O velho travestido de novo e o moralismo do Faustão
27 de junho de 2013, 8h00
“Eu estava sobre uma colina e vi o Velho se aproximando, mas ele vinha como se fosse o Novo. Ele se arrastava em novas muletas, que ninguém antes havia visto… Aí vem o Novo, tudo é novo, saúdem o Novo, sejam novos como nós! E quem escutava, ouvia apenas os seus gritos, mas quem olhava, via tais que não gritavam. Assim marchou o Velho, travestido de Novo, mas em cortejo triunfal levava consigo o Novo e o exibia como Velho. O Novo ia preso em ferros e coberto de trapos; estes permitiam ver o vigor de seus membros. E o cortejo movia-se na noite, mas o que viram como a luz da aurora era a luz de fogos no céu. E o grito: Aí vem o Novo, tudo é novo, saúdem o Novo, sejam novos como nós…”.
Gostaram? Pois leiam o que segue:
“Ressurge a Democracia”
“Vive a Nação dias gloriosos. Porque souberam unir-se todos os patriotas, independentemente de vinculações políticas, simpatias ou opinião sobre problemas isolados, para salvar o que é essencial: a democracia, a lei e a ordem. Graças à decisão e ao heroísmo (…) o Brasil livrou-se do Governo irresponsável, que insistia em arrastá-lo para rumos contrários à sua vocação e tradições.
Agora, o Congresso dará o remédio constitucional à situação existente, para que o País continue sua marcha em direção a seu grande destino, sem que os direitos individuais sejam afetados, sem que as liberdades públicas desapareçam, sem que o poder do Estado volte a ser usado em favor da desordem, da indisciplina e de tudo aquilo que nos estava a levar à anarquia (…).
Poderemos, desde hoje, encarar o futuro confiantemente, certos, enfim, de que todos os nossos problemas terão soluções, pois os negócios públicos não mais serão geridos com má-fé, demagogia e insensatez. Este não foi um movimento partidário. Dele participaram todos os setores conscientes da vida política brasileira, pois a ninguém escapava o significado das manobras presidenciais.(…) Era a sorte da democracia no Brasil que estava em jogo.”
Sabem do que se trata? Pois lhes conto. Trata-se do editorial do Jornal O Globo de 2 de abril de 1964. Bingo!
“Jabuti não sobe em árvore” e o moralismo do Faustão
Somemos a isso as palavras do senador Cristovam Buarque (PDT-DF) pregando o fim dos partidos políticos. Aliás, sua Excelência deveria ser processado pela Comissão de Ética. Como é possível um senador propor a extinção dos partidos políticos em uma democracia de partidos? Hein?
E que tal o grande filósofo contemporâneo Faustão? Como explica um dos meus orientandos em seu blog: “Domingo. Termina Espanha x Nigéria. Faustão abre seu programa dominical. Em tom exaltado, discursa. O auditório, em polvorosa grita, aplaude. Lições de moral e slogans. ‘O gigante acordou!’. Fala no ‘fim da corrupção’ e cobra imediata solução de vários problemas sociais, boa parte deles seculares. Mas quem tem senso crítico procura os silêncios do discurso: por que Faustão não exigiu a democratização dos meios de comunicação em massa? Botão off.”. Por exemplo, quanto o Faustão paga de Imposto de Renda? Tomara que tudo seja na fonte, como empregado… Ou teria, como outros apresentadores e artistas, uma pessoa jurídica?
E como funciona a Lei Rouanet para os artistas que hoje pregam “moralismos”? Fazer peça de teatro ou show com dinheiro da (combalida) Viúva, pode? Pode isso, Arnaldo? Pode colocar dinheiro em peça de teatro e não ter dinheiro para leitos hospitalares? Vi uma atriz “indignada” com “tudo isso que está ai”. Uau. E ela tem uma bela peça com dinheiro da… Viúva. Sim, ela, a gordatcha Viúva. É, pois é. O inferno é sempre “o outro”. Eu votei bem, mas você votou mal. Logo, como você votou mal, vamos acabar com o voto, porque “poucos sabem votar bem”. E claro, o que define o erro ou acerto é a própria vontade de cada um. Ora, ora.
