compliance officer.

ConJur — Como assim?
Fábio Medina —
Não adianta colocar um compliance officer que é um funcionário da empresa e que não tem garantias. O mesmo conceito de autoridade administrativa independente deverá ser aplicado também com relação ao compliance officer, que deve ser, preferencialmente, um escritório independente. É preciso um contrato de longo prazo com cláusulas que lhe permitam autonomia intelectual e independência no agir.

ConJur — A Lei de Improbidade Administrativa deve ser revista?
Fábio Medina —
Para entender qualquer norma,  há uma primeira fase que é a de preposição do legislador, e a segunda fase, que é a do jurisprudencialismo. É nessa fase que se define qual é a efetiva normatividade, qual é o conteúdo concreto da lei. No caso, a Lei de Improbidade conseguiu adquirir conteúdos bastante densos, a partir da jurisprudência. Por isso, nem sempre é muito saudável ficar mudando a lei a todo o momento. É preciso deixar a lei amadurecer no seu tempo, com a jurisprudência, para criar segurança jurídica.

ConJur — Mesmo assim, a Lei de Improbidade ainda gera bastante discussão?
Fábio Medina —
Ela gera discussão, mas o STJ pacificou alguns pontos interessantes. Por exemplo, dizendo que nem toda ilegalidade se confunde com improbidade. Ésse é um ponto importante.

ConJur — Como fazer a distinção?
Fábio Medina —
Tem que valorar isso, de acordo com os parâmetros que o STJ tem ditado, no que diz respeito à questão do elemento subjetivo da conduta, da gravidade da infração, das provas que foram colhidas, da individualização do comportamento proibido. Por exemplo, quando há uma margem de erro juridicamente tolerável, não se pode considerar improbidade. Quando há uma controvérsia sobre o cabimento ou não de uma licitação, não ha improbidade, porque quando há uma controvérsia você tem uma margem juridicamente tolerável de erro.

ConJur — Apesar dessa jurisprudência, ainda se vê muita Ação de Improbidade do Ministério Público, principalmente contestando dispensa de licitação.
Fábio Medina —
Esse é o grande tema hoje. Se o Ministério Público discorda da opinião do gestor público, que declarou uma inexigibilidade ou uma dispensa, o MP exerce o controle de legalidade através da ação de improbidade. Mas isso varia conforme a unidade do Ministério Público. Esse, por sinal, é um problema do MP.

ConJur — A independência de atuação?
Fábio Medina —
O MP precisa fortalecer o princípio da unidade institucional de atuação, o que deveria ser feito pelo Conselho Nacional do Ministério Público. O MP tem dois grandes princípios na Constituição que são vetores do seu agir: o princípio da independência funcional e o princípio da unidade institucional. Ao meu ver, o primeiro princípio esmagou o segundo. Cada MP é uma cabeça autônoma, sem controles hierárquicos. Há uma certa esquizofrenia dentro da instituição que prejudica também o cidadão, porque essa história de cada um ter o seu entendimento acaba criando uma agenda de insegurança jurídica absurda. Com isso, as pessoas que sofrem ações de improbidade arbitrária deveriam ingressar com ação indenizatória contra os autores dessas ações.

ConJur — Isso não acontece normalmente?
Fábio Medina —
Não é comum, mas deveria ser.  Se você sofreu uma ação arbitrária do Estado, deve buscar a responsabilização civil do agente público para que ele responda pessoalmente com uma indenização pelo ato arbitrário.

ConJur —  O dolo é necessário para caracterizar a improbidade?
Fábio Medina —
Não, necessariamente. Pode ter a culpa grave, o erro grosseiro. Porém, é preciso observar que há uma diferença entre o erro grosseiro e o legítimo. O administrador tem o direito ao erro, como todo mundo. O juiz tem o direito ao erro. Ele julga uma causa, a sentença dele é reformada em segundo grau, o que significa que ele errou. Mas não quer dizer que ele deva responder por esse erro.

