Supremo deveria fazer controle prévio de projetos de lei
11 de junho de 2013, 15h02
O Brasil precisa de um sistema de controle prévio na área tributária. A avaliação é do ministro do Supremo Tribunal Federal Dias Toffoli. O ministro defende que os projetos de lei em matéria tributária deveriam passar por análise prévia do STF para garantir maior segurança jurídica. "São inúmeros os problemas de insegurança do empreendedorismo no Brasil porque não se sabe se o imposto editado é constitucional ou não é constitucional". As declarações do ministro foram dadas no programa Poder e Política, do jornal Folha de S.Paulo e portal UOL.
Na entrevista, o ministro falou comentou a minirreforma eleitoral que tramita no Congresso Nacional. Para o Toffoli, é necessário que haja uma regulamentação da pré-campanha eleitoral. O ministro também se posicionou contrariamente aos novos tribunais regionais federais e os classificou como desnecessários. "Eu entendo que os cinco tribunais hoje existentes já dão conta do recado".
Em outro trecho, Toffoli comenta que as transmissões das sessões pela TV Justiça diminuíram a intensidade dos debates. "Antigamente, no Supremo Tribunal Federal, quando não havia TV Justiça, as discussões eram mais acaloradas. Eram bem mais incisivas. Com a TV Justiça diminuiu. Eu sempre digo que eu sou a favor desses debates, embora eu tenha um outro estilo. Tenho um estilo mais conciliador".
Ao analisar o processo de escolha dos ministros no Supremo, Toffoli afirma que o modelo atual não é o ideal, porém o considera o "menos ruim" entre os existentes. Questionado sobre as férias de 60 dias para magistrados, o ministro afirmou que o direito deve ser ampliado a todos os trabalhadores.
Ao falar sobre a Ação Penal 470, o processo do mensalão, Toffoli estima que o julgamento demore de um a dois anos para ser concluído e, a partir de então, as penas sejam executadas. Até lá, os réus devem permanecer em liberdade, inclusive os quatro deputados que hoje exercem mandato — José Genoíno (PT-SP), João Paulo Cunha (PT-SP), Pedro Henry (PP-MT) e Valdemar Costa Neto (PR-SP).
Leia a íntegra da entrevista concedida à Folha de S.Paulo e ao UOL.
O senhor já faz parte do Tribunal Superior Eleitoral. Vai presidir a eleição do ano que vem como presidente do TSE. E, no momento, o Congresso discute uma minirreforma eleitoral que pretende oficializar ações na época da pré-campanha. É bom ou ruim?
Olha, em primeiro lugar, essa mudança legislativa, se houver, tem que ocorrer até 4 de outubro de 2013. Ou seja, até um ano antes das eleições para ser aplicada em razão do artigo 16 da Constituição Federal.
A questão relativa à pré-campanha, eu há muito tempo defendo que haja uma regulamentação desta situação porque hoje, sem um parâmetro legal, fica a critério do julgador dizer o que foi pré-campanha ou não. E, não havendo parâmetros objetivos colocados pela lei, acaba sendo uma decisão muito subjetiva. Uma interpretação já tem um peso, uma carga decisória, daquilo que é a visão do juiz, daquilo que é a realidade que vai ser aplicada àquela análise jurídica. Quando há parâmetros. Sem haver parâmetros, a subjetividade acaba sendo maior ainda.
Ou seja, para ser pré-campanha, é necessário que se peça votos? É necessário que basta uma reunião em um sindicato para ser uma pré-campanha? Uma reunião em um centro empresarial é uma pré-campanha? Oras, todos esses pré-candidatos hoje fazem isso. Isso é campanha ou não é campanha? Era bom que a lei dissesse.
Que tipo de atividades o senhor acha que seria aceitável na pré-campanha?
Por exemplo: Já se julgou na Justiça Eleitoral que a ida de um pré-candidato para um sindicato debater o futuro do país era uma pré-campanha. Isso não é uma atividade política normal.
Mas pedir voto, fazer uma reunião depois do expediente… Um prefeito, um governador…
Por isso que precisa do parâmetro. Qual é a minha linha de atuação? Eu entendo que há pré-campanha quando há um pedido expresso de voto, quando se faz referência a um novo cargo, quando se faz referência que se quer chegar naquele cargo.
