Planejamento municipal precisa ser levado a sério
24 de setembro de 2013, 8h00
Trata-se de documento de fundamental importância não só para a administração pública, mas também para toda a sociedade, para os demais entes federados, o setor privado, ao terceiro setor, enfim, a todos e a cada um de nós. Todos os cidadãos dependem, de alguma forma, em algum momento, das informações sobre o que os municípios pretendem fazer nos próximos anos, para que possam tomar suas próprias decisões.
Infelizmente, observa-se que não se tem dado a devida atenção ao tema, e este importante momento pode eventualmente até passar despercebido do público e não merecer a atenção da mídia. Até porque a apresentação da proposta de plano plurianual coincidirá com a apresentação da própria proposta de lei orçamentária anual do município para o ano de 2014, não só de São Paulo, como da grande maioria dos municípios do país, e será simultânea à apresentação da proposta de lei orçamentária dos Estados. Com todos esses documentos surgindo no mesmo dia, e referindo-se as propostas de lei orçamentária anual a questões voltadas ao curto prazo, não é de se estranhar que se sobreponham, em termos de interesse do público, às diretrizes de médio prazo contidas nos planos plurianuais.
O planejamento governamental no Brasil é constituído por um sistema complexo, e tem no PPA seu principal instrumento jurídico, como já exposto em detalhes na coluna anterior à qual já me referi. Não é o único, uma vez que as demais leis orçamentárias, como a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a própria Lei Orçamentária Anual (LOA) compõem esse sistema, que abrange também muitas outras leis importantes, especialmente aquelas destinados a setores específicos da ação governamental, como é o caso do Plano Nacional de Educação.
Embora não se possa conceber atualmente a gestão de administrações públicas complexas, como é o caso dos entes que compõem nossa federação — União, Estados, Distrito Federal e municípios —, e de órgãos e instituições públicas que os integram, como o Poder Judiciário, Ministério Público, Universidades Públicas e tantos outros, sem um sistema de planejamento governamental bem elaborado e executado, parece que esta cultura ainda não está plenamente consolidada entre nós.
Vê-se que técnicas de planejamento e orçamento que começaram a surgir há um século, voltadas a buscar maior eficiência na administração pública, com orçamentos elaborados por programas, contabilizando-se as despesas de forma a buscar resultados, medindo e avaliando desempenho, incorporaram-se à administração pública apenas formalmente. Definições de estratégias, materializando-as nos instrumentos de planejamento governamental, com o estabelecimento de objetivos e metas de curto, médio e por vezes até longo prazo, parecem ficar apenas no papel e na boa intenção daqueles que elaboram os documentos, pois, na prática, nem sempre são executados, nem fiscalizados com o devido rigor, mitigando a credibilidade que deveriam merecer.
Planos plurianuais municipais, especialmente de municípios menores, são elaborados com base em modelos que se repetem ano a ano, sem uma efetiva preocupação dos prefeitos de nele incorporarem as previsões para o que se vai fazer no decorrer do mandato. Mudam-se os prefeitos, alternando-se o partido e a ideologia de quem governa, com o povo esperançoso de mudanças, mas da leitura do PPA pouco ou nada se consegue constatar, deixando transparecer que nada vai se alterar.
Nota-se descaso com a cooperação federativa no planejamento, como se pode verificar na área de educação, em que o próprio governo federal ainda não aprovou o Plano Nacional de Educação, já se tendo esgotado há anos a vigência do anterior, como mencionado em outra coluna (Nem só com royalties se melhora a qualidade da educação, publicada em 30 de julho de 2013). E muitos municípios, que deveriam elaborar os Planos Municipais de Educação, para completar sistema de o planejamento neste setor fundamental para o desenvolvimento econômico e social do país, permanecem inertes. Segundo dados recentes do IBGE, 259 municípios paulistas ainda não elaboraram os respectivos planos, e no Brasil são 2181 municípios[2]. Outras áreas, como saúde, apresentam distorções da mesma natureza. E não esqueçamos que a população foi às ruas recentemente exigindo melhorias nestes setores.
Um bom planejamento, dotado de clareza e transparência, é imprescindível para uma gestão eficiente e uso proveitoso dos recursos públicos. Planejar é escolher prioridades, ainda que essas escolhas sejam difíceis, e importem em deixar de lado muitas ações importantes — afinal, é para isto que os governantes são eleitos, esse é seguramente o maior ônus que pesa sobre seus ombros. Mas esta clareza e transparência nem sempre interessa aos que estão no alto comando da administração pública, que hesitam em desagradar a quem quer que seja, preferindo a opção política de, ainda que aparentemente, atender a todos, sem deixar claras as prioridades, até para não tornar transparente o que e quem não foi contemplado.
Daí porque muitas vezes nos deparamos com planos plurianuais genéricos, excessivamente abrangentes, incluindo praticamente tudo e para todos, deixando para a fase de execução, de forma opaca, a efetiva escolha do que vai ou não ser feito, tornando inúteis os instrumentos de planejamento para os fins a que se destinam. Muitas vezes elaborados sem estudos e análises prévias sobre a realidade do município e seus problemas, transformam-se em documentos que não apontam as soluções adequadas e os meios para resolvê-los. Mais do que isso, deixam a critério do governante decidir ao sabor dos acontecimentos, tomando decisões aleatoriamente, para resolver problemas imediatos, de forma descoordenada e sem critérios, o que só tende a agravar as distorções da administração pública no médio e longo prazo.
Governar um município sem um plano plurianual sério, bem elaborado, precedido de estudos de cenários internos e externos, com escolhas criteriosas e democráticas de prioridades, fixando estratégias claras e bem definidas, é como comandar um transatlântico no meio do oceano sem mapa, instrumentos de navegação e, principalmente, sem saber o porto de destino. Pouco importa cuidar da adequada limpeza, funcionamento da cozinha, da casa de máquinas e tudo o mais que é necessário, se o navio está verdadeiramente à deriva, pois o comandante sequer sabe para onde vai. “Navegar é preciso”, já diziam os navegadores antigos, na frase imortalizada por Fernando Pessoa em seu poema. Mas é fundamental que se saiba a direção a seguir. Afinal – e aqui ousamos discordar do poeta e dos navegadores – viver também é preciso. E viver bem, com dignidade, sem pobreza e desigualdades, como diz nossa Constituição.
“Deixa a vida me levar (vida leva eu!)”, diz a nossa música popular. É um belo refrão, e é muito agradável ouvi-la cantada por Zeca Pagodinho. Ajusta-se com perfeição às folgas de final de semana, alegra um dia de sol, com churrasco e cerveja, de bermuda e chinelos. Pode até ser um lema de vida. Mas não cai bem na caneta dos burocratas, com seus ternos e gravatas, durante a semana. Não é um lema a ser seguido pela administração pública. Essa precisa é de um bom planejamento, que se faz com seriedade, estudos criteriosos, programas bem construídos, resultados e metas ambiciosos, porém factíveis, para concretizar políticas públicas que vão conduzir aos objetivos fundamentais desejados pela sociedade e explicitados na Constituição.
Que nossos prefeitos não nos deixem à deriva. Vamos levar a vida na direção que nós queremos!
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