"Fábrica de laranjas"

Para Gilmar Mendes, pedido de vista amadureceu debate sobre financiamento

Autor

24 de abril de 2015, 20h17

Nelson Jr./SCO/STF
Para Gilmar Mendes, modelo político deve condicionar forma de financiamento.

Alvo de uma saraivada de críticas por ter pedido vista da ação que busca acabar com o financiamento de campanhas por empresas há mais de um ano e não ter devolvido o processo, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, afirma estar “tranquilo” em relação a esse debate. Isso porque, segundo ele, hoje, a sociedade sabe mais sobre os problemas do modelo político e a discussão sobre o tema pode ser feita de forma mais profunda.

O ministro visitou a redação da revista eletrônica Consultor Jurídico na tarde desta sexta-feira (24/4), e falou sobre a questão do financiamento de campanha, discutida na Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.650. “É chato esse papel que eu fiz de pedir vista dos autos, mas eu o fiz com grande consciência", desabafa. E continua: "Hoje, quando formos discutir sobre isso, saberemos muito mais sobre questões importantes, como o que vem sendo exposto na [operação] ‘lava jato’, por exemplo”.

Para o ministro, parar um ano para refletir sobre algo dessa gravidade “não é nada abusivo”. Se o STF tivesse decidido em abril de 2014 sobre o tema, já teria, logo em seguida, que resolver se aquilo se aplicaria às eleições de 2014, quando as campanhas já estavam estruturadas financeiramente. E isso, segundo Gilmar Mendes, geraria uma séria insegurança jurídica.

"Fábrica de laranjas"
Ministro é contra mudar pontualmente a forma de financiamento, sem que seja discutido o modelo eleitoral como um todo. Segundo ele, um dos riscos de se permitir apenas a doação de pessoas físicas nos moldes atuais é que partidos façam o que ele chama de “captação indevida de CPFs”, dividindo as doações que receberão de grandes companhias entre todas aquelas pessoas. Nas palavras do ministro: “uma verdadeira fábrica de laranjas”.

Mendes questiona ainda a capacidade do poder público de fiscalizar os problemas de caixa dois eleitoral em um modelo pulverizado como o de doações apenas por pessoas físicas. “Se hoje não conseguimos fiscalizar adequadamente 50 empresas estabelecidas, com CNPJ, sede e controlador conhecido, imagine controlar a doação de 30 milhões de pessoas!”. Aos olhos dele, a ação, proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, busca dar uma resposta simples para problema altamente complexo.

Ele lembra que até o governo de Fernando Collor (1990-1992), o financiamento de campanhas por empresas não era permitido. Entretanto, o processo que culminou no impeachment do presidente, fez a recomendação expressa de que se criasse um modelo de transparência nas doações, pois, viu-se que elas eram feitas via caixa 2. “Lógico que podemos limitar as quantias doadas, como se faz com concessionárias de serviços públicos, mas não devemos imaginar que vamos resolver isso com uma legislação de forte teor simbólico”, critica.

Mendes diz que antes de saber qual será o modelo de financiamento, a sociedade precisa saber qual modelo eleitoral será adotado. “Vai ser eleição em lista fechada? Em lista aberta? Modelo distrital? O Congresso quer isto? Ou deve ser o Judiciário, a induzir um modelo? Quem vota nisso é o Congresso, composto por parlamentares eleitos no modelo atual, que querem consertar o avião em pleno voo”.

Na opinião do ministro, no Supremo desde 2002, o modelo político deve condicionar o modelo de financiamento. Ou seja: eleição distrital ou por lista fechada, por exemplo, terão formas de campanha distintas. Por isso, diz não ser possível tratar a reforma política de forma seccionada, ou fatiada. “Podemos até deixar algum tema controvertido para outro momento, mas fazê-lo de forma consciente”, pontua o ministro.

Para o ministro, o debate deve necessariamente passar pela discussão da forma de governo. Ele entende que a sociedade está suficientemente madura para um sistema parlamentarista, puro ou misto, desde que tenha a figura de um coordenador de governo ou mesmo primeiro ministro.

Gilmar Mendes aponta ainda que a "glamurização" das peças publicitárias, principalmente as veiculadas na televisão, encarecem os custos das campanhas. “Nós temos sofisticado cada vez mais e gastamos cada vez mais com campanha”, diz Mendes, que questiona se a sociedade, enquanto audiência, deseja ver peças publicitárias mais simples.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!