Como a corrupção afeta a advocacia em Direito Administrativo
17 de dezembro de 2014, 5h21
Os términos dos anos costumam coincidir com momentos de reflexão. Costumamos avaliar as nossas condutas, diagnosticar os equívocos e prescrever novas ações. Fazemos previsões sobre o que virá, com base no que já se foi.
Em se tratando de Direito Administrativo, cumpre refletir a respeito do que houve nos últimos doze meses. Embora o risco de engano sempre acompanhe aqueles que fazem previsões, é provável que o ano de 2014, especialmente os últimos meses, fique registrado na história brasileira como uma época de alerta sobre o ambiente de relações contratuais entre o Estado e os particulares.
O assunto não é novo e dispensa introdução. A propósito, a cultura patrimonialista brasileira é investigada desde há muito, tendo sido revelada em detalhes nas obras de Raimundo Faoro.
De toda sorte, não há dúvidas de que a promiscuidade entre o público e o privado, no Brasil, voltou à ordem do dia. Os recentes escândalos envolvendo a maior estatal brasileira (Petrobras) atingiram, com ineditismo, cifras bilionárias.
As denúncias indicam o envolvimento de algumas das maiores sociedades empresariais brasileiras em práticas de corrupção. Para muito além do jeitinho, diz-se que a propina foi utilizada para conquistar alguns dos maiores contratos administrativos já celebrados pelo Estado brasileiro e para subsidiar campanhas eleitorais de diferentes partidos.
E há algo de simbólico nisso tudo, uma vez que alcançaram, além da maior empresa estatal, as maiores construtoras nacionais e o mais alto escalão dos governantes brasileiros. O sentimento de impotência perante esta situação fortalece uma cultura de desconfianças sobre o relacionamento público-privado, causa instabilidade política e fomenta a busca por soluções radicais, cujas consequências, acaso adotadas, são imprevisíveis.
Recentemente, houve até desabafo, por parte de um advogado atuante na operação “lava jato”, no sentido de que esta prática existe em toda a Administração Pública brasileira. Exemplificou-se o cenário de acentuado patrimonialismo com a afirmação de que sequer uma lajota é colocada, neste País, sem um prévio “acerto” com a autoridade competente.
Em suma, são inúmeros os exemplos que revelam uma percepção generalizada de corrupção, o que estimula a desconfiança dos particulares, os excessos e as obsessões dos órgãos de controle e o império do medo sobre os agentes públicos.
Este cenário é absolutamente prejudicial ao interesse público, pois gera ineficiência e paralisia. Por isso, cumpre aos pensadores do Direito e à própria Administração Pública a tarefa de dissipar as causas desta percepção, por meio de ações concretas – o que, diga-se, passa necessariamente por uma cultura de maior transparência nos diálogos e nas relações público-privadas.
A despeito da generalidade, com a qual não se pode compactuar, pois injustiças seguramente seriam cometidas, as práticas denunciadas no ano de 2014, supondo-se comprovadas ou parcialmente comprovadas, são nefastas para a legitimidade das relações entre o Estado e a iniciativa privada.
Os riscos dessa ilegitimidade resultam no robustecimento de inúmeras e variadas soluções, novas ou renovadas, mais ou menos radicais, cada qual com suas justificativas e origens ideológicas, que ora são ensaiadas pela sociedade brasileira. A título exemplificativo: a defesa pelo enrijecimento do controle pelos Tribunais de Contas e pelo Ministério Público, da retomada da execução direta pelo Estado de atividades que hoje são desempenhadas pela iniciativa privada, da desestatização ao máximo das atividades sob a competência do Estado, ou ainda, a defesa por nova intervenção das Forças Armadas brasileiras — o que é abominável, registre-se.
Sem dúvidas, é difícil e arriscado comentar escândalos em andamento, sobretudo após um conturbado momento eleitoral, em que os ânimos restam aflorados e pouco há, sobre essas denúncias, de comprovação, até porque muito recentes. Mas parece seguro afirmar que, independentemente do desfecho dessas denúncias, o ano de 2015 iniciará diferente para a advocacia em Direito Administrativo.
A diferença se resume no enrijecimento de um conhecido e inevitável movimento em favor de compliance no ambiente corporativo, ou seja, em favor de práticas que assegurem a maior aderência dos negócios público-privados às normas legais. Esse movimento ocorre tanto em razão de uma tomada de consciência corporativa como em virtude do receio de se figurar como investigado num escândalo como aqueles a que hoje assiste a sociedade brasileira.
De par com as formas tradicionais de controle, o desenvolvimento tecnológico apresentou à sociedade a possibilidade de exercitar o controle social sobre a Administração Pública. E de forma paulatina, as normas que asseguram a efetiva transparência daquilo que é público tornam as práticas patrimoniais mais arriscadas. Em meio aos referidos excessos e às obsessões, infelizmente comuns a todas as espécies de controle sobre a Administração Pública, a questão é que este ambiente de medos e receios reclama por maior segurança jurídica — daí o destaque ao compliance.
Pois bem. Em Direito Administrativo contratual, isso significa que existe — e existirá cada vez mais — uma preocupação em garantir que a captação de negócios ocorra de maneira a mais legítima possível. Isso porque os riscos a que se sujeitam aqueles que se valem de práticas pouco republicanas na captação de novos negócios com o Estado começam a sobrelevar os benefícios.
Todo este contexto implica uma alteração de ênfases sobre o perfil da advocacia em Direito Administrativo, o que, na opinião dos autores, é saudável para o desenvolvimento das instituições brasileiras e para o resgate de sua legitimidade.
A opinião é a de que haverá uma mudança sobre o perfil da advocacia procurada por aqueles interessados em se relacionar contratualmente com a Administração Pública brasileira.
Um novo perfil da advocacia em Direito Administrativo deve se estabelecer, muito mais afeito à técnica e menos dependente de um poder de influência social e política. Ou, no mínimo, ainda que não se diminua o prestígio aos advogados inseridos e influentes sob a perspectiva política e social, haverá uma maior valorização sobre a qualidade técnica desses profissionais. Evidentemente, não se está a dizer que apenas os advogados inseridos e influentes politicamente são procurados atualmente, mas que, na opinião dos autores, doravante, haverá uma valoração ainda maior da técnica jurídica.
É o que se segue naturalmente ao aguçamento de uma preocupação com a legitimidade das decisões administrativas, em substituição a uma busca pela decisão propriamente dita, por quaisquer meios, justificada tão e somente pelos fins atingidos. Buscar-se-á do advogado uma prática que confira maior segurança jurídica, permanente, sólida, legítima, o que, opina-se, somente será possível por meio de ênfase na busca pela qualidade técnica dos serviços advocatícios, respeitando-se cada vez mais os pressupostos constitucionais do processo administrativo.
Caso esta previsão se confirme, é certo que o novo perfil da advocacia em Direito Administrativo será recebido com entusiasmo, haja vista que a probabilidade de que os negócios público-privados sejam celebrados em desprestígio aos princípios constitucionais — especialmente o princípio da moralidade e da impessoalidade — certamente diminuirá. Assim, a meritocracia, tão proclamada no ambiente corporativo brasileiro, recairá com ainda maior aptidão sobre a prática da advocacia, preferindo-se cada vez mais a técnica e o respeito à legalidade à influência política e à obtenção de resultados por meios censuráveis.
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