Advogados contam como defenderam presos na ditadura
14 de abril de 2014, 16h32
Em abril deste ano completa-se meio século do golpe de Estado que instaurou a ditadura mais longa da história do Brasil (1964-1985). O papel da advocacia durante o período autoritário não se resumiu à importância da Ordem no cenário da época — apoiando o golpe de início, mas posteriormente tornando-se um símbolo da oposição aos militares. O papel da advocacia diz respeito, principalmente, ao trabalho daqueles que defenderam centenas de perseguidos políticos, e seu esforço para garantir um mínimo de direitos individuais contra os excessos do autoritarismo que se estabeleceu como regra a partir de 1964. Dos pedidos de Habeas Corpus para os primeiros presos políticos até a participação na campanha pelas Diretas Já, a OAB e os advogados tiveram atuação fundamental para o restabelecimento da democracia.
Se por um lado os dirigentes do Conselho Federal elogiaram a deposição de João Goulart, cujo governo era considerado uma ameaça à democracia, por outro, no livro A OAB e o regime militar (1964-1986), o advogado e ex-deputado federal pelo MDB Fernando Coelho afirma que a Ordem, "a partir do AI-5 mas, sobretudo, após o ‘pacote de abril’, foi uma das principais cidadelas da luta institucional da sociedade civil contra a ditadura militar". A entidade teria mudado de posição "na medida em que foram ficando evidentes as contradições entre o discurso e a prática dos vitoriosos".
Primeiros dias
Manhã de 1º de abril de 1964. Antonio Modesto da Silveira deixa seu escritório rumo à Cinelândia, na cidade do Rio de Janeiro, onde se tornaria testemunha ocular do início de um dos períodos mais sombrios da história brasileira. "Vi tudo começar. Eu era um jovem advogado, com escritório na Rua Álvaro Alvim. No dia 1º, estava marcado um comício na Cinelândia, em apoio ao Jango, que reuniria líderes sindicais, estudantis e intelectuais. Sentia-se a iminência do golpe no ar. Mas no ato não havia lideranças, apenas a massa. De repente, começaram a passar tanques pela Avenida Rio Branco. O povo aplaudiu, e então apontaram os canhões contra o povo. Quando este percebeu que era o alvo, começou a vaiar. Os soldados saíram de dentro dos tanques, e juntamente com os que estavam a pé, com as baionetas caladas, começaram a expulsar as pessoas da rua", relata.
Naquele momento, Modesto da Silveira — hoje considerado o advogado que mais defendeu presos políticos — começava a ter noção de que sua vida mudaria radicalmente. "Fui para o escritório, e já encontrei muita gente pedindo socorro, por causa dos parentes e amigos sequestrados. Porque ninguém era preso, as pessoas simplesmente sumiam", enfatiza. Como as prisões eram ilegais, não havia informações sobre quem desaparecia, e tampouco era possível ter acesso aos locais de detenção. Diante disso, o primeiro passo dos advogados foi solicitar Habeas Corpus e tentar localizar os clientes. "Ainda na tarde do dia 1º me dirigi ao Dops [Departamento de Ordem Política e Social], mas não tentei entrar imediatamente. Enquanto avaliava o risco, avistei o Sobral Pinto, já um profissional famosíssimo. Mesmo sendo advogado do Carlos Lacerda, na época governador da Guanabara e apoiador do golpe, os policiais não o deixaram entrar. Ele estava revoltado", conta Modesto. Do encontro com Sobral, ele recorda a sensação de que começaria um período de intensa luta pela liberdade. "Ele me desanimou da tentativa de entrar no Dops, mas quando disse que iria para o escritório redigir o Habeas Corpus, me encorajou: ‘Faça isso, vou fazer o mesmo’. Ali percebi que a democracia havia sofrido um golpe".
Justiça Militar
Relatos dos advogados apontam que, nos primeiros anos da ditadura civil-militar, o Supremo Tribunal Federal e alguns juízes de primeira instância mantinham posições relativamente independentes, exigindo o cumprimento de Habeas Corpus concedidos em favor de presos políticos. No entanto, o Ato Institucional 5 (AI-5) marcaria o momento em que a "linha dura" se tornaria preponderante — não por acaso, uma das principais medidas decretadas foi a suspensão do Habeas Corpus. A Justiça Militar funcionava através das auditorias militares, compostas por um juiz togado e quatro oficiais das Forças Armadas, e do Superior Tribunal Militar (STM), composto por dez juízes togados e cinco oficiais.