Numa roda de amigos, o esporte é a malhação dos políticos. Corrupção, demagogia, preguiça, falta de escrúpulos. Trata-se de um ser que não possui nenhuma qualidade. É visto como um antro de defeitos e perversidades. Mas será que se questiona como ele foi parar onde está? Culpa-se logo a corrupção, a compra de votos e o povão que não sabe votar. O pobre, principalmente, que vende seu voto por um milheiro de tijolos. Mas não são os pobres que vemos cedendo e/ou guiando as centenas de carros das carreatas. Não são os pobres que “financiam” as campanhas milionárias. Não são os pobres que coordenam a boca-de-urna no dia das eleições. São as camadas média e superior da sociedade que agem nessa esfera.
E todo ano eleitoral, e não somente no último, cara-pálida, o costume se repete. Pessoas do nosso círculo social pedem o voto para determinados candidatos. Se fossemos pedir uma resposta sincera sobre os motivos do pedido do voto, qual seria a resposta mais coerente, digam-me? a) foi porque o candidato é um republicano, um indivíduo que, ideologicamente, ajudará na construção de uma sociedade mais livre, justa e solidária; b) o próprio pedinte do voto, um amigo ou um parente está de olho (grande) em um cargo comissionado ou qualquer outra vantagem, ou já tinha sido agraciado com tal benesse. Deixo o leitor da coluna escolher.
Mas não perco a oportunidade de opinar. Nosso secular costume tem sido de pedir votos por gratidão ou interesse pessoal e imediato (nem preciso lembrar as obras que tratam disso, de Faoro para cá). Isso em todos os estratos sociais. Todos! É o que alguns chamam de “militância de oportunidade”. Sua “ideologia” é clara: levar vantagem. Claro. Culpam-se programas sociais como sendo a forma de manter o povão no cabresto, esquecendo que a reprovabilidade é imensamente maior quando parte de pessoas que já possuem um espaço na sociedade também ficam cabresteadas, só que o preço é mais alto.
Paradoxal, portanto, como esses protestos nasceram como um verdadeiro susto (ou surto). Sem consciência histórica. Isso me recorda a letra de uma música dos Titãs “É uma coisa de cada vez: Tudo ao mesmo tempo agora”! Será que dá música? Cobra-se tudo ao mesmo tempo agora quando sabemos que se tem que fazer uma coisa de cada vez.
Queremos uma República sem partidos políticos? Em quem as pessoas que estão nas ruas votaram?
Simples, não? Os manifestantes não querem partidos políticos e parece que abominam as instituições. O que são instituições? Lembro, rapidamente, do livro O Senhor das Moscas (prêmio Nobel para William Golding), em que meninos, caindo seu avião, em uma semana organizam-se em pequenos bandos… e se matam. Sem estado, sem partidos, sem instituições… Estado de natureza.
Se os partidos políticos são ruins, não seria bom perguntar por que chegamos a esse ponto? Quem vota nos “maus” parlamentares? Jabuti não sobe em árvore… Ou foi enchente ou um monte de gente…
A história nos mostra que não dá para fazer democracia direta. Já imaginaram uma Ágora com mais de 100 milhões de pessoas? Não estamos mais em Atenas. Não compreender isso ou é ingenuidade ou maldade. Não é só isso. Líder com contato direto com as massas dá ditadura. Quem os manifestantes pensam em colocar no lugar dos políticos? Talvez o problema esteja no tipo de democracia que temos: quando elegemos o governante, delegamos a ele todo o poder. Algo que Guillermo O’Donnel chama de “democracia delegativa”, que possui um gravíssimo defeito: enfraquece as instituições e não tem accountability (prestação de contas).
Vícios e virtudes… dos outros!
