Senso Incomum

A PEC 37 e a “emepêfobia” ou “que tal uma outra PEC”?

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16 de maio de 2013, 8h00

Spacca
Explicação propedêutica
A coluna de hoje deveria tratar da parte II do “Cego de Paris”, em que desmi(s)tificaria (e ainda o farei) o “princípio” (sic) da verdade real. Mientras tanto, por ter estado na Colômbia en clases naUniversidad Javeriana, tive contato com o sistema acusatório por lá implantado, em que o Ministério Público tem um relevante papel na investigação criminal, com poderes, inclusive, para decretar escutas e condução de testemunhas.

Por isso, uma vez que estão ocorrendo reuniões — no Congresso Nacional — para “aprimorar” (sic) a PEC 37, tenho por obrigação trazer algumas observações sobre a temática. Por isso, peço que os leitores me perdoem por não trazer, hoje, a parte II da coluna do Cego de Paris.

Além disso, a presente coluna também tem o condão de fechar alguns gaps facilmente encontrados nos pareceres dos professores Ives Gandra Martins e José Afonso da Silva, ambos no sentido de que a Constituição do Brasil não autoriza o Ministério Público a investigar (sic). Ao que li, aparece, ali, a ponta do iceberg de uma espécie de “emepêfobia” que se forma no Brasil (não por parte de Gandra e Silva, mas por aí afora…). Surpreende-me, em ambos pareceres, a ausência do tempo e da história. Faltou uma boa dose de Spinosa, Weber e Gadamer, enfim, os efeitos da história sobre todos nós — não é que devessem ser citados tais autores; deviam estar presentes, sim, como vozes silentes). De todo modo, se considerarmos que a dogmática jurídica é cronofóbica e factumfóbica, também esse gap é facilmente compreensível. Estranho os pareceristas não falarem da Alemanha, da Itália, do México e da Colômbia (aliás, como se o Brasil fosse um país autóctone, fechado em si mesmo, nada precisando do que tem sido feito de bom na área da investigação criminal). Estranho também os eminentes pareceristas não falarem de prognoses (aliás, a PEC 37, se aprovada, é inconstitucional exatamente pela ausência de prognose). Aliás, por falar em prognose (razões e motivos para a aprovação da PEC), vale citar o comentário do governador paulista, na Folha de S.Paulo, sobre “o grau de roubalheira e de impunidade” (sic): “O controle é zero. O sujeito fica rico, bilionário… e nada acontece. O povo não sabe de um décimo do que se passa contra ele [o povo]”. Então, pergunto: com a PEC o grau de impunidade baixará? Ora, onde está a prognose? Na Alemanha, a falta de prognose torna inconstitucional uma lei ou emenda à Constituição.

Mas, continuemos. E por partes. O professor Gandra Martins, por exemplo, comete equívocos muito sérios (leia aqui), ao entender, por um lado, que o inquérito policial é um procedimento administrativo abrangido pelo disposto no artigo 5º, inciso LV, da CF (é mesmo? Cabe a pergunta: que tipo de contraditório se estabelece no inquérito policial? A autoridade policial examina, detida e demoradamente, os argumentos das “partes” Ministério Público e investigado antes de elaborar o seu relatório final? Quais seriam os “recursos administrativos” a ele inerentes?); e, por outro, que o Ministério Público, por ser o titular da ação penal (e, portanto, parte autora de uma futura e eventual ação penal), caso exercesse poder investigatório, estaria, na prática, exercendo as figuras de parte e de juiz simultaneamente — o que o Supremo já teria proibido (Gandra infere, erroneamente, essa conclusão de uma decisão na qual se recusou ao MP o poder de quebra do sigilo bancário de investigados). Aliás, este segundo argumento é particularmente curioso. Vou repeti-lo, para deixá-lo bem claro: na leitura de Gandra, o MP é “parte” de um processo administrativo (sic) do qual, segundo entendi, a autoridade policial é o “juiz”, uma “autoridade neutra”, já que “a serviço” (sic) do Poder Judiciário. Assim, como o Supremo já disse que não se pode ser “parte e juiz” ao mesmo tempo…! Pronto. Uma questão de lógica elementar, não? Por mais simpatia pessoal que nutra por Gandra, não é possível aceitar esse “drible hermenêutico” que ele deu na Constituição. Como se dizia antigamente no futebol, o jogador (o argumento) estava off side.

