Injustiça em números

Eficiência é um valor que não existe na atividade judicial

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6 de outubro de 2014, 7h25

O CNJ divulgou, na última semana, o último relatório dos estudos denominados de Justiça em Números. Os dados atestam que o Poder Judiciário continua incapaz de julgar todos os litígios levados à sua apreciação.

O exame do indicador denominado “taxa de congestionamento” revela que, na maior parte da federação, o Judiciário, ano após ano, tem sido incapaz julgar o total de casos que ali aportam. Os litígios se perpetuam, sem qualquer solução, levando insegurança jurídica à sociedade e, com certeza, tornando ainda mais hostil o já complicado ambiente de negócios no Brasil.

A razoável duração do processo, “garantida” pela Constituição Federal, é mais um dos muitos direitos negados ao povo brasileiro. A eficiência — princípio que deveria pautar a atuação dos magistrados brasileiros — é também um valor que não existe na atividade judicial.

Várias são as causas do problema. O crescimento do litigiosidade em razão dos novos direitos — e conflitos — surgidos após a Constituição de 1988 e dos diplomas legais que a sucederam como, por exemplo, o Código de Defesa do Consumidor, certamente é uma das origens da falência do Judiciário. Contudo, não foi apenas o aumento da demanda que levou à situação atual. Várias outras causas contribuíram para isso.

Qualquer estudo que se faça sobre o tema é capaz de apontar os motivos que explicam a morosidade da justiça. Entre as causas mais frequentes são apontadas: (i) a falta de adequadas condições de trabalho para os magistrados; (ii) a irracionalidade na distribuição e utilização dos recursos humanos (magistrados e servidores); (iii) o pouco preparo técnico de boa parte dos servidores que a atuam no Poder Judiciário; (iv) a falta de compromisso com a eficiência. Agora, muito embora todos se achem capazes de apontar as causas do problema, poucos se dispõe a trabalhar na busca das soluções.

É verdade que o Brasil tem poucos magistrados. É igualmente verdade que boa parte desses magistrados dedica grande esforço ao exercício de suas atividades. Porém, infelizmente, é também verdade que uma outra parte desses magistrados não possui qualquer compromisso com a boa prestação da atividade jurisdicional.

O exame dos dados divulgados pelo CNJ revela a existência de enormes discrepâncias na produtividade dos magistrados brasileiros. A análise de unidades jurisdicionais de porte semelhante, contando com a mesma estrutura, demonstra a diferença que faz um bom juiz. Enquanto alguns magistrados, dedicados e produtivos, realizam dezenas de audiências, proferem centenas (em alguns casos milhares) de decisões, outros acumulam processos sem decisão, sem demonstrar qualquer preocupação com isso.

Para alguns juízes o exercício da jurisdição é um sacrifício diário, que consome horas e horas de estudo e trabalho árduo. Para outros, é uma tarefa realizada sem qualquer empenho ou compromisso, para a qual dedicam poucas horas por dia, às terças, quartas e quintas. Precisamos mudar esse quadro.

Justiça célere é um sonho distante. Uma ilusão em que poucos ainda acreditam. Porém, chegamos a um estágio pior. Agora, além de não termos celeridade, também não temos eficiência. Se antes reclamávamos da quantidade, agora as queixas alcançam também a qualidade.

Devemos ter cuidado com as medidas defendidas por alguns, que de olho apenas nos números, sob a alegação de garantir a celeridade da tramitação dos processos, buscam agora acelerar os procedimentos, através do sacrifício e da diminuição das demais garantias processuais constitucionais. Querem limitar o direito ao contraditório, proibir a presença do advogado no processo, restringir o direito das partes à produção de provas e, o pior, dispensar o órgão jurisdicional de fundamentar racionalmente suas decisões.

Nessa corrida por números, as garantias do devido processo legal estão desaparecendo. A fundamentação adequada das decisões judiciais é algo que não mais existe nesses tempos de julgamentos em lista. A massificação dos litígios levou ao surgimento das decisões genéricas, de fundamentação tão superficial que servem até para julgar casos totalmente diferentes.

Se iludem aqueles que pensam que a implantação do processo eletrônico mudará essa realidade. As novas tecnologias representarão apenas uma “troca de mídia”, a substituição do papel pela tela do computador, mas não terão qualquer impacto na solução dos males de que hoje padece o Judiciário. Aliás, apenas um problema irá desaparecer: as pilhas de processos que não mais serão enxergadas nas secretariais judiciais, uma vez que passarão a estar armazenadas de forma virtual. As montanhas de processos sairão das secretarias judiciais e dos gabinetes dos juízes e irão para as “nuvens”.

Precisamos de um sistema processual que permita a produção de resultados justos e em um tempo razoável. Porém, não será a edição de novos Códigos que irá resolver o problema. Precisamos de uma boa dose de investimentos no Poder Judiciário. Não para construir tribunais suntuosos ou para adquirir veículos de luxo para uso dos magistrados. Os recursos financeiros, que precisam ser ampliados, devem ser melhor empregados e geridos. Os recursos humanos também precisam de uma melhoria. Precisamos de um maior número de magistrados e servidores, mas precisamos também de um maior preparo e compromisso dos que hoje exercem essas funções.

A sociedade tem que exigir que o Judiciário cumpra o artigo 37 da CF. Não foi a toa que a Constituição Federal determinou que o órgão jurisdicional tenha número de juízes proporcional à efetiva demanda judicial e à respectiva população (artigo 93, XIII, da CF/1988). Os dados do CNJ estão ai a demonstrar a necessidade de um maior número de juízes, e, no caso de alguns magistrados, os números revelam também que estes precisam ser mais produtivos.

O Judiciário precisa investir mais em gestão. O CNJ, em um trabalho digno de elogios, está levantando dados que permitem um melhor exame dos males que afetam o Judiciário Brasileiro. Porém, não basta apontar os problemas. Precisamos agora das soluções. A eficiência na prestação dos serviços jurisdicionais é um dever do Estado e um direito do cidadão.

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