Mas a mera atividade política em que a pessoa vai se fazer conhecer e vai se fazer ouvir e ouvir a sociedade, isso é uma atividade política.
Ministro, existe também uma hipocrisia ali porque o candidato precisa de descompatibilizar em março ou abril, não lembro exatamente, mas a campanha só começa em julho.
Três meses antes.
É. Ou seja, ele fica três meses sem poder fazer, rigorosamente, nada. Ou seja, isso é uma coisa que tem que resolver também, essa janela.
E todo mundo dizendo, todos os jornais. A Folha dizendo todo dia: "O Fulano é candidato". Fazendo pesquisa eleitoral. Como, aliás, ontem mesmo. Saiu hoje. Saíram pesquisas eleitorais.
O senhor acha razoável que um candidato possa — um pré-candidato, presidente da República, governador ou prefeito —, depois do horário de expediente, se reúna com correligionários em um local privado ou recebendo pessoas, mas ainda assim aberto, e diga: "Eu sou candidato possivelmente no ano que vem. Quero organizar a minha campanha". O senhor acha que a lei poderia contemplar isso?
Olha, eu penso que isso é uma decisão dos legisladores. Evidentemente, não sendo um compromisso, não sendo uma atividade pública de campanha, aquilo é uma atividade privada. Eu penso que é lícito. A atividade política não pode ser cerceada. O país lutou tanto para a volta da democracia, lutou tanto para ter eleições diretas, lutou tanto para ter o debate político e, aí, a Justiça Eleitoral passa a ser cerceadora desse debate. Eu vejo como limitações isso. Daí, eu vejo como uma boa a ideia que o Parlamento discipline o que é pré-campanha.
Uma outra coisa que eu penso que é interessante, Fernando e Felipe, é que, no Brasil, nós lutamos para ter eleições para presidente. Todos nós. Conseguimos ter eleições para presidente. Mas, hoje, nós votamos em quem? Naquelas pessoas que os partidos escolhem. Nós temos três, quatro opções para escolher. Um debate prévio, prévias, algum tipo de introdução de um sistema que o povo participasse dessa escolha, que não ficasse na mão de meia dúzia de líderes partidários.
Eu penso que tudo aquilo reforça a democracia, que traz mais valor agregado ao debate político, é bem vindo.
Ministro, no ano passado, ao menos 33 candidatos que concorriam o risco de serem barrados pela Lei da Ficha Limpa perto da eleição, eles abriram mão da vaga e colocaram um parêntese no local. Recentemente, o TSE entendeu que essa manobra é legal. Sem mudar a Lei, como resolver esse tipo de questão?
Eu, inclusive, nesse caso específico, quando votei, eu fiz menção aqui. Nas próximas eleições, independente de mudar a Lei, eu vou começar a votar contrariamente. É que havia uma jurisprudência. Havia, então, este cidadão. Quando ele renunciou e o filho assumiu, ali havia uma situação jurídica consolidada de uma jurisprudência.
Eu penso que isso – e disse isso – tem que ser a última eleição. Tive a oportunidade de ir a uma comissão – esta que o Fernando se referiu, que está preparando uma minirreforma eleitoral para as próximas eleições – na Câmara dos Deputados, coordenado pelo deputado [Cândido] Vacarezza (PT-SP), que eu tive a oportunidade de dizer isso á eles. Inclusive, eu fiz ainda uma proposta mais radical: Que o partido que lance candidato que depois seja declarado inelegível, depois não possa substituir esse candidato. Aí, vários parlamentares falaram: "Não. Vamos colocar um prazo. Pelo menos 60 dias". Que já é para deputados. Para vereadores, deputados, para o Parlamento, portanto, o limite para a troca e substituições é de 60 dias. Parece um prazo razoável.
Em 2006, o Supremo Tribunal Federal derrubou a chamada cláusula de barreira. Deveria até se chamar cláusula de desempenho porque não barra, na verdade. Só impede que tenha certos privilégios o partido que não chega até uma votação mínima no país. Por conta disso, imagina-se que agora, essa cláusula só pode ser introduzida por meio de emenda constitucional. Só que o Tribunal mudou. O Supremo, hoje, tem outros ministros, diferentes daqueles de 2006. O senhor acha que uma nova lei hoje poderia ser considerada constitucional para criar uma cláusula de desempenho?