O “gigante acordou”? Não. Porque ficar dizendo isso por aí é deslegitimar e desconhecer o processo histórico que nos levou à Constituição e à ordem jurídica que temos hoje. Houve sangue derramado. Gente sofreu. Gente morreu para que tivéssemos uma democracia. Falta memória emocional coletiva. Essa amnésia inclui a postura da gente toda que, antes do dia em que dizem ter acordado, não fez um exame de consciência sobre quais motivos a levou a votar nos candidatos que votaram nas últimas eleições. Uma coisa é certa e verdadeira: se o Congresso é ruim, a culpa (também) é de quem votou neles. Não dá para escapar dessa premissa.
Espero que possamos apreender com tudo isso, claro que se sobrar Brasil. Mas não queiramos ou façamos um discurso à la Faustão ou Pedro Bial (ou algo do gênero), do tipo “vamos lá, galera — fora com esses políticos etc”. Em quem será que Faustão votou? Vou repetir, aqui, a fábula da abelhas, de Mandeville. Conta-se que as abelhas viviam prosperamente em sua colmeia. Tudo ia bem, até que um grupo de abelhas moralistas (neovirtuosas) decidiram dar um fim aos vícios (corrupção era o menor deles!). Foram à rainha e pediram que fosse decretada a virtude. E assim se fez. Todos virtuosos. Bom? Não. Ruim. Péssimo. Sem vícios, a sociedade começou a ruir. Advogados ficaram sem trabalho, médicos sem pacientes, policiais ociosos… Fracasso total. As abelhas se reuniram e pediram à rainha o imediato restabelecimento dos vícios. Moral da história? Conto já.
Por exemplo: a) recordou a quais políticos deu apoio durante a campanha? b) será que você (ou eu) e os manifestantes denunciou (ou denunciamos) qualquer compra de votos ou qualquer outra atitude não republicana pelos candidatos durante as eleições? c) votaram (ou votamos), acima de tudo, em propostas ou de olho em algum favor ou interesses egoisticamente pessoal? d) acompanharam o cumprimento das propostas antes do dia em que resolveram despertar furiosamente? e) não cometem(os) infrações no cotidiano? E) não compram(os) CDs piratas? E) não baixam(os) filmes “escondidamente”? f) quando viajam(os) a Maiame, não trazem(os) mercadoria com valor acima da cota? E as bolsas Luíviton? Não passam(os) sinal vermelho? Pois é…
Não quero uma sociedade de virtuosos. Afinal, os vícios fazem parte da sociedade. Aliás, nós, juristas, vivemos dos vícios. Como os médicos. Vícios privados, benefícios públicos, como diria o liberal Barão de Mandeville (essa é a moral da história). Pedimos nota fiscal direitinho? Quando o médico, o dentista ou o advogado nos dão dois preços, com ou sem recibo, o que fazemos? Ou seja, todos somos (um pouco ou mais) criminosos ou não-tão-virtuosos: até mesmo um adulteriozinho tentado, que tal? (embora adultério não seja mais crime). Portanto, desconfio de moralismos. E de neovirtuosismos… Por exemplo, vi gente graúda que ganha vale-refeição de R$ 700 reclamando que o governo dá bolsa família para a patuleia… E estavam nas manifestações… Hum, hum.
Dizendo de outro modo: além da falta de memória emocional, não dá para cobrar soluções sem que elas tenham um caráter propositivo e com a consciência de que não se está pedindo para se fazer um café solúvel.
Com olho na história, não tenho receio em afirmar que estou com medo. Quando vejo manifestantes dizendo que não votam em partidos e, sim, em pessoas, fico arrepiado. Candidaturas avulsas? Quem o financiará? Ele será virtuoso? Corremos o risco de substituir uma alienação por outra.