Já o professor José Afonso da Silva, em parecer sobre a questão (leia aqui), assume, em termos hermenêutico-interpretativos, uma posição ora subjetivista, ora essencialista (na filosofia chamaríamos de “objetivismo”). Explico: lendo o seu alentado parecer, constato que ele vai da metafísica clássica à metafísica moderna (da adeaquatio intellectum et rei à adeaquatio rei et intellectum). Assim, acreditando em uma pretensa vontade do legislador (sic), reconstrói o processo constituinte, no qual teria sido derrotada a tese da investigação pelo Ministério Público com a retirada da expressão “supervisionar a investigação criminal” do então artigo 180 do projeto constituinte (algo do tipo “já que o constituinte não quis…”). E, em razão disso, não se poderia defender que o Ministério Público investigasse, uma vez que a “vontade constituinte” teria sido de rechaçá-la. O que seria essa “vontade”, parece impossível de responder. Ao menos hermenêutico-filosoficamente, trata-se de uma impossibilidade. Vontade de quem?

Só que em outra passagem, o professor assume uma visão objetivista (essencialista), ao afirmar que “O que vale não é a intenção do legislador, mas a intencionalidade das normas constitucionais”, que teria se dado “não pela intenção de cada um, mas pela conjugação da vontade constituinte, não da vontade psicologicamente identificada, mas pela vontade culturalmente constituída, porque vontades que agiam em função de valores, por isso mesmo acolhendo uns e recusando outros. Por isso é que a Constituição é um sistema de valores.”

E diz mais. “Percorram-se os incisos em que o art. 129 define as funções institucionais do Ministério Público e lá não se encontra nada que autorize os membros da instituição a proceder a investigação criminal diretamente. O que havia sobre isso foi rejeitado, como ficou demonstrado na construção da instituição durante o processo constituinte e não há como restabelecer por via de interpretação o que foi rejeitado.”

Defende, assim, a interdição do discurso por meio de uma pretensa cogência do que foi discutido e rejeitado durante a constituinte. Pergunto-me, então: como manter o mesmo argumento, paradoxalmente, se o referido parecerista defendeu a tese da constitucionalidade da união homoafetiva (sob o argumento de que não deveria haver discriminação) que, igualmente, foi objeto de proposta rejeitada durante o processo constituinte?[1] O argumento vale (só) quando interessa? Sinto o cheiro, aí, de teses como a "Invisible Constitution" (Tribe) ou algo do tipo "Unwritten Constitution" (Akhil).

Ademais, sob o argumento de que possuiríamos um modelo próprio e único de investigação criminal (obviamente centralizado na exclusividade [sic] da polícia judiciária) e, por isso, a doutrina estrangeira não seria aplicável, José Afonso da Silva tangencia uma questão incontornável: como, dentro da tradição ocidental da qual fazemos parte, sustentar esse pretenso modelo? Isto é, por que a exclusividade da investigação pela polícia melhor se adequaria às nossas realidades social, política, jurídica e econômica? Pergunto: por que nos igualarmos apenas ao Quênia, Indonésia e Uganda?

Portanto, o texto de hoje é propositivo. Alguém dirá: mas o professor Lenio é do Ministério Público, sendo, portanto, suspeito. Pois é. Mas os professores Gandra e Afonso da Silva também o são, já que emitiram pareceres no plano da advocacia, portanto, com nítido raciocínio teleológico (a resposta vem antes do fundamento). Despiciendo falar do meu respeito e distinguida admiração e afeto pelos dois professores paulistas. Mas, como verão, serei propositivo.

