Moeda em xeque

Estrutura jurídica do governo enfrenta seu maior desafio

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17 de março de 2014, 17h20

Não é só no Congresso que o governo Dilma Rousseff caminha em terreno minado. Há também no Judiciário clima para um ajuste de contas com o passado. Nos dois principais tribunais do país trava-se uma luta que parece ser de morte. Muitos observadores ainda acreditam que o pânico estampado no rosto dos advogados da União e do Banco Central ao falar da questão dos planos econômicos e da aplicação da Taxa Referencial (TR) no FGTS não passa de terrorismo. Os cálculos do impacto com a vitória dos poupadores, porém, segundo a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), podem chegar a R$ 341,5 bilhões. Com a correção das contas do FGTS pelos índices da inflação, essa rubrica pode levar outros R$ 160 bilhões.

A postura alarmista contraria a orientação do ministro Guido Mantega (Fazenda), que quer evitar a sinalização de fraqueza e instabilidade. Porém, a AGU e o Banco Central respondem diretamente à presidência da República.

O advogado Alexandre Berthe Pinto, que representa o SOS Consumidores, parte no processo sobre planos econômicos, rebate, dizendo que os números apresentados indicam o pior cenário possível. "É como se todos os poupadores fossem beneficiados, de todos os planos, recebendo o valor máximo, de forma imediata, algo que é ilusório", afirma. Ele acrescenta que os acordos são frequentes nas ações dos planos econômicos, "não sendo raros casos em que acordos são formalizados entre 50% ou 60% da condenação". 

A associação que o advogado representa reclama de o Judiciário estar sendo colocado a julgar o caso sob a pressão dos cofres públicos. "Não é função do STF decidir questões com lastro em pressão econômica ou politica, o que está em discussão é um direito já consagrado durante décadas", reclama. Em manifestação enviada ao ministro Gilmar Mendes, dizem que há meios de discutir processualmente a liquidação do julgado.

No mérito, o grau de complexidade das situações extraordinárias provocadas com a adoção dos planos econômicos confunde até mesmo especialistas. Contrário a indenizações localizadas, “uma vez que os planos afetaram a todos os brasileiros, igualmente”, o ministro do STF, Gilmar Mendes, usa como exemplo um dos Recursos Extraordinários do qual é relator. Ele explica: “O cidadão entrou na poupança depois dos planos. Portanto, não tem o que reivindicar. Mas depois que alguns juízes automatizaram um determinado entendimento, o poupador passou a ser favorecido sem um exame detido da real situação”.

Na semana passada, o procurador-geral do Banco Central, Isaac Sidney Menezes Ferreira, assim como fez no caso dos planos econômicos, pediu ao STF para que o banco seja aceito como parte interessada no processo que examina o reajuste das contas do FGTS. Para o procurador é um engano tratar uma conta social, destinada a financiar habitação, infraestrutura e saneamento como se fosse um investimento que vise rendimento financeiro. A Caixa sustenta que o uso da TR para correção do FGTS faz parte de sistema definido em lei deve ser respeitado. Mudar isso, para o banco, teria reflexos em todo sistema financeiro habitacional e a remuneração da caderneta de poupança.

Nos documentos enviados ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao Supremo Tribunal Federal (STF), o comandante jurídico do BC informa que eventual determinação judicial para corrigir os saldos do FGTS, com base na inflação implicaria a revisão de "milhões" de contratos de financiamento habitacional, já que, em 2013, a TR foi de 0,19% contra 5,91% do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). O Banco Central pediu para participar do julgamento desses processos nos dois tribunais porque é responsável por calcular a TR a partir de metodologia estipulada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).

No Superior Tribunal de Justiça, o ministro Benedito Gonçalves suspendeu o andamento de todas as ações judiciais que discutem o uso da Taxa Referencial (TR) como índice de correção do saldo do FGTS. A reclamação é que o índice é abaixo da inflação. Falta ainda julgar embargos de declaração, o que pode mudar todo o entendimento da Corte Especial. Na ADI que corre no Supremo, o argumento é que a Corte declarou a TR inconstitucional para correção de precatórios e, portanto, deve ser inconstitucional também para remuneração do FGTS.

Tanto a questão do FGTS quanto a dos planos econômicos estão amarradas em mais pontos além do cofre em comum (52% do que os poupadores cobram é dos bancos públicos). Está com o Superior Tribunal de Justiça a decisão sobre o momento em que se aplica cobrança de juros em ações coletivas. Outra questão pendente é a abrangência geográfica dessas ações. O que pede aprofundamento nessas questões, não é apenas os casos concretos em pauta. Está em aberto o que o país pretende fazer com seu passado e com seu futuro.

Clique aqui para ler os pedidos do Banco Central para ingressar como amicus curiae no STF e no STJ.

Clique aqui para ler a manifestação do SOS Consumidores.

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