Política remuneratória

Honorário para advogado público garante estímulo profissional

Autor

  • Márcia Maria Barreta Fernandes Semer

    é procuradora do Estado de São Paulo. Especialista e mestre em Direito do Estado pela Fadusp. Presidente do Conselho Consultivo da Associação Nacional dos Procuradores integra ainda a Comissão de Controle Social dos Gastos Públicos da OAB-SP.

7 de março de 2014, 19h14

Desde 2012 comemora-se em 7 de março o dia da advocacia pública.

Com assento na Constituição Federal de 1988, a advocacia pública tem na Advocacia Geral da União e nas Procuradorias Estaduais e do Distrito Federal as funções essenciais à Justiça cuja existência obrigatória e competências exclusivas não deixam dúvida quanto à sua relevância institucional.

Não obstante e a despeito de já decorridos 25 (vinte e cinco) anos da promulgação da Constituição de 1988, a advocacia pública — que deveria integrar também as Procuradorias municipais como instituições de existência obrigatória — segue objeto de incompreensões, como verificamos em alguns dos debates recentes que a envolvem, a exemplo das dúvidas sobre a pertinência do percebimento de honorários advocatícios pelos advogados públicos ou sobre a possibilidade desses advogados atuarem em assessorias junto a ministros dos tribunais superiores ou desembargadores.

A questão da destinação aos advogados públicos dos honorários advocatícios resultantes de sua atuação exitosa nas demandas contenciosas em que o Estado é parte não é nova, mas, como temos acompanhado, notadamente a partir de sua inserção no projeto de CPC em análise no Congresso, vem produzindo questionamentos ou incompreensões, que, para nossa intrigada surpresa, encontram eco até mesmo entre personagens do mundo jurídico.

Digo isto porque a advocacia pública, inequivocamente, é a instituição jurídica estatal dotada de menor visibilidade popular, e, portanto, menos conhecida, de modo que o justificável desconhecimento sobre o papel, atividades e regramentos que sujeitam todos os seus integrantes poderia explicar os questionamentos levantados no debate que envolve o tema.

Mas, ao que tudo indica, as dúvidas sobre a normativa em comento e sobre o universo da advocacia pública alcançam também iniciados, como pudemos ler até mesmo neste ConJur.

Importante registrar que os advogados públicos são profissionais do direito selecionados pelo Estado da mesma maneira que juízes, promotores ou defensores, em rigorosos concursos públicos de provas e títulos que garantem ao “cliente”— que é o Estado brasileiro — a certeza apriorística da nomeação de advogados dotados de comprovada qualificação técnica e de destacada expertise especificamente voltada ao exercício proficiente da advocacia tanto consultiva quanto contenciosa da administração pública.

Depositários de relevantíssimas competências constitucionais específicas e exclusivas de defesa jurídica do Estado, os advogados públicos são essencialmente advogados, ou seja, profissionais comprometidos com o mister de dizer o direito em nome e benefício ou proveito daquele a quem representam.

E os advogados, como é de conhecimento geral, são, tradicionalmente, remunerados por meio dos chamados honorários advocatícios pactuados contratualmente. Os honorários estão expressamente previstos no Estatuto da OAB e mesmo no CPC em vigor como forma de retribuição do trabalho do advogado. Quanto aos honorários auferidos em ações judiciais, nada mais são que o fruto de um trabalho exitoso do profissional na defesa do direito de seu representado, uma espécie de “medida do sucesso”.

Sendo assim, não vislumbramos razão jurídica e muito mesmo lógica política em excluir ou “discriminar” os advogados públicos quanto ao percebimento dos honorários advocatícios oriundos da atuação bem sucedida na via judicial.

