Alternância de poder

Ministros devem seguir regras da Constituição Federal

Autor

2 de maio de 2013, 13h15

Do Título XI — Dos recursos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF) e em seu ‘Capítulo V’ que trata do ‘Recurso Extraordinário’, artigos 321 a 329, destacamos, em especial, o conceito de que a questão constitucional trazida no bojo daquele apelo necessariamente deve oferecer repercussão geral, sendo que tal se consubstancia na "existência, ou não, de questões que, relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, ultrapassem os interesses subjetivos das partes"[1].

A inovação processual trazida com o instituto da repercussão geral, quanto à análise de haver ou não tal repercussão para determinada matéria, reside na submissão da mesma ao exame eletrônico e em Plenário Virtual pelos ministros integrantes daquela corte suprema[2].

O regramento do tema, no entanto, torna-se complexo e passível de dúvidas sobre sua estrita observação, quando, na hipótese, nega-se a existência de repercussão da matéria submetida ao Plenário Virtual, seja porque o tema é considerado de ordem infraconstitucional[3], seja porque inexiste pura e simplesmente a repercussão[4], ou ainda porque o apelo carece de apresentação formal e fundamentada do aludido instituto[5].

Quando há declaração de inexistência de repercussão geral pelo entendimento de que a discussão é de cunho infraconstitucional, mais difícil ainda é a aplicação e observância da regra instituída.

Explicamos tal complexidade com um exemplo prático, que passamos relatar a seguir.

Em cinco de outubro de 2011 e em sessão plenária do Supremo Tribunal Federal, teve início o julgamento do recurso extraordinário 572.020. Naquela assentada ficou decidido, de forma não definitiva, o conhecimento do recurso com empate quanto a matéria de mérito[6], pois que o ministro relator, Marco Aurélio, votou pelo provimento do apelo, enquanto o ministro Luiz Fux pela sua negativa, vencido que foi este quanto ao conhecimento do recurso em comento.

O processo vem, desde então, retornando à pauta plenária do STF, em face da devolução dos autos pelo ministro Dias Toffoli, em razão de pedido de vista formulado.

Ocorre que a então ministra Ellen Gracie, relatora do recurso extraordinário 592.887, cujo tema era o mesmo do RE mencionado nas linhas acima (RE 572.020), em 20 de agosto de 2010, submeteu a questão ao Plenário Virtual, para definir haver ou não repercussão geral. A ementa do acórdão tem o seguinte teor:

1. Trata-se de recurso extraordinário fundamentado no artigo 102, III, a, da Constituição Federal interposto contra acórdão no qual se discute a possibilidade de cobrança de ICMS sobre serviço de habilitação de telefone celular.

(…)

3. Verifico que a discussão não diz respeito propriamente à extensão do conceito de serviços de telecomunicações, tampouco à existência ou ausência de lei, mas à caracterização da atividade de habilitação de telefones celulares como atividade-fim ou como atividade-meio e à verificação da sua autonomia enquanto serviço preparatório, acessório, suplementar ou auxiliar.

No Plenário Virtual restou definido em se acolher a proposição da relatora pela não existência de repercussão geral para o tema em comento, pois que o mesmo versava sobre "matéria infraconstitucional que, aliás, vem sendo enfrentada pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça no exercício de sua competência."

Registra-se que, na oportunidade, a ministra Ellen Gracie e os ministros Ricardo Lewandowski, Celso de Mello, Joaquim Barbosa e Ayres Brito afirmaram sequer haver "Questão Constitucional" para a matéria enfrentada.

Pois bem, uma vez definido não haver repercussão geral para a discussão sobre "a possibilidade de cobrança de ICMS sobre serviço de habilitação de telefone celular", observar-se-ia a regra contida nos parágrafos 5º e 2º dos artigos 543-A e 543-B do CPC, respectivamente, ou seja, o indeferimento liminar e a inadmissão automática dos apelos sobrestados no próprio Supremo e nos tribunais de origem[7]. Mais ainda, segundo o artigo 326 do RISTF[8], toda "decisão de inexistência de repercussão geral é irrecorrível e, valendo para todos os recursos sobre questão idêntica, …".

