Direito de arena não vale para árbitro de futebol
6 de outubro de 2013, 12h57
Não se pode duvidar da importância do árbitro para uma partida de futebol. Interpretações equivocadas, aplicação rigorosa ou complacente da regra, enfim, variadas circunstâncias influenciam o resultado de uma competição, a demonstrar a importância de uma arbitragem qualificada, nada obstante a frequente utilização da tecnologia no esporte, como, por exemplo, o “desafio” no tênis, que possibilita que a jogada seja revista no intuito de se assegurar o acerto da marcação. É bem verdade que no futebol a utilização da tecnologia ainda é um tabu, mas que certamente se fará presente, em futuro breve.
Em muitas ocasiões a arbitragem é decisiva para o resultado da competição, razão pela qual a exigência que recai sobre o árbitro é enorme. Trata-se de um partícipe do evento desportivo, cuja função é a de assegurar a regularidade da competição, pois sua meta é a de garantir o cumprimento das regras técnicas e disciplinares da modalidade.
Por esta razão é o que Estatuto do Torcedor (Lei n.º 12.299/2010) é categórico ao afirmar em seu artigo 30 que “É direito do torcedor que a arbitragem das competições desportivas seja independente, imparcial, previamente remunerada e isenta de pressões.”.
Nota-se, portanto, que a atividade do árbitro é precedida de inúmeras exigências, que englobam aspectos morais, intelectuais, físicos, dentre outros.
Em Portugal a Lei 50/2007 define o árbitro desportivo como sendo quem, a qualquer título, principal ou auxiliar, aprecia, julga, decide, observa ou avalia a aplicação das regras técnicas e disciplinares próprias da modalidade desportiva. Todavia, conforme contundente afirmação de Nuno Barbosa[1], essa definição não seria adequada na medida em que o árbitro tem que estar habilitado pela federação para exercer o seu ofício e este credenciamento é certificado por um órgão federativo designado conselho de arbitragem, o que revela que não basta a simples intenção de se exercer a função.
Assim como outras atividades tão importantes quanto a do árbitro de futebol, a profissionalização e a regulamentação da profissão, a partir de um estatuto próprio, são fundamentais para o regular funcionamento das partidas e das competições, devendo ser lembrado que trata-se de uma atividade específica onde não existe vínculo empregatício (conforme farta jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho), mas sim uma prestação de serviços.
Os requisitos dos arts. 2º e 3º da CLT estão ausentes para a configuração do vínculo de emprego entre o árbitro e a federação de futebol, sendo que os direitos do árbitro de futebol se restringem ao pagamento da remuneração em relação a cada jogo que participar[2].
O Projeto de Lei n.º 6.405/02 até tentou assegurar a relação de emprego ao árbitro, mas diante da incompatibilidade do vínculo com a atividade desempenhada, não empolgou a discussão.
Com efeito, não existe a subordinação do árbitro de futebol com os clubes e nem com as entidades de administração do desporto, tendo em vista a inexistência do poder disciplinar (é até salutar que assim permaneça). Outrossim, as penalidades impostas pelos Tribunais de Justiça Desportiva decorrem de infração às regras do futebol, enumeradas no Código Brasileiro de Justiça Desportiva[3].
O maior beneficiário da profissionalização da atividade do árbitro é o consumidor, devidamente amparado pelo Estatuto do Torcedor, que poderá se assegurar da lisura da arbitragem e da adoção de critérios técnicos que serão ministrados em escolas de arbitragem.
Breves considerações acerca do direito de arena
Não há como se falar do direito de arena sem deixar de mencionar o direito de imagem, pois este é gênero e está diretamente associado ao direito da personalidade, tendo em vista que a imagem, juntamente com o nome, a honra, a liberdade, a privacidade e o corpo, é um dos direitos da personalidade, que visam à proteção do ser humano e das origens de seu próprio espírito.
Celso Ribeiro Bastos[4] conceitua o direito de imagem como sendo “o direito de ninguém ver o seu retrato exposto em público sem o seu consentimento.”