Eu penso que sim. Eu penso que aquela cláusula estabelecida na Lei 9.096, a Lei dos Partidos Políticos, era bem vinda. E vejam que ela dava um prazo de duas legislaturas, oito anos, para que tivessem, as forças políticas após a redemocratização do Brasil, a possibilidade de se apresentar durante duas eleições seguidas, além daquela que já tinha ocorrido anteriormente, em 90 e 94. A Lei é de 1997. Aí, depois, as eleições de 98 e depois, ainda, as eleições de 2002.
Ou seja, foram várias legislaturas que a Lei previu, portanto, pegando as anteriores, para que houvesse a consolidação das forças políticas pós-redemocratização.
Mas o Supremo derrubou.
Infelizmente. Eu digo isso com tranquilidade: Se lá estivesse, eu votaria diferente. Eu votaria no sentido de manter a cláusula de barreira.
O senhor acha que é possível, por meio de lei, fazer essa alteração?
Olha, uma outra lei pode trazer parâmetros e essa rediscussão se abre.
Mas pode ser uma lei ordinária, no caso?
Veja bem. Sobre a mesma emenda 13, a emenda 14 e a emenda 15, nos Estados Unidos, houve a segregação racial e, depois, houve a ampla igualdade. Então, sobre o mesmo texto constitucional, com o passar do tempo, pode-se ter outras interpretações.
Então, se o Congresso tomar iniciativa de fazer uma nova lei…
O mandato de injunção. O Supremo não aceitava o mandato de injunção logo após a Constituição de 88. E, depois, com a mudança de composição, passou a aceitar.
Então, eu penso que se o Congresso fizer uma lei que seja uma lei razoável, que sejam cláusulas razoáveis… É importante levar os parâmetros que levaram o Supremo a declarar aquela inconstitucionalidade em relação a isso e verificar que tipo de cláusula de barreira pode-se criar. Porque, realmente, conviver com 30 partidos, atualmente… E muitos deles, nós sabemos, não têm força social, não têm base social para sua existência. São comandados por meia dúzia de pessoas para terem acesso á fundo partidário, para terem acesso á rádio e televisão. Eu penso que uma cláusula de barreira bem pensada, pode, em um futuro questionamento no Supremo, vir a ser aceita. Até porque a história ensina.
Então, só para recapitular, mudou a composição do Supremo. É possível, talvez, que, se uma nova lei for apresentada para uma cláusula de barreira ou desempenho, como se diz, ela possa ser considerada constitucional?
Eu nem sei se esse debate está posto no Congresso nessa forma de cláusula de barreira. O que estamos a julgar agora, quarta-feira, será a continuidade de um julgamento daquela questão referente a divisão de tempo de televisão e de fundo partidário. Ou seja, os novos partidos.
O senhor já tem posição sobre isso, aliás?
Não. Ainda não. Estou refletindo sobre isso e penso que o despacho liminar do ministro Gilmar Mendes traz considerações importantíssimas para o estado democrático de direito. Ou seja, as maiorias conjunturais não podem – esta é percepção dele – ficar alterando as regras do jogo a qualquer momento, a qualquer tempo, a qualquer momento, independendo das conveniências de momento.
E a interrupção da tramitação desse projeto de lei no Congresso? É apropriado?
Essa é a questão que eu estou a refletir. Esse limite de atuação do Supremo em relação ainda a uma propositura e não uma lei já editada. Eu já tive a ocasião de defender em algumas entrevistas – mas, na área especializada, na área jurídica especializada porque são questões muito técnicas – mas já defendi que o Brasil deveria introduzir algum sistema de controle prévio na área tributária, por exemplo. São inúmeros os problemas de insegurança do empreendedorismo no Brasil porque não se sabe se o imposto editado é constitucional ou não é constitucional.
Então, traria maior segurança jurídica uma análise prévia..
Como seria isso?
Pois é. Uma análise prévia.
Pelo Supremo?
Pelo Supremo.
Mas o Supremo não viraria um órgão consultor nesse caso?
Não, não, não. Eu penso que isso daí traria maior segurança. E não seria em toda e qualquer área, mas na área tributária e na área de servidor público. Em muitas leis se dá um auxílio ou uma determinada lei que vai render uma área do serviço público, um setor do serviço público em que se dá, ali, um aumento, uma vantagem. E, depois, todo mundo pede a extensão. Aí, três governos depois, 10 anos depois, aquilo se estende, vira o chamado "esqueleto no armário". Ou seja, uma dívida enorme para se pagar a setores da sociedade em detrimento de outros, porque o dinheiro… O cobertor sempre é curto. Não cabe todo mundo.