Após a decretação do AI-2, em 1965, a Justiça comum não julgaria mais os casos enquadrados na Lei de Segurança Nacional (LSN) — os chamados "crimes políticos" —, cuja competência passava a ser da Justiça Militar. Havia 21 auditorias em todo o Brasil, e mais uma corregedora. Os estados mais importantes tinham uma ou duas cada um, e o Rio de Janeiro tinha sete. Para Modesto, isso ocorria porque "aqui se concentrava a massa de interesse político e militar".
Por outro lado, o STM era mais sensível às argumentações da defesa do que as auditorias. "Estas eram feitas para condenar. Promotores e juízes, em maioria, eram articulados com o regime, alguns até com a repressão", afirma Marcelo Cerqueira, responsável pela solicitação do primeiro habeas corpus para o então deputado Rubens Paiva, sequestrado pelos militares.
Para Fernando Fragoso — na época um estudante de Direito que acompanhava de perto a atuação de seu pai, Heleno Fragoso —, o STM abria espaço para as teses da defesa. "Não era um instrumento do regime para condenar, salvo em casos de sequestros, roubo a banco com morte. Quando não havia crimes contra a pessoa, era possível absolver. Nas auditorias, a influência do regime era muito maior do que no STM, onde os juízes estavam mais distantes da caserna, e mais influenciados pelos juízes togados que lá estavam", diz.
Mesmo após a inauguração, em 1960, de Brasília, para onde foram transferidos todos os demais tribunais superiores, o STM funcionaria no Rio de Janeiro até 1973. "Por isso, a advocacia aqui foi tão importante. Recebíamos processos de colegas de todo o país", conta Técio Lins e Silva. Ele corrobora a tese de que, até 1968, o STM concedeu muitos Habeas Corpus. "Tanto que, naquele ano, o AI-5 tirou do tribunal essa competência. Eram os oficiais generais, comandantes militares do golpe, um deles o próprio [Ernesto] Geisel, que concediam esses Habeas Corpus. Não temiam o poder, pois eram parte dele. Podiam dar-se ao luxo de julgar e conceder qualquer coisa, o que não acontecia na Justiça comum", observa.
O golpe na democracia e a OAB
Apesar da grande demanda por defesa de presos desde os primeiros dias do regime, Fernando Coelho conta que as "reações isoladas de muitos advogados, que desde abril de 1964 se opuseram publicamente ao golpe, não contaram com o apoio nem refletiram o pensamento oficial da corporação". No artigo Memória, opinião e cultura política – A Ordem dos Advogados do Brasil sob a ditadura (1964-1974), a historiadora e pesquisadora do Núcleo de Estudos Contemporâneos da Universidade Federal Fluminense (NEC-UFF) Denise Rollemberg relata que, no dia 7 de abril de 1964, o Conselho Federal da OAB fez a primeira reunião após o golpe. "A euforia transborda das páginas da ata do encontro. A euforia da vitória, de estar ao lado das forças justas, vencedoras. A euforia do alívio. Alívio de salvar a nação dos inimigos, do abismo, do mal", descreve.
Para Coelho, isso aconteceu pois, assim como parte da sociedade civil brasileira na época, a "cúpula da Ordem" enxergava os últimos momentos do governo Jango "no mínimo como temerários, se não como preparatórios de um golpe de Estado". Como em outros setores, temia-se pelo "funcionamento normal das instituições e pela preservação da ordem jurídica".
Esse temor teria levado alguns grupos a acreditarem que o golpe de 1964 seria um caminho para garantir a democracia.
O professor e doutorando em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Paulo César Gomes afirma que entidades da sociedade civil como a OAB, a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) se posicionaram em relação ao golpe de forma ambígua. "Durante o governo de João Goulart, por conta da efervescência dos movimentos populares, a OAB se portou como defensora da Constituição e do Estado de Direito. A possibilidade de reforma agrária, por exemplo, era vista como um atentado ao direito fundamental da propriedade".
Assim, o golpe foi interpretado como a salvação da democracia contra a subversão e o "perigo comunista", esclarece Gomes. Ele ressalta que "a ditadura militar que se seguiria não estava inscrita no golpe", e acrescenta que posteriormente as entidades tentaram se diferenciar do regime buscando "construir uma memória institucional de resistência democrática", e fizeram parte de "um grande movimento de oposição ao regime que tomaria corpo mais tarde".