Na definição de Maria Cecília Naréssi Munhoz Affornalli[5], o Direito da Personalidade visa conferir proteção ao ser humano naquilo que lhe é próprio e também às suas emanações e projeções para o mundo exterior, sendo o Direito à Imagem, um direito da personalidade, sendo classificado como um direito essencial, absoluto, oponível erga omnes, geral, irrenunciável, imprescritível, inexpropriável, impenhorável.
Porém, o direito de imagem possui uma característica peculiar que o difere dos demais direitos da personalidade que é o conteúdo patrimonial, passível de exploração econômica.
Desta forma, o árbitro de futebol, em tese, pode ter a sua imagem passível de exploração eis que o instituto está assegurado na Constituição Federal em seu art. 5º, inciso XXVIII e no art. 20 do Código Civil Brasileiro também ampara o direito à imagem da pessoa.
O Direito de Arena teve sua origem na lei de Direitos Autorais e é uma espécie de direito de imagem (e neste está compreendido), consistindo na veiculação da imagem do atleta enquanto participante do espetáculo em jogos televisionados. É decorrente da participação do profissional de futebol em jogos e eventos desportivos e está diretamente relacionado com a prestação do trabalho do atleta no período em que está em campo, se apresentando na “arena”[6] e não apenas ao uso de sua imagem.
Pela divulgação de sua imagem na “arena”, os atletas integrantes do espetáculo, têm o direito de participar do rateio extraído do percentual que, por imperativo legal, lhe é devido.
O instituto é definido por De Plácido e Silva[7] como “a faculdade da entidade a que estiver vinculado o atleta de autorizar ou proibir a fixação, transmissão ou retransmissão de espetáculo desportivo público, com entrada paga.”
Por outro lado, o direito de arena limita-se a fixação, transmissão e retransmissão do espetáculo desportivo, mas não compreende o uso da imagem dos jogadores fora da situação específica do espetáculo.
A atual redação do art. 42 da Lei 9.615/98, modificada pela Lei n.º 12.395/2011, assim disciplina o instituto, sendo que o art. 46 do Decreto n.º 7.984, de 8 de abril de 2013 estabelece que “para fins do disposto no § 1º do art. 42 da Lei nº 9.615, de 1998, a respeito do direito de arena, o percentual de cinco por cento devido aos atletas profissionais será repassado pela emissora detentora dos direitos de transmissão diretamente às entidades sindicais de âmbito nacional da modalidade, regularmente constituídas.”, sendo que “o repasse pela entidade sindical aos atletas profissionais participantes do espetáculo deverá ocorrer no prazo de 60 dias.”
Portanto, esses são os entendimentos doutrinários acerca do direito de arena, bem como os dispositivos legais que tratam do instituto.
Razões pelas quais os árbitros não fazem jus ao direito de arena
A previsão constitucional assegura a proteção à imagem de todo e qualquer cidadão sem distinção, razão pela qual a imagem do árbitro poderá ser objeto de exploração financeira, mediante celebração de contrato de cessão para este fim, que poderá ser avençado entre o próprio árbitro (ou empresa por ele constituída) e empresa que pretenda veicular a imagem do contratado para fins de propaganda.
Em que pese o fato do árbitro ser essencial para a partida, tal situação não lhe assegura o direito de receber valor referente ao direito de arena, na medida em que este, conforme definição legal, é assegurado exclusivamente aos atletas, conforme firme previsão do parágrafo primeiro do art. 42 da Lei Pelé que apresenta como destinatários, exclusivamente, atletas profissionais participantes do espetáculo.
Apesar da indispensabilidade de ostentar considerado preparo físico, o árbitro não pode ser equiparado ao atleta para fins de recebimento da parcela em comento.
E nem se argumente que sem a sua presença a partida de futebol sequer tem início, pois na hipótese de não haver policiamento, por exemplo, a partida também não será iniciada e tal fato não assegura o recebimento do direito de arena por parte dos policiais que, assim como os árbitros, são indispensáveis à realização do espetáculo e também terão suas imagens televisionadas durante o evento desportivo.[8]
De igual sorte, com muita frequência, os torcedores que comparecem aos estádios e lotam as arquibancadas para ver o espetáculo, costumam ter suas imagens captadas pelas câmeras, geralmente segurando cartazes ou fazendo gestos para chamar a atenção da imprensa.
