Escolha de ministros do STF precisa de mais participação de todos os poderes
11 de julho de 2014, 8h00

Os reflexos dessa ampliação de efetiva atuação do Supremo Tribunal Federal trouxe novamente à discussão a questão da legitimidade da justiça constitucional em confronto com a legitimidade da maioria legislativa, principalmente na forma acentuada no campo do controle concentrado de constitucionalidade, uma vez que poderes são concedidos a um corpo de magistrados não eleitos para declaração de inconstitucionalidade de uma lei, afetando a produção legiferante do Parlamento, representante direto das aspirações populares em uma democracia representativa.
A justiça constitucional, porém, não carece de legitimidade, pois a Constituição Federal consagrou a ideia de complementaridade entre democracia e Estado de Direito, pois enquanto a democracia se consubstancia no governo da maioria, baseado na soberania popular, o estado de direito consagra a supremacia das normas constitucionais, o respeito aos direitos fundamentais e o controle jurisdicional do poder estatal, não só para proteção da maioria, mas também, e basicamente, dos direitos da minoria; sendo absolutamente necessária a compatibilização do parlamento (que representa o princípio democrático da maioria) com a justiça constitucional (que representa a garantia do estado de direito e a defesa dos direitos fundamentais e dos direitos da minoria).
Dentro dessa perspectiva, acentua-se a necessidade de conjugarem-se e compatibilizarem-se as ideias de democracia, que se manifesta basicamente pela forma representativa, por meio do Congresso Nacional, e de estado de direito, que se manifesta pela consagração da supremacia constitucional e o respeito aos direitos fundamentais, tornando-se, portanto, clara a legitimidade da justiça constitucional e a necessidade de existência de seus órgãos, dotados de plena independência e que possam instrumentalizar a proteção dos preceitos e direitos constitucionais fundamentais.
O amplo controle jurisdicional exercido pelo Supremo Tribunal Federal, longe de configurar um desrespeito à vontade popular emanada por órgãos eleitos, seja no Executivo seja no Legislativo, constitui um delicado sistema de complementaridade entre a democracia e o estado de direito e precisa ser mantido, em defesa da efetiva proteção aos direitos fundamentais.
Tal constatação não impede o aperfeiçoamento deste complexo mecanismo constitucional, principalmente quanto a forma de investidura dos membros do STF, pois a sua composição é fator legitimador da justiça constitucional, havendo, portanto, necessidade da mais ampla participação popular na escolha de seus membros, por intermédio de seus representantes eleitos nos Poderes Legislativo e Executivo.
Essa salutar discussão está presente no Congresso Nacional, pois há várias propostas de Emendas constitucionais sobre o tema, e, entre elas estão em tramitação no Senado Federal, a PEC 50/2013 (senador Antonio Carlos Rodrigues, PR/SP) e a PEC 58/2013 (senador Roberto Requião, PMDB/PR), estabelecendo alterações no processo de escolha dos Ministros do Supremo Tribunal Federal e prevendo a existência de mandatos temporários para o exercício do cargo.
A PEC 50 estabelece que os ministros do Supremo Tribunal Federal passem a ser escolhidos em lista sêxtupla elaborada, na forma da lei, por órgãos e entidades da área jurídica e composta de pessoas com, no mínimo, dez anos de experiência profissional na mesma área, sendo cinco vagas pelo presidente da República, três pela Câmara dos Deputados e três pelo Senado Federal; enquanto a PEC 58 prevê a fixação de mandato de oito anos para os ministros do STF, que serão nomeados após a escolha pelo presidente da República e aprovação de maioria absoluta do Senado Federal.
O tema merece reflexão, pois o atual posicionamento constitucional do STF na divisão de poderes passou a exigir a necessidade de maior aperfeiçoamento na previsão de sua composição e forma de investidura de seus membros, que, desde a primeira Constituição republicana de 1891, sofreu poucas alterações, caracterizando-se, basicamente, pela escolha e nomeação vitalícia de seus ministros pelo presidente da República, desde que presente a concordância do Senado Federal, nos mesmos moldes da Corte Suprema dos Estados Unidos.
A questão relacionada à composição do STF não pode ser colocada de maneira neutra, pois, em virtude da repercussão de suas decisões, o juiz constitucional desempenha necessariamente um papel ou uma função política. Dessa forma, todas as formas de investidura serão fortemente impregnadas do caráter de politização na escolha para a Corte, pois se trata do exercício de jurisdição constitucional e não jurisdição comum, devendo-se, portanto, consagrar-se a existência de requisitos capacitários mínimos e garantias de independência para o exercício da função, diminuindo-se a possibilidade da utilização dos cargos do Supremo Tribunal Federal como instrumento de política partidária.
O modelo norte-americano (1787) implantado no Brasil (1891), contudo, foi, ao longo do tempo, insuficiente e carecedor de maior legitimidade popular, sendo superado pelas novas fórmulas previstas nas Constituições europeias, que não só preveem uma participação mais efetiva dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário na escolha dos membros do Tribunal Constitucional, como também exigem maiores requisitos capacitários.