Quem vai fazer a “revolução”? Como assim? Rebeldia deve ter uma causa (ou duas). Não todas. Se tudo é, nada é. Não estou pedindo pedigree para protestar. Só quero dizer que a democracia custou caro. Quando saímos às ruas pelas “Diretas Já”, era porque queríamos votar. Agora que tanto já votamos, não queremos mais votar? E ainda por cima, aparece o senador Cristovam para pregar a extinção dos partidos… Desculpem-me, mas quero entender.
Aqui, vale a citação de Wanderlei Guilherme dos Santos sobre os eventos: “ao contrário de ser uma beleza de movimento sem líderes, o espontaneísmo infantil se revela um desastre na confissão de alguns de que não conseguem impedir a violência de sub-grupos! Nem por isso deixam de ser responsáveis por ela na medida em que continuarem recusando a adesão cooperativa das instituições com alvará de estabelecimento reconhecido, instituições capazes de assegurar a virtude pacífica das manifestações. É politicamente primitivo, nada vanguardista, impedir a associação de movimentos organizados e, inclusive, de partidos políticos, desde que submetidos ao objetivo central da manifestação. Em movimentos de boa fé democrática há a hora de desconfiar e a hora de convergir.” Eu estou desconfiando!
Notícia de última hora: de novo uma Constituinte!
A presidente da República só pode estar querendo provocar os brios do Congresso Nacional. Ou seja, ela quer esticar a corda para saber até onde o Congresso vai. Só isso pode justificar a ideia lançada de convocar, via plebiscito, uma Assembleia Constituinte exclusiva para fazer justamente o cerne da democracia: a questão da reforma política. O Congresso foi alvejado no peito. Ele deve reagir e dizer: “Nós não nos acadelaremos. Faremos a reforça política via Emenda Constitucional. Porque nós não aceitamos Constituinte exclusiva. Se não permitimos tribunais de exceção, que dizer de uma constituinte de exceção? A convocação de uma Constituinte de exceção é a confissão de que nós, o Parlamento, fracassamos. Se isso acontecer, teremos que ser mandados de volta para casa.” E eu acrescento: sem direito à passagem aérea. Nem de ida e nem de volta! Vai de jegue! Ou de ônibus. Lotado. Sem direito à janela! Folgo em saber que o Congresso (no caso, a Câmara) já começou a se sentir ferido em seus brios. Afinal, já passou um rodo na PEC 37 e aprovou projeto da distribuição dos royalties.
Mas, atenção: o Congresso não pode entrar nesse jogo de pressão popular e começar a cometer inconstitucionalidades. Atender ao povo, sim. Mas sem banalizar o Direito. Explico: escreverei sobre isso mais adiante, mas já quero antecipar minha opinião, coerente com o que tenho escrito há mais de 20 anos. Transformar a corrupção e o peculato em crime hediondo é não só cair na armadilha do Direito Penal simbólico, como também violar a cláusula de proibição de proteção de excesso, a Übermassverbot[1]. O legislador não tem liberdade de conformação para cometer excessos na proteção de bens jurídicos. Assim como ele não tem liberdade de conformação para proteger de forma deficiente (Untermassverbot), ele também não pode se exceder. E, neste caso, é patente o excesso. Essas teses não são minhas. Eu não inventei. O crime hediondo é algo muito grave e sério para que, na prática da aplicação do judiciário, seja mais um elemento de fragilização da punição. Será um tiro no pé, como já foi a transformação em crime hediondo da falsificação de remédio (lembram disso?). Alguém foi condenado? Por que então o legislador não coloca também a sonegação de tributos como crime hediondo? Afinal… Ora, se corrupção for crime hediondo — no sentido daquilo que a tradição estabelece como “hediondo” — qual será o limite para futuras inclusões? Furto qualificado também será? O céu será o limite. Resultado: a pretexto de punição, favorece-se a impunidade. Não é assim que se faz. Chamem os especialistas, por favor. Todos sabem da minha predileção pelo legislador. Pela defesa que dele faço. E todos sabem da defesa que faço da necessidade de o Estado combater com vigor os delitos que colocam em xeque os objetivos da República previstos na Constituição. Mas, há limites. E estes são os limites constitucionais. A teoria do bem jurídico não pode ser banalizada a este ponto. Em coluna específica, voltarei a este ponto.