Ao citar Santos Cifuentes, o advogado Felipe Legrazie Ezabella[9] diz que há limitação ao direito de imagem, podendo ser captada e divulgada, quando se trata de fatos ou acontecimentos públicos que ocorreram em público, como tumultos, inaugurações de monumentos, desfiles militares, cortejos fúnebres de homens célebres, dentre outros. Assim, a partida de futebol que é divulgada em toda a mídia para atrair público pode e deve ser considerada como um evento destinado ao público.
Nesta hipótese, também estamos diante de divulgação de imagem durante a partida, mas que por razões óbvias não asseguram ao torcedor o direito de receber o direito de arena, pois repita-se, trata-se de verba devida exclusivamente ao atleta profissional que participou do espetáculo.
Apoiado na doutrina e na prática desportiva, afirma Ezabella[10] que o técnico, o massagista e o preparador físico “não são aptos a receberem participação no valor a ser partilhado do direito de arena, bem como suas aparições nos meios audiovisuais decorrem de suas atividades laborais.”
Segundo Sérgio Ventura Engelberg[11], o direito de arena “garante ao atleta participante do espetáculo ou evento esportivo um percentual dos valores obtidos pela entidade esportiva com a venda da transmissão dos jogos em que o atleta efetivamente participa.”
É interessante destacar que o projeto original da Lei de Direitos Autorais de 1973 assegurava a prerrogativa “aos outros participantes figurantes do espetáculo e técnicos” da participação na importância recebida a ser dividida proporcionalmente na forma que fosse determinada pelo Conselho Nacional de Desportos. Caso esta previsão tivesse prevalecido, poderia sim se defender a garantia do direito de arena aos árbitros. Porém, não é esta a previsão legal vigente em nosso ordenamento jurídico.
Um dos primeiros defensores da tese de que o árbitro fazia jus ao direito de arena foi o ilustre jurista Antônio Chaves que afirmava ser uma grande injustiça não conceder esta rubrica ao árbitro de futebol, pois nem mesmo o vínculo de emprego lhe era assegurado (entendimento que prevalece até os dias atuais), sendo que o direito de arena seria devido não apenas aos desportistas profissionais, mas deveria amparar todos aqueles que atuam em um espetáculo, exteriorizando suas particularidades e habilidades, cujo valor econômico teriam o direito de reivindicar quando suas atuações fossem exploradas economicamente[12].
Além disso, mencionava o autor, que, algumas vezes, os árbitros se apresentavam com performance mais espetacular do que a grande maioria dos atletas participantes do espetáculo, fato este que os consagravam como verdadeiros artistas em suas especialidades.
De fato, no Brasil, já houve um folclórico árbitro que, em razão de seus trejeitos no momento de apitar uma falta ou aplicar um cartão à um jogador, se comportava como um artista.
Porém, nada obstante o aspecto social levantado pelo festejado jurista, na medida em que a previsão legal contempla de forma específica quem são os beneficiários da parcela referente ao direito de arena, não há respaldo jurídico para se defender o pagamento da referida rubrica aos árbitros de futebol, mesmo levando-se em consideração o importante papel desempenhado por este profissional que tem o condão de influenciar no resultado das partidas.
Entendimento contrário poderia, inclusive, provocar situações prejudiciais aos campeonatos e competições, pois a sabedoria popular diz que o bom árbitro é aquele que não “aparece”.
Portanto, são dois os requisitos enumerados na legislação que asseguram o pagamento do direito de arena: (i) ser atleta profissional e (ii) ter participado do espetáculo.
Essa não é uma questão nova, devendo ser ressaltado que no ano de 2006 houve uma tentativa de se cobrar o direito de arena para os árbitros, mediante o ajuizamento de ação judicial, cujo desfecho não poderia ser outro, senão a improcedência.
