Poder cerceado

Manifesto vai contra Constituinte para reforma política

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25 de junho de 2013, 16h42

Um grupo de professores de Direito, procuradores, advogados e membros do Judiciário escreveu um manifesto contra a medida anunciada pela presidente Dilma Rousseff na última segunda-feira (24/6) de convocar uma Assembleia Constituinte exclusiva para fazer uma reforma política. Para o grupo, capitaneado pelo procurador de Justiça no Rio Grande do Sul Lenio Luiz Streck, é impossível convocar uma Constituinte limitando seus poderes.

"A tese fragiliza o Estado de Direito e as Instituições democráticas", afirma o manifesto, assinado por cerca de 20 nomes do Direito nacional com destaque na academia, como o presidente fundador da Academia Brasileira de Direito Constitucional, Flavio Pansieri, e André Karam Trindade, colunista da ConJur.

Parte do grupo havia lançado, recentemente, uma petição virtual que se soma ao conjunto de reivindicações feitas nas manifestações que tomaram os principais centros urbanos do país nas últimas semanas.

A crise na democracia que eles veem, porém, deve ser resolvida "com mais democracia. E dentro das regras do jogo". Para o grupo, é o Congresso quem deve resolver esse impasse da reforma política. 

Leia o manifesto:

Como resposta — equivocada — às reivindicações das ruas, a Presidenta da República propõe, entre outras medidas, a convocação de uma Assembleia Constituinte Exclusiva para elaborar a reforma política. Mesmo que tenha havido recuo segundo notícia de 25 de junho de 2013, o presente Manifesto serve para alertar para futuros projetos desse jaez.

É preciso dizer que a Constituição de 1988 não permite que partes específicas de seu texto sejam modificadas por meio de assembleias de exceção. Toda tradição do constitucionalismo ocidental é uníssona: uma constituinte a constitui, isto é, dá existência a uma Ordem Jurídica. E em nossa Constituição, a única forma de modificá-la está estabelecida em seu artigo 60. É por intermédio de Emenda Constitucional.

É impossível convocar uma Assembleia Constituinte — portanto, inovar o Poder Constituinte e tudo o que ele representa — e, nele, estabelecer a sua prévia agenda, pela simples razão de que já não seria Poder Constituinte. O Poder Constituinte possui soberania.

A tese fragiliza o Estado de Direito e as Instituições democráticas. Além disso, desmoraliza o Parlamento da república como poder constitucionalmente previsto. Se for convocada uma Assembleia Constituinte com fim “específico” de fazer uma reforma política, o Brasil estará cometendo harakiri institucional.

Como se daria essa Mini-Constituinte? Ela seria convocada e funcionaria paralelamente ao Parlamento? Quer dizer que o Parlamento cumpriria o seu papel, enquanto o Poder Constituinte (sic) traçaria o futuro desse mesmo parlamento? Seria uma espécie de Poder Legislativo “lado B” na República? E quem garante os seus limites? O que impede que ele retire direitos sociais, retalhe a ordem econômica constitucional, extirpe o capítulo da comunicação social, enfim, conclua a tarefa que os setores conservadores da sociedade brasileira tentam, sem sucesso, desde a promulgação da Constituição e que agora foi viabilizada pela Presidenta da República?

Não é possível conceber que os republicanos brasileiros assistam passivamente a esse derretimento institucional. A tese da convocação da Assembleia Constituinte exclusiva chega às raias da ruptura institucional, jogando por terra 25 anos de lenta construção democrática. O Parlamento brasileiro deve dar uma resposta à altura, mostrando imediata disposição de elaborar a reforma política pela via da normalidade: aprovando Emenda Constitucional.

Nestes 25 anos, passamos por crises econômicas, reformas constitucionais e um impeachment. Tudo na mais plena normalidade. Crises na democracia se resolvem com mais democracia. E dentro das regras do jogo. Em um Estado Democrático de Direito, é o Parlamento quem deve resolver esse impasse da Reforma Política. Basta aprovar a respectiva Emenda Constitucional ou a legislação necessária. Com certeza, o nosso Parlamento não concorda em se auto-imolar.

Estranhamente, no entremeio de uma crise política, alguns brasileiros – que se julgam mais virtuosos que os demais – querem fazer crer que a culpa da corrupção é da Constituição democrática.

Para esses neovirtuosos, é como se a democracia fizesse mal a um país, é como se fosse culpa da Constituição o afloramento da corrupção no Brasil.

É como se, antes, pairasse a honestidade, e, então, veio a malsinada Constituição, estabelecendo o Estado Democrático de Direito. E, a partir de então, começou a corrupção de parlamentares, caixa dois de campanha eleitoral, etc., como se tais coisas nunca tivessem ocorrido no País! Mutatis mutandis, é como se o Código Penal fosse o culpado pelos furtos! E assim por diante.

Ora, é preciso entender que só se pode convocar uma Assembleia Constituinte na hipótese de ruptura institucional, contra um regime político ditatorial, que deve ser grave, com as instituições inviabilizadas, economia em crise, etc.

Que tipo de democracia é essa em que uma série de passeatas serve para iniciar um processo constituinte? Passeata e manifestação popular deveriam ser algo normal em uma democracia, não um catalisador de momentos constituintes. Será que o medo que nossas elites têm do povo é tamanho que basta uma manifestação para justificar uma ruptura institucional? Imaginemos se fosse assim na França, nos Estados Unidos, na Inglaterra, na Itália e tantos outros países democráticos, quantas constituintes eles teriam que convocar?

Não se arrisca fragilizar um regime democrático simplesmente porque se quer fazer outro – e, aliás, como seria esse outro? A Constituição da República, nascida da ruptura institucional com um regime autoritário e excludente, é coisa séria, fruto de uma repactuação (We the People…), visando à construção democrática de uma sociedade livre, justa e solidária. Não foi por outra razão que nela foram previstas cláusulas pétreas e estabelecida uma forma especial de elaborar Emendas. É nesse sentido que a supremacia da Constituição democrática impede, como garantia dos direitos fundamentais, qualquer alteração que descumpra as normas nela previstas para reger uma reforma constitucional.

É inconstitucional e antidemocrático, portanto, querer fazer uma Constituinte Exclusiva. Fazê-lo é apenas começar algo que não se sabe como terminará. E nosso histórico não recomenda e nem autoriza tais aventuras.

Os republicanos brasileiros estão convocados para a defesa da Constituição! E o Parlamento e a Presidência da República para agirem dentro de suas prerrogativas!

Lenio Streck – UNISINOS e UNESA
Clemerson Clève – UNIBRASIL e UFPR
Ingo Sarlet – PUC-RS
Gilberto Bercovici – USP
Marcelo Cattoni – UFMG
Martonio Mont’alverne Barreto Lima – UNIFOR
Jose Luis Bolzan de Morais – UNISINOS
Marcelo Figueiredo – PUC-SP e ABCD
André Karam Trindade – IMED-RS
Fausto Morais – IMED-RS
Marco Marrafon – UERJ
Thomas Bustamante – UFMG
Onofre Alvez Batista Junior – UFMG
Dierle Nunes – PUCMinas e UFMG
Alexandre Bahia – UFOP
Katya Kozicki – UFPR
Daniela Muradas Reis – UFMG
Cristiano Paixão – UNB
Flávio Pansieri – ABDCONST

Clique aqui para ver a petição.

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