Notem que não obstante a maioria regimental dos membros daquela corte ter concluído pela inexistência de repercussão geral para aludida matéria, tal comando legal e regimental, nos parece, não foi observado quando da recente inclusão em pauta de julgamentos do já mencionado RE 572.020, interposto "em face de acórdão da 2ª Turma do STJ que decidiu pela impossibilidade incidência do ICMS na habilitação de telefone celular móvel, dado constituir serviço meramente preparatório àquele de telecomunicação, este sim inserido no conceito de comunicação, não se permitindo, pela tipicidade fechada do direito tributário, estendê-lo aos serviços meramente acessórios ou preparatórios."

Ganha ainda mais destaque a discussão quando se dá conhecimento de que o mencionado recurso ingressou no STF em novembro de 2011, ou seja, já sob a égide do não reconhecimento de repercussão geral para a matéria nele enfrentada, como se verá a seguir.

Assim afirmamos que está em debate no RE 572.020 matéria em tudo idêntica a já enfrentada no RE 592.887, cuja ausência de repercussão geral foi afirmada; sendo que, por regra e em consequência, desde setembro de 2010 todos os apelos extraordinários sobrestados — seja no STF, seja nos Tribunais de origem — de mesmo objeto, foram e deveriam ser aplacados com sua inadmissão imediata.

Ora, alguns poderão argumentar que a retomada de análise, em Plenário, de tema cuja repercussão geral já fora afastada implica em, no mínimo, insegurança jurídica e tratamento não isonômico aos jurisdicionados, se, ao fim e cabo, aquela corte Suprema prover o RE 572.020 em favor do ente estatal.

Não obstante a regra e possíveis manifestações em contrário, entendemos que, em razão da atual e renovada composição da corte suprema — os novos ‘ares que rondam’ o Plenário — e da manifesta ordem constitucional que se apresenta e reclama soluções, salutar é o (re)enfrentamento da discussão sob a ótica de supostas violações à Carta;

Ainda que, o referido apelo em questão não possua preliminar de repercussão geral, pois ao que tudo indica é anterior à Emenda Regimental 21/2007[9], terá o Colegiado, ao final de seu exame de mérito, a possibilidade de reclamar Questão de Ordem para o feito e para efeito de oferecer reconhecimento de repercussão geral ao tema em debate.

Em assim decidindo, a corte não só estará cumprindo seu papel constitucional, como também, em face de sua importância como Instituição e representatividade, transparecerá à sociedade em geral seu respeito, observação e aplicação das regras — também as do ‘jogo’ — e normas vigentes.

[1] Art. 322, parágrafo único, RISTF

[2] Arts. 323, ‘caput’; 323-A e 324, RISTF

[3] Art. 324, § 2º, RISTF

[4] Art. 326, RISTF

[5] Art. 327, RISTF

[6] ICMS. INCIDÊNCIA. SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO. TELEFONIA CELULAR MÓVEL. SERVIÇOS DE HABILITAÇÃO. CONVÊNIO-ICMS Nº 69/98. ACÓRDÃO DO STJ QUE DECIDIU PELA IMPOSSIBILIDADE DE INCIDÊNCIA DO ICMS NA HABILITAÇÃO DE TELEFONE CELULAR MÓVEL. ALEGAÇAO DE OFENSA À CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ARTS. 2º, 97, 150, I, E 155, II.

[7] Machado, Antônio Cláudio da Costa. Código de processo civil interpretado: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. 11 ed. – Barueri , SP : Manole, 2012

[8] Emenda Regimental 21, de 30 de abril de 2007

[9] Embargos de declaração em agravo regimental em agravo de instrumento. 2. Recurso extraordinário interposto em data anterior à publicação da Emenda Regimental no 21. Preliminar de repercussão geral. Desnecessidade. 3. Embargos de declaração acolhidos para dar provimento ao agravo regimental, e, assim, reconsiderar a decisão agravada, determinando à Secretaria que proceda ao regular trâmite do feito. (AI 735946 AgR-ED / DF – DISTRITO FEDERAL – EMB.DECL. NO AG.REG. NO AGRAVO DE INSTRUMENTO, DJe-096 DIVULG 27-05-2010 PUBLIC 28-05-2010)

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!