É importante reforçar (pois há sempre os que sofrem de miopia seletiva) que a crítica não se dirige ao aumento de penas nos tipos comentados (e tampouco é somente nelas que se deposita a esperança de um sistema que proteja com efetividade os recursos públicos), mas sua elevação ao grupo de hediondos. Em verdade, há anos denuncio que o sistema de penas no Brasil carrega ainda um ranço liberal-individualista que pune exemplarmente condutas de cariz interindividual e reserva às lesivas aos bens jurídicos coletivos (lato senso) reprimendas que destoam completamente da importância que a Lei Maior lhes confere. Já orientei inúmeras teses e dissertações nessa toada, tanto no Brasil quanto no exterior. A própria justificativa do projeto de Lei aprovado no senado traz a citação de um texto meu (clique aqui para ler) em que explicito detidamente a ampla reformulação e esses dois filtros (as duas facetas, positiva e negativa, do principio da proporcionalidade) pelos quais deve passar toda a legislação penal.
No entanto, vejo que a rotulação de hediondo pouco contribui para elevar a proteção penal. Em verdade, joga contra. Limita-se a responder a um anseio de um povo que clama pela inclusão na lista sem sequer saber do que está a falar. Ora, será que cabe no mesmo rol as conduta de um policial que recebe dinheiro para deixar de aplicar uma multa e a de outro que tortura um detido no caminho da delegacia? Tenho uma séria critica à própria ideia de uma lei de crimes hediondos (guardo-a pra outro momento), mas, por hora, basta dizer que conceder tal status às três condutas configura um excesso punitivo.
Atenção: Hegel dizia que a ave de Minerva só levanta voo ao entardecer. Isso quer dizer: olhemos para a história. Tenhamos memória. À época da constituinte, a memória emocional dos anos de trevas era forte. Hoje muita gente ou não viveu ou não rememorou o significado de um regime ditatorial.
Numa palavra: Constituinte exclusiva é inconstitucional (ops – tem muita gente boa que se quebrou nisso… Escutei argumentos cedo na Globo — claro, tinha que ser lá —, dizendo, em alto e bom som, que a constituinte exclusiva era constitucional…). Hoje, uma constituinte seria cercada pela multidão e, como na França, seria tentada a fazer a revolução. Mas, atenção: não vivemos a situação da França de 1788-1789. A única semelhança entre o Brasil de hoje e da França de então é que lá apenas a burguesia (o terceiro Estado, que era uma mistura de todo tipo de gente, menos nobres e clérigos) pagava impostos, como aqui ainda hoje. As grandes fortunas pagam pouquíssimos impostos; isso para dizer o mínimo.
E o que dizer da sonegação de tributos? Aliás: o povo nas ruas poderia acrescentar uma coisa na sua lista: punição aos sonegadores de tributos (do andar de cima); afinal, por que quando alguém furta e devolve a res furtiva, não tem a seu favor a extinção da punibilidade e aqueles que sonegam tem esse favor legis? Mais: por que o sujeito que furta não tem a seu favor a tese da insignificância e aquele que traz chibo de Maiame ou que faz outro tipo de descaminho ou sonega tributos tem a seu favor essa tese (da insignificância), tudo com base em uma Portaria — sim, uma reles Portaria — que diz que valores sonegadores, “chibados” ou “descaminhados” abaixo de R$ 20 mil (sim, vinte mil) sequer devem ser cobrado pela Viúva? Enigmas da República. Mas são caldos que engrossam o angu que está aí.