ConJur — Há muitos casos em que as ações acabam saindo mais caras do que as próprias fraudes?
Fábio Medina —
Sim. Deveria haver uma racionalidade econômica sobre isso, como acontece nas ações penais. Foi criado um parâmetro para o princípio da insignificância. Ou, pelo menos, se poderia prever o Termo de Ajustamento de Conduta, que a meu ver é aplicável nessas ações, desde que se descaracterize a tipicidade da improbidade. Se a investigação começa por um ilícito contra o patrimônio público, mas o valor é pequeno, então faz-se um TAC. Caracterizada a infração contra o erário ou ilícito de outra natureza, então caberia a recomposição via acordo. Se a lesão não atinge um mínimo, o Ministério Público deveria propor um acordo e recompor o erário.

ConJur — De acordo com o Anuário da Justiça, 13% das 517 ADIs julgadas pelo TJ de São Paulo em 2014 são referentes a leis que criam cargos no serviço público dos municípios. E a maioria se refere à criação ilegal de cargos comissionados. Isso pode ser considerado improbidade?
Fábio Medina —
Tem uma controvérsia grande. No meu entendimento, para isso ser considerado improbidade é necessário que haja dolo. Por exemplo, se o administrador público criou os cargos para colocar correligionários ou para atender interesses privados.

ConJur — Não raro vemos ações do Ministério Público anuladas por erros considerados simples. O MP tem falhado nas investigações?
Fábio Medina —
O Ministério Público pode fazer um trabalho muito melhor se investigar bem. O que temos observado, muitas vezes, é o pessoal tentar tocar ação de improbidade em face da natureza objetiva do fato. Ele não investiga e ainda pede julgamento antecipado da lide, sem produção probatória, porque dá muito trabalho produzir provas. E isso não deve ser produzido no Judiciário. O inquérito civil no Ministério Público existe para se apurar, mesmo. A racionalidade do sistema punitivo  exige que as instituições exerçam na plenitude as suas prerrogativas, as suas atribuições.

ConJur — Essa é uma característica atual do Ministério Público? Quando o senhor era promotor isso já acontecia?
Fábio Medina —
Esse é um problema dos concursos públicos em geral. As pessoas têm que ter um estilo, uma meritocracia da carreira, para estimular o trabalho qualificado. O que se observa atualmente é o seguinte: se você trabalha muito ou se você trabalha pouco, o salário é o mesmo. E investigar bem, criar uma prova robusta dá um trabalho extraordinário.

ConJur — O senhor também é um crítico da atuação do Ministério Público em segundo grau.
Fábio Medina —
Os que atuam em segundo grau, são praticamente assessores de luxo de juízes. Só dão parecer. Essa mão de obra poderia estar toda no primeiro grau, na linha de frente do Ministério Público. No entanto, estão sentados nos tribunais dando pareceres para os ministros, para os desembargadores, muitas vezes em antagonismo com a posição dos colegas de primeiro grau.

ConJur — Essa função deveria ser extinta?
Fábio Medina —
Sim. Imagina o agora aposentado Lenio Streck, por exemplo. É uma grande cabeça, com saberes e experiêcia acumulada que poderia ajudar no primeiro grau. Tem que pegar essa mão de obra qualificada do Estado e colocá-la para funcionar a favor da sociedade.

ConJur — A OAB de São Paulo criou uma subseção especializada para tratar da questão da contratação supsotamente irregular de escritórios pela administração pública . Há uma espécie de perseguição do Ministério Público contra os escritórios?
Fábio Medina —
É complicado você dizer que é exigível a licitação, mesmo nos casos de advocacia de massa. Sempre tem um elemento de confiança, um vínculo que não se consegue avaliar. Então eu não tenho dúvida de que em relação a escritórios de advocacia há um abuso e uma ação arbitrária por parte do MP. É possível aferir se o contrato é abusivo ou não, se ele extrapola regras razoáveis, se o escritório é contratado para um caso que poderia cobrar R$ 1 milhão e está cobrando vR$ 20 milhões. Nesses casos pode haver questionamento.