Naquela oportunidade a juíza Kátia Torres, da 30ª Vara Cível do Rio de Janeiro, negou o pedido de indenização do Saferj (Sindicato dos Árbitros Profissionais do Estado do Rio de Janeiro) e do Safesp (Sindicato dos Árbitros do Estado de São Paulo) pelo uso das imagens dos seus árbitros associados, em campeonatos de futebol transmitidos na programação da TV Globo, Globosat, Rádio e TV Record, tendo asseverado que “o árbitro e o assistente que se propõem a atuar em uma partida de futebol já sabem, de antemão, que suas imagens serão exibidas”.
De acordo com o órgão judicante, os sindicatos alegavam que as emissoras obtêm lucros com as transmissões das partidas sem jamais remunerarem os árbitros e que houve utilização das imagens dos seus associados para fins comerciais, nos últimos 20 anos, sem o devido consentimento, razão pela qual os autores daquela ação pediram a condenação das emissoras, caso fossem exibidas transmissões de jogos sem prévio aviso.
A referida magistrada entendeu que não houve violação dos direitos do indivíduo e da própria imagem e, tampouco, intromissões na vida privada dos árbitros, tendo constado na decisão a seguinte assertiva. Verbis: “Sabemos que os eventos esportivos, principalmente de futebol, despertam paixões e atraem os torcedores, criando interesse pelos espetáculos transmitidos pelas redes de televisão. O árbitro e o assistente que se propõem a atuar em uma partida de futebol já sabem, de antemão, que suas imagens serão exibidas”.
Desta forma, é possível se concluir que a divulgação da imagem do árbitro durante a partida de futebol é inerente aos serviços por ele prestados que sequer se revestem dos requisitos inerentes ao vínculo empregatício.
[1] BARBOSA, Nuno – O Estatuto Jurídico do Árbitro no Direito Português, P. 48, In Direito do Desporto Profissional, Coord. AMADO, João Leal e COSTA, Ricardo – Ed. Almedina.
[2] MARTINS, Sérgio Pinto – Direitos Trabalhistas do Atleta Profissional de Futebol – Ed. Atlas – P. 154.
[3] CASTELO, Jorge Pinheiro – Árbitro de Futebol x Relação de Emprego x Profissionalização x Direito de Arena – Revista LTr.77-01/43, janeiro de 2013.
[4] Curso de Direito Constitucional – Saraiva – 1998.
[5] AFFORNALLI, Maria Cecília Naréssi Munhoz – Direito à Própria Imagem – Ed. Juruá – 1ª ed., 5ª reimpressão – 2008 – P. 19
[6] O vocábulo “arena” é de origem latina e significa parte do palco, piso do anfiteatro, coberto de areia, no qual os gladiadores faziam o seu espetáculo, se enfrentando entre si ou contra animais.
[7] SILVA, De Plácido e – Vocabulário Jurídico – 2010 – 28ª Ed. – P. 471
[8] Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD). Art. 267. Deixar de solicitar às autoridades competentes as providências necessárias à segurança individual de atletas e auxiliares ou deixar de interromper a partida, caso venham a faltar essas garantias.
PENA: suspensão de trinta a trezentos e sessenta dias, cumulada ou não com multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 1.000,00 (mil reais).
Estatuto do Torcedor. Art. 31. A entidade detentora do mando do jogo e seus dirigentes deverão convocar agentes públicos de segurança visando a garantia da integridade física do árbitro e de seus auxiliares.
[9] EZABELLA, Felipe Legrazie – O Direito Desportivo e a Imagem do Atleta – Ed. Thomson – P. 112.
[10] Op. Cit. – P.166.
[11] ENGELBERG, Sérgio Ventura – Análise Comparativa dos Direitos à Imagem e Arena dos Atletas Profissionais – Lei Pelé Antiga e Atual – Revista Brasileira de Direito Desportivo – Ano 11 – 21; P. 290
[12] CHAVES, Antônio – Direito de Arena – Julex Livros – 1ª Ed. – 1988. P. 62/63.
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