O alvo errado dos parlamentares
Assim, sigo. E quero ir mais longe. Esta coluna não é para contestar os pareceres dos eméritos professores Gandra e José Afonso. Como visto, não é tarefa difícil. O que quero dizer é que, em tempos de PEC 37, que pretende colocar em mãos da autoridade policial a totalidade da investigação criminal, está passando a oportunidade de discutirmos a gestão da prova no Brasil. Interessante notar que os parlamentares, no contexto da PEC 37, em nenhum momento se preocuparam com o papel exercido pelo juiz no processo penal. Por exemplo, os mesmos parlamentares que hoje apoiam a PEC 37 provavelmente foram os mesmos que, até o momento, apoiaram o projeto de reforma do Código de Processo Penal (PL 156), que continua a conceder ao juiz o poder de “livre apreciação da prova” (dentre outros poderes discricionários). Aliás, parcela do Congresso brasileiro parece que é paradoxal: ao mesmo tempo em que, pela PEC 33, pretende restringir poderes do Judiciário, aposta até mesmo no livre convencimento da Polícia, conforme se vê no recente PLC 132. Difícil saber por onde andar, nessa encruzilhada de senderos que se bifurcam, como diria Jorge Luis Borges.

Mais do que isso, os parlamentares, tão preocupados com a “democratização” da investigação no Brasil, não se preocuparam com a parte do projeto do CPP que dá o poder ao juiz de decretar prisões de ofício. Para onde estão olhando nossos parlamentares? Não estariam sendo enganados pelos passos do Curupira?[2]

A Itália
Portanto, o Brasil parece querer dar um passo atrás na questão da investigação criminal e da gestão da prova. Para se ter uma ideia, na Itália, onde o Ministério Público derrotou a máfia, é pacífica a possibilidade de investigar. Não é preciso pesquisar muito para descobrir isso tudo. Basta ler o belo artigo escrito por Neviton Guedes (leia aqui), quando diz que “na Itália, exemplo dos maiores processualistas que inspiraram nossa produção legislativa e jurisprudencial, sua Corte Constitucional, na sentença 88/1991, diante do inegável poder do Ministério Público para produzir investigação criminal, deixou todavia assentado que, ‘mesmo no novo processo, o Ministério Público é obrigado a realizar investigações (indagini) completas e buscar todos os elementos necessários para uma decisão justa, incluindo aqueles favoráveis ​​ao acusado’ (favorevoli all’imputato). Por isso mesmo conclui Paolo Barille, ‘o novo código de processo penal, em harmonia com essa visão de magistrado do Ministério Público, isto é, órgão imparcial, sanciona o poder-dever do Ministério Público para realizar investigações sobre a base do exercício da acusação e da apreciação dos fatos específicos, incluindo as provas favoráveis ​​ao ‘réu’”.

O MP e a administração da justiça penal na Alemanha
Nem foi preciso buscar meus alfarrábios para revelar à comunidade jurídica — o que Néviton magnificamente já o fez — o teor do parágrafo 160 do Código de Processo Penal (Strafprozessordnung) alemão, em seu enunciado segundo: “o legislador alemão entendeu por bem deixar expressamente disposta a obrigação de o Ministério Público (Die Staatsanwaltschaft), ainda na fase da investigação, “verificar não só as circunstâncias incriminatórias (Belastung), mas também as que servem para exonerar (Entlastung), assim como tomar o cuidado de recolher as provas que se possa recear sejam perdidas”.Também Emerson Garcia mostra bem essa face do Ministério Público alemão.[3]

Ademais, há um acórdão da Corte Constitucional da Colômbia (C-591 de 2005), na qual há um perfeito resumo das características do sistema alemão, que serviu, junto com México e Costa Rica, de base para a Reforma da Constituição colombiana. Trata-se dos princípios comuns ao sistema acusatório, como passa a explicar-se:

