Justiça Tributária

Imunidades causam prejuízos e podem estimular crimes

Autor

  • Raul Haidar

    é jornalista e advogado tributarista ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

18 de março de 2013, 8h34

Spacca
Continuando a examinar as imunidades previstas no artigo 150 da Constituição Federal sob a ótica da Justiça Tributária, na ordem em que figuram no texto, chegamos à letra “c” do inciso VI, que proíbe instituir impostos sobre

c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;

Cabe, de início, afastar dúvida sobre a natureza jurídica da imunidade. Embora seja ordem da Carta Magna, a imunidade não integra as chamadas cláusulas pétreas, que sequer podem ser discutidas em eventual emenda.

O parágrafo 4º do artigo 61 da CF não admite que se delibere sobre emenda que pretenda abolir a forma federativa de Estado, o voto nas formas ali citadas, a separação dos Poderes e os direitos e garantias individuais. Todavia, não menciona as imunidades. Portanto, é plenamente cabível revogá-las ou emendá-las por Emenda Constitucional, o que aliás  já ocorreu através da EC 42, de 19 de dezembro de 2003. Não há que se falar, pois, em cláusula pétrea.

Os direitos e garantias individuais estão definidos na Carta da República em seus artigos 5º  a 17, divididos em 5 capítulos. No último desses artigos regulam-se os partidos , não se lhes atribuindo direitos ou garantias de imunidade.

Ao contrário, estão eles obrigados a prestar contas à Justiça Eleitoral, assegurados tão somente direitos a receber auxílio do fundo partidário, mas não há garantia de imunidade, objeto apenas e ainda do artigo 150. Recebem recurso, mas não se lhes garante a imunidade.

Qual a razão, portanto de, além de receberem recurso do Tesouro (via Fundo Partidário) , gozarem de imunidade?  Trata-se de benefício que atende à Justiça Tributária? Será que não pode ensejar a prática de crimes?

A primeira coisa a deixar clara: os partidos são indispensáveis à democracia e merecem ser respeitados e beneficiados mesmo com verbas públicas. Mas estas não nascem em árvores ou são encontradas nas grutas do interior de Goiás. Nem nas cavernas do sul de São Paulo.

Verbas públicas saem do bolso do povo, através dos nossos impostos, sendo obtidas com nosso trabalho. Não podem ser entregues a ninguém sem razão muito séria e, quando entregues, devem ser objeto de prestação de contas e rigorosa fiscalização.

Ora, o Brasil ainda ostenta índices internacionais vergonhosos quando se apura a qualidade da nossa educação, da saúde pública e da infraestrutura de que dispomos. Em recente viagem encontrei aeroportos alegadamente internacionais sem bebedouros, capitais de estados sem limpeza decente e muitas outras mazelas que não vão ser eliminadas com os belos discursos de ninguém, nem com os programas apresentados na televisão. Para tudo isso precisa de dinheiro. Se desoneramos alguma coisa, temos que onerar  outras. Simples assim.

Por outro lado, a desoneração de bens de consumo como alimentos, roupas, medicamentos etc. deve ser feita com urgência. Por oportuno, registre-se que o IPI sequer deveria ter sido criado lá no longínquo ano de 1967 (EC 18/1965), pois é um imposto injusto e absolutamente idiota, pois junta-se ao ICM (hoje ICMS) para cobrar mais de quem tem menos, aí incluído o consumidor mais frágil.

Portanto, os partidos políticos não merecem qualquer imunidade sobre suas receitas. Merecem ser tratados como qualquer pessoa jurídica, com apuração regular de seus resultados, apresentação de balanço e demais peças contábeis. Podem, é claro, ser consideradas entidades sem fins lucrativos, mas devem ter sua administração financeira controlada com rigor.

Os membros dos partidos, sejam os simples filiados ou os seus dirigentes, quando entram na vida pública fazem-no pelo declarado amor ao povo e à pátria. Tal amor deve ser suficiente para arcar com o pagamento dos impostos que, regulados conforme a lei complementar e os demais diplomas necessários, fixará as alíquotas pertinentes.