ConJur — E isso tem alterado a forma de atuar das bancas?
Fábio Medina —
Os escritórios que têm coerência, eles não devem ter  receio. Devem, isso sim, partir  para o questionamento da conduta daquele que eventualmente abusa do poder. As bancas também devem investigar. Todos  atuam em pé de igualdade: o advogado, o juiz e o membro do Ministério Público.

ConJur — Teria que haver mais investigação por parte da advocacia?
Fábio Medina —
É a tendência. Agora, com a Lei Anticorrupção os escritórios passarão a ter um poder investigatório grande. Nada impede que as bancas passem a assumir um protagonismo cada vez maior investigação privada, apuração de ilícitos, denúncias e ter remédios jurídicos para usar  contra o abuso de poder, o arbítrio.

ConJur — Em 2012, o senhor publicou um artigo tratando da Ação Penal 470 em que dizia que os juízes não devem suprir as falhas dos acusadores ou dos investigadores. Isso continua a acontecer? Está acontecendo agora na operação “lava jato”?
Fábio Medina —
Não posso afirmar que esteja acontecendo na “lava jato”, porque eu não conheço em detalhes o caso. Quando falo em suprir lacunas quero dizer que o juiz não pode suprir uma deficiência da acusação ou da investigação com uma construção hermenêutica, que dê elasticidade a alguma regra penal ou processual penal, que inverta o ônus da prova, ou que subverta o princípio da presunção de inocência. O juiz que preside as medidas cautelares ele o faz sob pressupostos muito específicos. Obviamente que ele tem a questão da delação e está tomando contato com todo o universo probatório. Pode-se questionar o quanto isso afeta a imparcialidade do juiz ou se nós deveríamos ter, no Brasil,  a figura do juiz instrutor ou não. 

ConJur — A lei brasileira deveria ser alterada para criar a figura do juiz de instrução?
Fábio Medina —
Há prós e contras. No caso do juiz instrutor vai ser o mesmo juiz da ação penal. Qual a vantagem? A vantagem é ele ter o acúmulo de conhecimentos de material. Se entra outro juiz no caso, ele não vai entender nada. Isso é producente? Do ponto de vista da imparcialidade, obviamente que isso afeta. O juiz que faz a instrução já tem uma opinião formada, o que pode gerar, digamos, uma insegurança na defesa, nos acusados. Mas, para isso existe também o duplo grau de jurisdição. E não se pode reclamar de que há cerceamento de defesa. Quando começa um processo no primeiro grau, ele vai até o Supremo Tribunal Federal. E com tantos atores diferentes.

ConJur — A colaboração premiada, conforme ela está prevista na legislação, é eficaz?
Fábio Medina —
Sim, é um instrumento republicano, importante pela robustez agora dos novos meios de prova que tornam o crime organizado vulnerável. A delação premiada está dentro desse sistema.

ConJur — A colaboração premiada é antiética?
Fábio Medina —
Dizer isso é um absurdo. A pessoa que raciocina dessa forma está fora desse mundo. O Estado está fazendo a mesma coisas que as organizações criminosas fazem, entrando nas estruturas do crime organizado. O que não pode é a delação servir como indústria da calúnia, obviamente, mas a gente sabe que o delator é obrigado a comprovar o que diz. O que me preocupa na delação são os vazamentos. Sempre que há vazamentos ou vazamentos seletivos preocupa porque não sabemos até que ponto isso faz parte do programa.

ConJur — O vazamento seria um estratégia?
Fábio Medina —
Pode ser uma estratégia do Estado, se ele tem uma lógica ligada à eficiência do sistema investigatório como um todo. Porque pode ter um vazamento ligado a essa estrutura, assim ele começa a proporcionar um tensionamento que gera comunicações e movimentos atípicos. Com isso consegue desencadear uma fiscalização mais robusta.