“a) Em alguns países, o Ministério Público faz parte do ramo judicial. Na Alemanha, pelo contrário, o MP é uma autoridade independente, isto é, não faz parte do Poder Executivo e nem do poder Judiciário.[4] Daí que, como afirma Claus Roxin,[5] o Ministério Público não pode ser equiparado, de maneira alguma, ao Judiciário, porém tampouco é uma autoridade administrativa. Assim, pois, na medida em que se lhe confia a administração da Justiça Penal, a atividade do Ministério Público, do mesmo modo a que dos juízes, não pode estar orientada às exigências da administração, senão que se encontra vinculada aos valores jurídicos, isto é, a critérios de verdade e justiça. Em consequência, um membro do Ministério Público não pode ser obrigado, por seu superior hierárquico, a sustentar ou deixar de sustentar uma acusação ou a deixar de perseguir a um indiciado-acusado.

b) Como decorrência do que foi dito, o membro do MP não é tecnicamente uma “parte processual”. Por isso que não somente deve reunir material probatário contra o acusado, como também é sua obrigação investigar as circunstâncias que sirvam para a sua desimputação.[6]

c) Está presente também o princípio da oportunidade da ação penal.”[7]

O sistema colombiano
O sistema colombiano é similar ao mexicano, onde o ônus da prova está a cargo do Ministério Público (fração V do anexo A do artigo 20). Examinando o sistema processual penal da Colômbia, podemos encontrar outros subsídios para sustentar o atraso de terrae brasilis e, pior, o caminho que estamos trilhando rumo ao um atraso maior ainda. Enquanto a Colômbia faz reforma constitucional para implementar um moderno sistema, Pindorama prefere olhar pelo retrovisor.

Portanto, quero dizer que a Colômbia é bem mais avançada que o Brasil em termos de sistema processual penal. Claro que tem problemas. Por exemplo, não se livraram da expressão (ou da questão paradigmática) “livre apreciação da prova”. Mas, como disse, há consideráveis avanços.  O novo sistema foi introduzido pelo ato legislativo número 3 de 2002, na Lei nº 906, de 2004, reformada pela lei 1142, de 2007 (ver, acima, o  acordão C-591 de 2005).

Nesse sentido, há um interessante estudo feito por Pedro Oriol Avella Franco, intitulado Estructura del processo penal acusatório.[8] Com efeito, as variações que o referido Ato Legislativo introduziu ao dispositivo podem ser resumidas assim: ao MP compete impulsionar a ação penal, cabendo-lhe a investigação dos eventos que possuam características de um delito. Tem a seu favor o princípio da oportunidade, com controle pelo juiz de garantias. Ao MP está facultado ordenar, ainda no curso das investigações, busca e apreensão de bens e interceptação de comunicações, submetendo a posterior controle judicial os motivos que serviram de base para decretá-las, juntamente com a ordem e os resultados, dentro das seguintes 36 horas. Na Colômbia, esse controle é feito por um juiz de garantias. Medidas que afetem direitos fundamentais devem ser levadas ao juiz de garantias.

Interessante registrar que, como na Alemanha, se no curso da investigação encontrar elementos materiais probatórios, evidência física ou informação legalmente obtida, que seja favorável ao acusado, é dever do promotor do caso mencioná-los no apêndice da acusação (artigo 337 da Lei 906/2004). Tudo isso com respaldo no artigo 251 da Constituição Federal, que foi alterada exatamente para ampliar os poderes do Ministério Público. Por último, cabe ressaltar que “é a polícia judiciaria, sob a direção, coordenação e controle do promotor do caso”, a encarregada de materializar os atos de investigação encaminhados para coleta de provas.

Em conclusão, com Ferrajoli e Roxin
O assunto é recorrente. Relevantíssimo. O STF já disse que o Ministério Público pode investigar. Há anos diz isso. Essa matéria inclusive está regulamentada pelo CNMP. Entretanto, os eminentes pareceristas José Afonso e Ives Gandra sustentam que, para afastar o Ministério Público das investigações, nem seria necessária a aprovação da PEC 37. Gandra chega a dizer que, de todo modo, o óbvio deve ser dito e, talvez por isso, a “necessidade da PEC 37”.