Sigo. E volto à proposta da presidente da convocação da Constituinte. Seria muito feio que o Congresso aceitasse a ideia de uma Constituinte exclusiva para fazer aquilo que é o cerne de sua função… Que feio o parlamento não começar ainda hoje a votação da PEC da Reforma Política. O parlamento é macho (sem ofensa a questões de gênero). Acredito nisso. Ele vai fazer a reforma. Ele não vai aceitar que a Presidenta desdenhe dele, o Parlamento, que representa o povo. A Presidenta é estrategista. Ela nem quer mesmo a Constituinte. Ela quer é provocar os brios da Casa do Povo. E a Casa haverá de responder positivamente. Ou não mais representa o povo? Hein?
PS1: sei que na tarde de terça-feira, dia 25 de junho 2013, dizia-se que o governo havia recuado na proposta da constituinte exclusiva… Mas deixo o texto assim mesmo. Como o Manifesto que firmamos terça-feira (clique aqui para ler). Só mais uma pergunta: se os deputados e senadores que estão aí não prestam e se foi o povo quem os elegeu, quem garante que os futuros constituintes sejam melhores? Há um passe de mágica tornando o eleitor mais sábio e consciente? Ainda: quem faria parte da constituinte? Marcianos? Lordes ingleses? Sim, porque se os políticos são ruins, faríamos uma constituinte sem políticos? Mas o Tiririca não era político. O Marcos Feliciano também não. O Ratinho também não. Quem mais?
PS2: Há algum tempo, publiquei o texto sobre a Revolução dos Estagiários (clique aqui para ler). Ali eu já antevia o que está ocorrendo hoje. Era uma alegoria ou uma metáfora. Eis um pequeno trecho do que então escrevi: “Os estagiários ainda não assumiram o poder porque não estão (ainda) bem organizados. Deveriam aderir à CUT. Em alguns anos, chegariam lá. Dia desses veremos os muros pichados com a frase “TODO O PODER AOS ESTAGIÁRIOS”. Afinal, eles dão sentenças, fazem acórdãos, pareceres, elaboram contratos de licitação, revisam processos… Vão ao banco. Sacam dinheiro. Possuem as senhas. Eles assinam eletronicamente documentos públicos. Eles decidem. Têm poder. Eu os amo e os temo.”
Sim, eu respeito profundamente os estagiários. Eles estão difusos na República. Por vezes, invisíveis. Jamais saberemos quantos são. E onde estão. Algum deles pode estar com você no elevador neste momento. Ou em uma audiência (é bem provável, até). Ou no Palácio do(s) governo(s) federal, estadual e municipal. Sei de vários que lá estão. E participam de reunião de gabinetes de ministérios. Que bom. Com isso vão aprendendo. Afinal, é para isso que servem os estagiários.
Eles fazem de tudo. Neste momento, um estagiário, ou vários deles, podem estar controlando o seu voo. A Infraero tem muitos estagiários. Torço para que eles sejam tão bons quantos os que estagiam no meu gabinete. Estagiários de todo mundo: uni-vos. Nada tendes a perder senão vossos manuais recheados de enunciados prêt-à-porter, prêt-à-parler, prêt-à-penser que os professores vos mandam comprar. Estagiários de toda a nação: indignai-vos face à exploração a que estão submetidos.
Portanto, atenção, comunidade jurídica em geral: fiquem atentos. Como se diz no Rio Grande do Sul, “tomem tento”. Os estagiários vêm aí, fazendo uma aliança com todos aqueles advogados que não conseguem passar seus apelos e recursos (que são recusados em duas linhas com base no livre convencimento ou argumentos quetais!), que não conseguem entender por que seus embargos declaratórios não são conhecidos (e nem explicados), e assim por diante. A lista é longa. Eles, unidos, podem vir aí. E provavelmente usarão os grandes manualões e resumões para atirar contra todos nós (eu só quero avisar que sou da base aliada dos estagiários). Tomemos tento!
[Texto alterado às 14h12 do dia 27/6 para acréscimo de informações]
[1] Sobre a Übermassverbot e a Untermassverbot, ver Streck, Maria Luiza S. Direito Penal e Constituição: a face oculta dos direitos fundamentais. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2008.
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