Extinta a imunidade e exercida rigorosa fiscalização sobre entidade, ainda que declarada sem fins lucrativos, as irregularidades já verificadas na administração financeira dos partidos talvez sejam apuradas  mais facilmente, a começar pelo uso criminoso de funcionários públicos que, recebendo do Estado, administram os comitês ou exercem suas supostas funções nos escritórios de vereadores, deputados ou senadores. Pessoas que recebem do Poder Público não podem prestar serviços a  entidades privadas. Isso qualquer estudante sabe que é crime.

De  igual forma há de ser regulamentada a incidência de impostos sobre as entidades sindicais dos trabalhadores , posto que não é justo que o sindicato tenha receitas obtidas de seus representados, a quem defende, protege e traz diversos benefícios, transferindo para toda a sociedade o custo dos impostos que sobre essas atividades pode ser gerado. Nesse campo, aliás, há muitos exemplos de desvios de finalidade.

Há sindicatos com colônias de férias suntuosas, a que os cidadãos comuns não têm acesso. Mas são estes que pagam mais imposto do que deveriam, para cobrir aquele que o sindicato não pagou, preferindo gastar nas festas sindicais, no trio elétrico, na piscina aquecida, na sauna, nos churrascos, enfim, na diversão geral que muitos sindicais promovem. Cadê a Justiça?

Já a imunidade para as instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, é uma aberração jurídica sem tamanho. As instituições de educação privada são hoje um negócio e muito lucrativo. Não se trata de um negócio qualquer, mas um negócio sui generis, havendo mesmo algumas faculdades que não emitem boletos e sempre que possível recebem só em dinheiro, por motivos óbvios.

Além disso, o negocio já virou internacional, com investidores comprando universidades privadas no Brasil por bilhões, da mesma forma como outras empresas compram as nossas fábricas, as redes de varejo, os shoppings etc. Trata-se do domínio absoluto sobre a nossa educação superior, subordinada a interesses estrangeiros, aliadas a bancos, para dominar tudo o que valer a pena num país como o nosso. Para tanto, fingem concorrência inexistente, onde alunos pobres se escravizam e fingem estudar, enquanto professores fingem que ensinam a quem finge lhes pagar. Já há professores ganhando por aula o preço de um sanduíche. 

Finalmente, também não escapam as instituições de assistência social.  Muitas destas fazem um trabalho importante, levando conforto e solidariedade a quem não os possui, seja prestando serviços de medicina de boa qualidade pelo SUS, seja amparando as pessoas portadoras de necessidades especiais, complementando os deveres do Estado.

Todavia, enquanto imunes, muitas confundem os rendimentos da atividade-fim com outros, possibilitando que dirigentes vivam às suas custas, com proventos superiores ao razoável. Nas pessoas jurídicas com fins lucrativos, por exemplo, há fiscalização sobre as despesas, sendo glosadas aquelas que tenham comprovação duvidosa ou desnecessárias aos fins. Por exemplo: uma entidade destinada a amparar pessoas com deficiência visual não pode custear as viagens de seus dirigentes ao exterior, em férias de primeira classe.

Também não pode ser aceita a dedução, na associação, de salários e encargos de pessoas que trabalham na propriedade particular dos seus dirigentes. Também não tem sentido dar a estes carro com motorista, inclusive para levar a família ao passeio.

Não nos move, nesta série de críticas sobre as imunidades, nenhum interesse que não seja o de divulgar os princípios da Justiça Tributária. Justiça , como se sabe, é dar a cada um o que é seu. Isso não vem ocorrendo em nosso país praticamente em nenhum setor de nossa sociedade.

Já estamos no século XXI e não temos mais senhores e vassalos, nobres e plebeus, castas ou níveis sociais. Essa baboseira de classe “média” pode servir para fornecer números que políticos usam para iludir o povo. E quem ainda pensa que alguém é nobre, que trate de estudar um pouco de história. Irá descobrir que tais “nobres” sempre foram a pior parte da espécie humana, em todos os sentidos.

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    é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

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