Pois bem. Vou dar de barato, ad argumentantum tantum, que os ilustrados mestres estejam corretos. Pois se eles estão certos, é por isso mesmo que necessitamos, não de uma PEC como a 37, mas de outra PEC. Sim, uma PEC que altere a Constituição e explicite, muito claramente, que o Ministério Público, como na Alemanha, Itália, México e Colômbia (para falar somente destes, e não de Congo, Bangladesh, Burkina Faso, Suazilândia, Indonésia, Uganda etc, onde, ao que tudo indica, o Ministério Público não investiga), é não somente o titular da ação penal como aquele que é o encarregado da busca da prova, em um sistema acusatório, buscando exatamente as lições de um jurista da extirpe de Claus Roxin, conforme especificado no acórdão C-591 de 2005 do Tribunal Constitucional da Colômbia.

Aliás, interessante que dia destes vi gente utilizando Ferrajoli para sustentar a PEC 37. Por sinal, preciso criar um novo som onomatopeico para mostrar o tamanho de minha perplexidade. Vejam o que diz Ferrajoli, em Direito e Razão: “É necessário, antes de tudo, que a função judicial não seja minimamente contaminada pela promiscuidade entre os juízes e os órgãos de polícia, sendo que estes últimos devem ter relações — de dependência — unicamente com a acusação pública. […] A segunda condição concerne à defesa, que deve ser dotada da mesma dignidade e dos mesmos poderes de investigação do Ministério Público. […] Dotado dos mesmos poderes da acusação pública sobre a polícia judiciária […]”. Paro por aqui. Fico, pois, com Roxin e Ferrajoli.[9] Nota: Ferrajoli, de fato, não admite investigação… só que não a admite por parte… do juiz. Para ele, a polícia investiga sob dependência do Ministério Público.

Em síntese: claro que o Ministério Público pode investigar. Deve investigar. Não fosse isso e não haveria a PEC 37… óbvio isso (para usar a contundência de Gandra Martins, só que em sentido contrário!). De todo modo, esquecendo o que aí está e o que querem os adeptos da PEC 37, permito-me sugerir uma nova PEC — que eu chamaria de a PEC da Esperança —, que colocará o Brasil no rol dos países civilizados, a menos que consideremos a Alemanha um país atrasado, onde “nada funciona”. Sem apresentar, aqui, a necessária redação técnica, a PEC, inspirada nos sistemas alemão, mexicano, italiano, costarriquenho, norte-americano, espanhol e colombiano (não é pouca coisa, pois não?), seria bem simples, pois faria constar na Constituição apenas isto: São funções do Ministério Público, entre outras já previstas na Constituição: 1. Investigar e acusar; 2. Assumir diretamente as investigações e processos, qualquer que seja o estado em que se encontrem; 3. Participar no planejamento das políticas de Estado em matéria criminal e apresentar projetos de lei a respeito. A regulamentação será feita por lei.

Para reforçar e institucionalizar o sistema acusatório — desejo de todo garantista da cepa de terrae brasilis —, sugiro constitucionalizar o conteúdo do dispositivo do parágrafo 160 do Código de Processo Penal da Alemanha, pelo qual o Ministério Público tem a “obrigação de, ainda na fase da investigação, verificar não só as circunstâncias incriminatórias (Belastung), mas também as que servem para exonerar (Entlastung), assim como tomar o cuidado de recolher as provas que se possa recear sejam perdidas”. Alguém dirá: lá vêm o professor Lenio e o professor Neviton, de novo, “copiando” coisas da Alemanha… Bom, é melhor nos inspirarmos na Alemanha do que no sistema penal do Congo. Bingo!Simples, mas eficiente.Aliás, este pode ser um parágrafo único do artigo sugerido acima!

Com isso, pelo menos poderemos falar com os alemães, os italianos, os mexicanos e colombianos e lhes dizer: estamos avançando! E dizer para o pessoal do Congo, Burkina Faso e outros países onde o Ministério Público não investiga que estamos bem melhor que eles. E, desde já, brindemos a isso! Tenho certeza de que o Congresso brasileiro não quererá ficar atrás dos vizinhos colombianos! E ficar bem à frente de Uganda e outros dessa estirpe. Afinal, somos a sexta economia do mundo. E membros dos BRICS. Vamos optar pelo terceiro-mundismo?