Exemplificativamente, podem ser apontadas, como modelos evolutivos de designação dos membros dos tribunais constitucionais, que visaram à repartição balanceada da escolha entre os Poderes de Estado, as Constituições austríaca, francesa e a Lei Fundamental alemã, que preveem as nomeações tanto pelo Executivo, quanto pelo Legislativo; enquanto a Constituição portuguesa permite nomeações com base em escolhas do Parlamento e do próprio Tribunal Constitucional e as Constituições Italiana e Espanhola dividem as nomeações entre o Executivo, Parlamento e a própria Magistratura.
Portanto, seria importante que os membros do STF fossem escolhidos, de maneira proporcional, pelos representantes dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, de maneira que, quatro ministros fossem escolhidos livremente pelo Presidente da República e quatro ministros eleitos pelo Congresso Nacional, sendo dois por maioria absoluta da Câmara e dois por maioria absoluta do Senado Federal; sendo que, os três membros restantes seriam escolhidos pelo próprio STF, entre membros da carreira da magistratura e do Ministério Público.
A escolha dos membros do STF deveria também vir acompanhada da exigência de requisitos especiais, devendo ser acrescentados aos atuais requisitos para a escolha dos 11 ministros alguns capacitários, necessários para o exercício de tão graves e importantes funções. Além da permanência da exigência da nacionalidade originária (CF, artigo 12, § 3º, IV) do gozo dos direitos políticos (cidadãos) e da reputação ilibada, a Constituição Federal deve especificar a exigência, hoje absolutamente subjetiva, do notável saber jurídico, que, historicamente, não se mostrou satisfatória, substituindo-a por critérios objetivos.
Assim, o requisito do notável saber jurídico, para os quatro membros escolhidos pelo Presidente da República e para os quatro membros eleitos pelo Congresso Nacional, passaria a exigir, alternadamente, ou do exercício no mínimo de 10 anos de efetivo exercício de atividade que exija a qualificação profissional de bacharel em Direito, semelhante à exigência do Tribunal Constitucional Austríaco ou a qualificação de jurista, comprovada pelo título de doutor em Direito, devidamente reconhecido, nos moldes do Tribunal Constitucional Português. Para os membros escolhidos pelo STF, a exigência deveria ser de, no mínimo, 10 anos de efetivo exercício na carreira da magistratura ou do Ministério Público. A complementação de experiências reforça a legitimidade da justiça constitucional, afastando duplo perigo: o exagerado tecnicismo dos membros ou o desvirtuamento político partidário das escolhas.
Uma vez regularmente escolhidos, todos os candidatos seriam sabatinados pelo Senado Federal, para aprovação por maioria absoluta, e a posse seria dada pelo presidente do STF. Porém, antes da sabatina, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil deveria manifestar-se, sem caráter vinculativo, sobre os eventuais candidatos e suas qualificações, nos mesmos termos da Associação norte-americana de Advogados (ABA) que possui uma comissão para análise da escolha presidencial para a Corte Suprema, logicamente sem caráter vinculante, definindo o escolhido como qualificado ou não qualificado.
Rui Barbosa afirmava que esse era o momento da sociedade americana participar da escolha dos integrantes da mais alta corte, por intermédio de um órgão da sociedade civil, tendo recordado interessante acontecimento, ao comentar o art. 55 da Constituição Federal de 1891, sobre a participação da Bar Association de New York, que impediu a nomeação do Secretário de Justiça George H. Willians para o cargo de juiz da Corte Suprema norte-americana, pelo Presidente Grant, em virtude de ter agido com grande “desacerto e consultara mal os interesses da justiça”, mesmo tendo sido herói de guerra e empossado com grande apoio popular.
Entendemos, também, que diferentemente da atual previsão e das previsões para os juízes da Suprema Corte norte-americana e do Tribunal Constitucional austríaco, a nomeação dos futuros membros do STF não deveria ser realizada de forma vitalícia, devendo a Constituição Federal instituir mandatos temporários, nos mesmos moldes do Conselho Constitucional francês, dos Tribunais Constitucionais alemão, português, espanhol e da Corte Constitucional italiana.
Há necessidade do STF, enquanto instituição, na especial missão de interpretar a Constituição Federal, adequar-se às alterações políticas, sociais e culturais, reforçando sua histórica missão de defensor dos direitos fundamentais e diminuindo as desigualdades sociais, a fim de cooperar com os demais Poderes para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, como determina nossa Constituição Federal.
A alternância dos mandatos, cuja duração razoável não deve ser menor do que 10 anos, sob pena de comprometimento da excelência da Corte, e sem recondução, possibilitaria essa maior evolução e adequação sociopolítica. A vedação à recondução é garantia de independência da jurisdição constitucional, uma vez que seus membros não necessitariam permanecer vinculados às forças políticas que os apoiaram para a nomeação, reforçando a ideia de independência e neutralidade política dos membros do STF, pois os afastaria da perigosa e traiçoeira expectativa de reeleição.
Logicamente, as novas regras de investidura deveriam ser aplicadas na medida em que houvesse a vacância dos cargos, pois além de se manter aos atuais ministros do STF a regra da vitaliciedade, na qual foram empossados, impediria que todos os mandatos fossem iniciados no mesmo momento.
A maior participação de todos os poderes na escolha e investidura dos membros que compõem o Supremo Tribunal Federal e a fixação de mandatos temporários para o exercício do cargo são elementos indispensáveis ao aperfeiçoamento da complementaridade entre democracia e estado de direito, constituindo-se em uma atual necessidade de fortalecimento da legitimidade da justiça constitucional.
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