Segundo Gomes, "após o AI-2, em 1965, alguns membros da OAB, como Sobral Pinto, começaram a emitir críticas isoladas com relação às diretrizes do regime". Em protesto individual, Sobral leu no plenário do Conselho Federal um manifesto, que enviou também por telegrama ao então presidente Costa e Silva, no qual dizia: "Não posso e não quero ouvir silenciosamente sua inacreditável afirmação que só saudosos da corrupção e da subversão ousarão dizer, por má fé ou irresponsabilidade, que estamos em ditadura, não existindo entre nós um só preso político. […] Informo, então, Vossência existem, nos cárceres, numerosos presos políticos […] Este é regime vigora Brasil atual. Seu nome no dicionário político-universal é ditadura. Desafio prove o contrário".
O professor indica que em 1967, quando Samuel Vital Duarte passou a dirigir a Ordem, "as questões que vinham sendo levantadas por Sobral Pinto começaram a ganhar força internamente. A necessidade da instauração do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), do Ministério da Justiça, por exemplo, uma reivindicação de Sobral, transformou-se em uma das discussões centrais da entidade, mas só viria a ser concretizada em outubro de 1968", diz.
Porém, com o AI-5, os avanços, ainda que pequenos, desaparecem. O silêncio da Ordem não foi uma postura isolada, já que se iniciava ali a fase mais dura do regime. "Foi a partir desse dispositivo que se consolidou a chamada comunidade de segurança e informações, responsável pelas práticas da tortura e da espionagem. Contudo, a outorga do ato não significou uma mudança da posição oficial com relação ao regime. Nem mesmo as prisões de advogados, que começaram a ocorrer logo após o golpe, mobilizaram a Ordem de imediato", conta Gomes.
O primeiro sinal mais claro de uma mudança real de posicionamento aparece no VI Encontro da Diretoria do Conselho Federal, em Curitiba, entre 31 de maio e 2 de junho de 1972, que produziu a Declaração de Curitiba. Para Denise Rollemberg, o documento consolidou a posição da entidade na luta pela redemocratização, pois defendia "o restabelecimento das garantias do Judiciário e da plenitude do Habeas Corpus"; a "harmonia entre a segurança do Estado e os direitos do indivíduo, na conformidade dos princípios superiores da Justiça"; o "livre exercício da atividade profissional do advogado", o "respeito à pessoa humana" e aos "princípios da Declaração Universal dos Direitos do Homem".
Na opinião de Fernando Coelho, com a Declaração de Curitiba, a "OAB passou a ser nacionalmente, para a sociedade civil, o principal ponto de referência pela redemocratização do país". Assim como outras entidades, a Ordem desempenharia, a partir de meados da década de 1970, papel fundamental para o processo da redemocratização.
"A denúncia da repressão, das prisões ilegais, a defesa de presos e a busca de apoio internacional para pressionar o governo brasileiro foram algumas das estratégias utilizadas para fomentar a volta das estruturas democráticas. Desta forma, não é exagero afirmar que OAB, a ABI [Associação Brasileira de Imprensa] e a CNBB [Conferência Nacional dos Bispos do Brasil], a partir de determinado momento, funcionaram como pilares da resistência democrática", pondera Paulo César Gomes.
A atuação dos advogados
O papel da advocacia na luta contra a ditadura não se resume ao posicionamento institucional da OAB. A atuação dos advogados de presos políticos foi, sem dúvida, fator essencial para garantir minimamente a liberdade, a integridade física e até mesmo a vida de muitas pessoas. São personagens, notáveis e anônimos, que marcam de forma definitiva a história da luta pela redemocratização. Nomes como Sobral Pinto e Heleno Fragoso, apenas para citar os mais famosos, se uniram a outros tantos para formar o que Modesto da Silveira chama, emocionado, de "um grande escritório da dignidade humana". Uma advocacia que tinha muitas peculiaridades — era comum, por exemplo, não se cobrarem honorários dos familiares das vítimas. "Quase sempre eram pessoas humildes ou de classe média, trabalhadores ou lideranças sindicais. Com eles presos, a família perdia a fonte de renda. Era uma questão ética não falar em honorários nesses casos, poucos falavam", lembra Modesto da Silveira.
"Ninguém cobrava", endossa Marcelo Cerqueira. "Tínhamos entre nós, advogados, uma caixinha, que auxiliava alguns colegas quando necessário. Às vezes se pagavam viagens, pois defendíamos presos de praticamente todo o Brasil", completa. Segundo Cerqueira, "não houve outro advogado mais dedicado à defesa de presos políticos do que Modesto".
De fato, Modesto desponta com um dos mais importantes defensores das liberdades democráticas, não apenas pela defesa de sindicalistas e estudantes, mas também de colegas encarcerados pelo exercício da profissão. "Em pouco tempo, havia mais advogados presos que colegas advogando. Eu mesmo advoguei para mais de 20 deles. Aconselhei a todos que viessem à Ordem para mostrar as torturas que estavam acontecendo", revela Modesto.