Eça de Queiroz era genial. Um dos personagens de seu Primo Basílio era o Conselheiro Acácio. Sua máxima: “as consequências sempre vêm depois”. A ironia de Eça na construção desse personagem é absolutamente genial. Não é mesmo?


[1] O exemplo, a seguir, é só para mostrar a contradição do professor. Não tem outra serventia. Esse assunto já foi decidido pelo STF. Mas, vamos lá. Segundo o autor, “O sexo sempre foi um fator de discriminação. (…). A questão mais debatida feriu-se em relação às discriminações dos homossexuais. Tentou-se introduzir uma norma que a vedasse claramente, mas não se encontrou uma expressão nítida e devidamente definida que não gerasse extrapolações inconvenientes. Uma delas foi conceder igualdade, sem discriminação de orientação sexual, reconhecendo, assim, na verdade, não apenas a igualdade, mas igualmente a liberdade de as pessoas de ambos os sexos adotarem a orientação sexual que quisessem. Teve-se o receito de que essa expressão albergasse deformações prejudiciais a terceiros. Daí optar-se por vedar a distinções de qualquer natureza e qualquer forma de discriminação, que são suficientemente abrangentes para recolher também aqueles fatores, que têm servido de base para desequiparações e preconceitos” (SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 29ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 223-224). Portanto, aqui não valia a intenção? Ou a vontade constituinte? Claro que não serei tão duro assim. Isso seria um originalismo “sincrético”, aplicável apenas ad hoc.. Mas que, utilizado o mesmo argumento que o Professor invocou no caso do poder investigatório, teríamos sérios problemas para sustentar a questão das uniões homoafetivas. Afinal, o constituinte houvera negado a igualdade… Por isso, na hermenêutica, nem a vontade da lei, nem a vontade do legislador… Nada disso tem mais sentido depois do linguistic turn. Só uma coisa, ainda: fosse importante o argumento da “vontade da lei” ou “vontade do legislador”, por certo não teríamos superado a vedação a que os opositores do regime militar, mortos em outro lugar que não “a prisão ou similares”, recebessem indenização. Ali (Lei 9.140), tanto a vontade da lei como a vontade do legislador eram no sentido de deixar de fora Marighella e Lamarca. Ainda bem que havia uma boa interpretação constitucional para além dos serôdios “vontade da lei-vontade do legislador” (ver, para tanto, meu Verdade e Consenso, pp. 555 e segs).
[2] Como reza a lenda, o menino Curupira tem os pés virados ao contrário, para enganar os caçadores.
[3]http://jus.com.br/revista/texto/8190/o-processo-constitucional-alemao-e-a-atuacao-do-ministerio-publico; também nosso Aury Lopes Jr, em seu Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal, Lumen Juris, 2006, trata da matéria.
[4] Cf. Claus Roxin, Pasado, presente y futuro del derecho procesal penal, Bogotá, 2004.
[5] Cf. Claus Roxin, Derecho Procesal Penal, Edit. Del Puerto, Buenos Aires, 2000, Pág. 53.
[6] Cf. Roxin, op.cit., p. 53.
[7] La StPO de 1987 (Ordenanza del Proceso Penal) establece las siguientes causales de procedencia del principio de oportunidad cuando (i) el reproche por el hecho es insignificante y no existe interés alguno en la persecución penal; (ii) el interés en la persecución puede ser satisfecho de otro modo; (iii) el ofendido puede llevar adelante por sí mismo la persecución penal; y (iv) existen intereses estatales prioritarios.
[8] Cf. publicação da Fiscalía General de la Nación – Esculea de Estudios e Ivestigaciones Criminalísticas y Ciências Forenses, 2007.
[9] Ver, nesse sentido, belo artigo aqui no Conjur, de Thiago de Ávila: “Pensamento de Ferrajoli não combina restrição ao MP”. O artigo é precioso. E preciso. Remeto-me a ele, para não precisar citar o mestre fiorentino. 

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