ConJur — O senhor considera correto o vazamento como estratégia do Estado?
Fábio Medina —
Não. A delação, em si, é um instrumento que está bem regrado no Brasil, as instituições talvez não estejam totalmente preparadas para essa negociação. O mundo da advocacia privada, definitivamente, não está. Ainda tratam a delação como instrumento abusivo, instrumento autoritário. Na verdade, é um instrumento que existe no mundo, na agenda de fiscalização internacional.

ConJur — A advocacia está reticente em aceitar esse instituto?
Fábio Medina —
Sim porque ainda aposta em velhos paradigmas. Teve uma advocacia criminal antiga que resolvia os casos na polícia. Depois veio aquela outra geração que trabalhou com as unidades, o trabalho com o direito ao silêncio, o trabalho com a presunção de inocência abstrata. Hoje há um trabalho que é de recuperação de imagem. Com a tecnologia, tudo fica escancarado logo, e o advogado, muitas vezes, só é chamado para apagar o incêndio e mitigar danos.

ConJur — Os juízes e a Justiça têm sido coniventes com esses vazamentos?
Fábio Medina —
O vazamento é intrínseco ao sistema de liberdade de imprensa. No momento que tem liberdade de imprensa, só não haverá vazamento se houver só uma pessoa lidando com as informações. Mas no momento em que se tem um advogado, um juiz, um procurador, um escrivão, o próprio réu, que se tem tanta gente manejando a informação, aí não dá para saber quem vazou. Vazamento de informações, hoje, não é um fenômeno do Brasil, é um fenômeno mundial. Muitas vezes, existe essa preocupação com o vazamento de informação de uma operação policial que atinge fulano e beltrano, mas tem outros vazamentos que são muito piores e eu não vejo tanta preocupação.

ConJur — Quais seriam?
Fábio Medina —
O vazamento da antecipação da operação. Isso sim é um vazamento criminoso. Quer dizer, alguém vaza que vai acontecer a operação, acontece a operação e às 6 da manhã, está cheio de advogados da empresa. É claro que houve um vazamento. E no caso da imprensa, não é possível apertar o jornalista para saber de onde veio a informação. Ele tem o sigilo da fonte que é uma garantia constitucional. O vazamento depende muito da postura ética das autoridades e dos personagens envolvidos.

ConJur — O senhor começou no Ministério Público. Como foi a mudança para a advocacia?
Fábio Medina — 
Entrei no concurso com menos de um ano de formado, passei em primeiro lugar, e logo me apaixonei realmente pela instituição e exerci o cargo na plenitude. Sempre na linha de frente. A carreira é muito estagnada. Da minha turma, de 1991, até hoje ninguém foi promovido a procurador de Justiça. A carreira não é muito estimulante. Ao longo da carreira, acabei me debruçando bastante nessa área, estudando e produzindo livros que repercutiram muito. Acabei convidado para trabalhar em uma empresa. Fui convidado porque meu livro havia se tornado referência no Conselho de Recursos do sistema financeiro nacional. Então fui advogar para esse grupo. Embora gostando muito do Ministério Público, achei que tinha condições de enfrentar aquele desafio, ter mais liberdade de não ficar só com as mesmas atribuições, de fazer algo diferente na vida.

ConJur — O que motivou foi essa liberdade?
Fábio Medina — A liberdade, o desafio… Achei que tinha feito muita coisa no Ministério Público e não teria muito mais para fazer. Talvez virar procurador ou presidente de uma associação. Calculei tudo isso, o tipo de desafio que eu teria no setor privado e não me arrependo.

ConJur — E como é estar do outro lado?
Fábio Medina — É muito interessante porque você tem uma outra cabeça. Você não está aposentado, está no auge da carreira e você sai. Então você traz para o lado do privado toda uma nova visão. Você sabe a interlocução, o nível de credibilidade que precisa ter com essas instituições, com os investigadores. Então acaba trazendo esses valores do Ministério Público para a advocacia privada. Uma empresa, dentro do compliance, vai precisar de investigadores privados, vai precisar apurar um ilícito, vai precisar ter uma interlocução muito boa com as autoridades, que é muito diferente daquela interlocução baseada no direito ao silêncio.

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