Ele recorda que, com a suspensão do Habeas Corpus, o clima político tornou-se mais pesado. "Logo após o AI-5, Sobral Pinto, um símbolo da nossa luta, foi sequestrado. Ele era um líder católico que nada tinha de socialista, era um homem que procurava a lei e a justiça. Em seguida foram sequestrados outros líderes da advocacia, todos humanistas ou progressistas. Eu mesmo fui levado. Como éramos conhecidos e procurados por instituições internacionais, não ousaram nos torturar fisicamente, apenas psicologicamente. Mas com muita crueldade".
Após o AI-5, o respeito às regras jurídicas se reduz, e a repressão aumenta em proporção inversa. Com as pessoas simplesmente desaparecendo, muitas vezes os colegas precisavam lutar, antes de mais nada, para encontrar seus clientes. "Os advogados eram o único contato da família com o preso ou desaparecido. Parece paradoxal, mas quando alguém ia a julgamento, já era uma vitória. Quando o preso ia para a auditoria, geralmente era porque havia acabado a tortura. O que poderia acontecer a um militante preso era ser torturado, morto ou responder a um processo. Veja que coisa terrível, quando ele ia para a auditoria, era um alívio para nós e para a família", declara Cerqueira.
A habilidade dos advogados, segundo todos os relatos, foi fator essencial para que mais vidas pudessem ser salvas. Para Técio Lins e Silva, devido ao volume de processos, a jurisprudência criada no Rio de Janeiro acabou por dar o tom da advocacia nos tribunais militares. "Após 1968, como não havia Habeas Corpus, comunicávamos a prisão ilegal ao presidente do tribunal em uma petição que não tinha o nome de Habeas Corpus, porque senão o protocolo não recebia. Era um Habeas Corpus sem nome, em que se comunicava a arbitrariedade, o nome do preso. A formação legalista dos militares os obrigava a oficiar os responsáveis, solicitar informações. Vinha a resposta, dizendo que a pessoa estava presa sim, que era um subversivo perigoso, e como não existia habeas corpus o pedido era indeferido. Mas o sujeito estava salvo, porque era identificado como preso, e não podia mais desaparecer. A própria tortura diminuía, porque o preso não poderia morrer, o regime tinha reconhecido que ele estava oficialmente preso", explica Técio, que entre 1964 e 1967, acompanhou o pai, Raul Lins e Silva, como solicitador acadêmico (atual estagiário).
"Entrei na Faculdade Nacional de Direito em 1964, e logo o Centro Acadêmico Cândido de Oliveira (Caco) foi fechado e os diretores processados e denunciados pela LSN. Elegemos outra diretoria, da qual eu fazia parte, e em 1965, o Caco foi fechado definitivamente para só reabrir muitos anos depois", conta Técio. A formatura, marcada para dezembro de 1968, nunca aconteceu. "Os militares cercaram o Theatro Municipal e a dissolveram", diz ele, que após a morte do pai, Raul, em maio de 1968, já havia assumido o escritório — e as causas de presos políticos, alguns seus ex-colegas de faculdade.
Confirmando a solidariedade mútua citada por Modesto, Técio revela que o trabalho coletivo foi essencial. "Tínhamos muita afinidade, mas cada um no seu estilo. Os julgamentos eram coletivos, e o juiz aceitava a ordem de fala que queríamos. Havia o professor, como o Heleno Fragoso; o mais enfático, como o Antonio Evaristo de Moraes Filho; outro que tinha a habilidade de descontrair, como o Marcelo Cerqueira. Cada um prestava um serviço extraordinário naquele contexto. E o final tinha que ser épico, dramático, porque os julgadores eram, na maioria, leigos. O Evaristo, grande orador, tinha uma voz potente e costumava encerrar as falas. Eu, jovem em meio a mestres, senti ter atingido outro patamar quando fui escolhido para encerrar", conta Técio, para em seguida relembrar que, dentre todos, o escolhido para abrir as sustentações era sempre Heleno Fragoso. "Ele era um expositor fantástico e um professor magnífico. Abria a sessão dando uma aula jurídica sobre o caso. A tecnicalidade doutrinária era dada por ele, e nós ficávamos com o aspecto pessoal de cada cliente", revela.