Ao contrário, trata-se de política remuneratória que garante o estímulo profissional ao advogado público — impedindo que ele se torne um mero burocrata, e que, ao mesmo tempo, traz ao Estado-empregador a certeza do empenho cotidiano desse servidor na busca da melhor defesa processual, daquela que pode lhe proporcionar o ganho de causa. Afinal, se parcela da remuneração do advogado público deriva de sua atuação bem sucedida nos tribunais, certamente esse causídico não vai descurar de seu trabalho por comodismo. Aliado esse componente estimulador ao fato já exposto de que esses advogados gozam de considerável conhecimento jurídico, comprovado em concurso público de provas e títulos, pode-se dizer que a fórmula, na verdade, é inteligente e extremamente vantajosa para o Estado.

Em São Paulo, por exemplo, onde vigora há 40 (quarenta) anos para os procuradores do estado, a verba é fonte de receita que desonera o Tesouro tanto para os integrantes da ativa quanto aposentados, do contencioso e da consultoria, pois a honorária auferida nas lides judiciais integra regularmente a remuneração, sendo distribuída indistintamente entre todos os profissionais. Cobre ainda, por antecipação, a contribuição previdenciária “patronal” (do próprio Estado) e, por fim, garante integralmente os custos do Estado com a atualização e o aprimoramento constante tanto dos procuradores quanto dos servidores da PGE/SP. Não gera, portanto, nenhum prejuízo ao Estado ou aos contribuintes. Apenas benefícios.

E nem se diga que a destinação da verba honorária aos advogados públicos poderá gerar qualquer tipo de vantagem fora de controle. Todo servidor público está sujeito a limites remuneratórios fixados pela Constituição, e os advogados públicos não são exceção. De mais a mais, estão submetidos à verificação de órgãos internos e externos de controle estatal, além do controle que, a partir da entrada em vigor da Lei de Acesso a Informações, pode ser realizado diretamente pela própria população.

Aliás, se há algum questionamento a se fazer quanto às regras referentes a honorários na proposta de CPC certamente não é o relativo à destinação da verba aos advogados públicos, mas o relativo à diferenciação do percentual de honorários nas causas onde atuam os advogados públicos. Afinal, por que exatamente as maiores dívidas, as mais difíceis de cobrar, as pertencentes aos que têm mais condições de se defender, as dos grandes devedores cujas dívidas causam maior gravame ao Estado, pagarão menor percentual de honorários? Penso que a matéria mereça melhor reflexão de todos nós e confio no trabalho sério que vem sendo desenvolvido pelo deputado Paulo Teixeira na condução da relatoria do Código e na busca pela implementação das soluções mais justas.

Outro assunto que igualmente tem gerado notícia — tema, aliás, de editorial do jornal O Estado de São Paulo de 7 de março de 2014 — é o da tentativa de restrição do acesso dos advogados públicos às assessorias dos ministros de Tribunais Superiores ou desembargadores de tribunais.

Compartilho o sentir daqueles que sustentam que mais adequado seria que esses postos de assessoria fossem preenchidos por servidores concursados.

Mas enquanto esse não é o regramento vigente, louve-se a decisão do CNJ que afastou a esdrúxula representação apresentada pela OAB-RJ contra a presença de advogados públicos — mais especificamente de procuradora da Fazenda Nacional — entre os assessores de desembargadores ou ministros, a partir de caso que, conforme se noticiou, envolvia débitos vultosos da Cia Vale do Rio Doce.

Até porque o advogado público é um profissional do direito altamente qualificado e imaginar que sua condição de advogado público lhe confere um “parti-pris” ideológico a favor das causas do Estado capaz de determinar a decisão do desembargador ou ministro assessorado chega a ser pueril, ademais de desmerecedora dos ilustres e experientes magistrados.

A escolha de bacharéis e mesmo advogados — sejam públicos ou privados — para a assessoria em tribunais é prática corriqueira e decorre do fato do conhecimento jurídico ser requisito essencial e indispensável para o exercício da função. É orientação pragmática que, exercitada dentro dos limites legais, sem nepotismo, não fere o direito nem a ética.

A polêmica aqui também me parece estar fora de foco.

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