Para Marcelo Cerqueira, a advocacia de presos políticos teve dois momentos: antes e depois da entrada de Fragoso. "Ele veio para a advocacia política porque era advogado do Ênio Silveira [dono da editora Civilização Brasileira]. Fragoso era um professor, não era como nós, advogados comuns. Trouxe uma visão intelectualizada da LSN. Tenho a impressão de que chegou a influenciar a jurisprudência no STM. Até então, a liderança cabia sempre à fama de desabusado do doutor Sobral.", cita.
Segundo Fernando Fragoso, se até os anos 1960 se destacam na advocacia criminal "aqueles bons na sustentação oral, que se destacam nos júris", após a entrada de seu pai na defesa de presos políticos, há uma mudança significativa. "Tanto que a advocacia empresarial criminal era feita pelos advogados cíveis, que não confiavam na qualidade técnica dos criminalistas. Heleno emprestou à advocacia penal uma qualidade técnica que faltava aos colegas da área", observa ele, que começou a estagiar no escritório do pai em 1967, formando-se em 1973. Segundo Fernando, o pai sempre encerrava os discursos com uma reflexão filosófica sobre o Direito, questionando o regime a partir das noções clássicas de democracia.
Na trincheira da democracia
A crise do início dos anos 1970 anula os efeitos do "milagre econômico" e eleva os índices de inflação a patamares exorbitantes. Em 1974, o general Ernesto Geisel assume a presidência, dando início ao processo de abertura política. "A ditadura acaba ali. Com a crise na economia, acaba a aliança empresarial, industrial e militar que sustentava o regime. Tem início a abertura", diz Cerqueira. Nesse momento, a OAB se destaca como uma das principais interlocutoras da sociedade civil no processo de distensão do regime e de redemocratização. Principalmente após a edição do "pacote de abril", em 1977, a entidade se coloca, de maneira definitiva e incontestável, na trincheira da luta pelo retorno das liberdades.
"Tudo foi negociado, desde a anistia até a abertura. E nesse ponto, entra em campo Raymundo Faoro. A Ordem era a única negociadora dessa abertura por parte da sociedade civil. Era o reino do Faoro, com sua coragem e autoridade moral. Ele era um intelectual ilustrado, conhecia profundamente Direito Civil. A Ordem assumiu o protagonismo da transição, e esse protagonismo tem nome: Faoro", diz Marcelo Cerqueira.
Técio Lins e Silva concorda que Faoro, que presidiu a OAB entre 1977 e 1979, teve papel vital na negociação da abertura política. "Mais que um advogado, era um pensador, um intelectual de respeito. Foi quem teve a famosa conversa com o Geisel, na qual ficou claro que a volta do habeas corpus era a condição para o retorno do diálogo entre o regime e a sociedade civil. A Conferência Nacional dos Advogados em Curitiba, em 1978, também foi um marco", lembra.
O diálogo citado entre o presidente militar e o presidente da Ordem dos Advogados ilustra, além da coragem de Faoro, a importância da entidade e da advocacia como um todo no enfrentamento dos últimos resquícios de autoritarismo. Perguntado por Geisel sobre o que queria do governo, Faoro respondeu que "muito pouco, apenas a restauração do habeas corpus, a extinção dos atos institucionais e o fim das torturas nos desvãos do DOI-Codi, quanto mais não seja para que Vossa Excelência não entre para a história como um ditador sanguinário, mas sim como o presidente da abertura".
Em 1979, foi sancionada a Lei de Anistia. A "linha dura" dos militares, cuja intenção era impedir a abertura, iniciou uma série de atentados terroristas contra as forças que apoiavam a redemocratização. Em 1980, uma bomba explodiu na sede da Ordem, no Rio de Janeiro, matando dona Lyda Monteiro, secretária do presidente Eduardo Seabra Fagundes. Mas a abertura "lenta, gradual e segura" continuou.
Apesar da derrota da emenda Dante de Oliveira no Congresso, em 1984 — que levaria ao adiamento da primeira eleição presidencial direta para 1989 —, e mesmo após a eleição indireta de Tancredo Neves — cujo falecimento antes da posse levou à presidência o vice, José Sarney, que havia presidido a Arena, partido do regime —, estava claro que a ditadura chegava ao fim.
O papel da advocacia na redemocratização poderia ser simbolizado por Sobral Pinto, que no comício de abril de 1984 — o maior não apenas da campanha pelas eleições diretas, mas da história do país — arrancou, em um discurso histórico, aplausos emocionados da multidão que lotava o entorno da Igreja da Candelária: "Nós queremos que se restaure no Brasil o preceito do artigo 1º parágrafo 1º da Constituição Federal: ‘Todo poder emana do povo e em seu nome deve ser exercido’. Com informações da Assessoria de Imprensa da OAB-RJ.
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