Oras, a segurança jurídica, muitas vezes, impõe. Nós temos hoje inúmeros. A maior parte dos casos importantes de repercussão geral que estão no Supremo é da área tributária. O Felipe, que é setorista e cobre lá, sabe a dificuldade disso. Estamos a julgar… Julgamos agora casos que começaram o julgamento há mais de 10 anos. Com voto em vista. Isso não é racional, Fernando.
Aí, aquele investidor, aquele… Isso depois afeta a Bolsa de Valores porque, ao longo de 10 anos, conforme a decisão… E ouve casos, realmente, que depois têm impacto na Bolsa de Valores. Ou seja, têm impacto na economia do país inteiro.
O senhor avalia que esse tipo de argumento – que muitas vezes os casos são bilionários – deve ser levado em conta pelos ministros do Supremo, pelo juiz na hora de analisar um caso como esse?
Dias Toffoli: Olha, tem que ser levar em conta a realidade, mas o que se impõe a um juiz, a um julgador, é o que diz a Constituição e a lei. Se um estado deliberadamente foi arbitrário e impôs ao cidadão um imposto que não devia tê-lo feito, ele deve pagar com ônus e com o custo desta intervenção indevida.
Agora, o que eu digo é que o maior desgaste disso tudo é ficarmos discutindo 15 anos, 20 anos. E não é um caso. Não são dois casos. São muitos os casos em que essas discussões tributárias acabam ficando insolúveis e, aí, quando se vai ver, o problema é tão grande que tem impacto na economia.
Mas, o senhor está sugerindo – deixe eu ver se eu entendi – que em determinados assuntos tributários, por exemplo, relativos…
A eficácia da lei é a eficácia condicionada a uma deliberação do Supremo Tribunal.
Isso daí seria como? Antes de votar a lei?
Não. Isso é de lege ferenda, ou seja, de lei a ser feita, de mudança constitucional.
Sim, sim. Mas eu digo, o Congresso…
O ministro Peluso [Cezar Peluso, ex-ministro do STF], quando estava na presidência, até se manifestou publicamente sobre isso tentando colocar isso naquele pacote do chamado "pacto do Judiciário", mas houve resistências do Executivo e o Legislativo também entendeu que aquilo seria uma disfunção. E, mesmo lá na Corte, eu sou, talvez, hoje voz isolada. Tinha o ministro Peluso que pensava igual.
Mas é o debate a ser feito. Os debates começam assim. E, depois de algum tempo, eles podem se transformar em um consenso.
Em alguns países, isso existe. Mas o senhor acha que é viável que o Congresso aprove uma coisa dessa? A gente vê eles reclamando muito pelo contrário, pelo ativismo do Supremo.
Não, não. Ninguém tiraria poderes do Congresso e nem do Executivo. O Congresso elaboraria a lei tributária, o Executivo sancionaria essa lei tributária, e a sua eficácia dependeria de um enforcement, ou seja, de uma determinação da Suprema Corte.
Seria uma espécie de poder de veto do Supremo?
É. E essa lei ficaria não passível mais de discussão.
Então, ela só entraria, de fato, em vigor depois de passar por um terceiro estágio, que seria a análise do Supremo?
Exatamente. Temos situações, Fernando… Nós temos um estado federal. São 26 estados e um Distrito Federal. E nós temos determinados setores da economia. Vamos pegar o setor agropecuário, que está espalhado pelo Brasil inteiro e, hoje, é um setor que está extremamente empresarial. Hoje a nossa agropecuária é empresarial. Ela não é mais amadora, como foi até um tempo atrás. Você tem, no Brasil, cinco tribunais regionais federais. Aí, um imposto aumentará…
Agora, haverá mais [tribunais regionais federais], não é?
E, desde já, eu digo que desnecessariamente, no meu ponto de visto. Realmente, esse é um debate que… Eu entendo que os cinco tribunais hoje existentes já dão conta do recado e têm atendido. Talvez mais para frente, essa criação… Não precisava ser agora, mas isto está lá colocada, a promulgação da emenda.
Mas o que eu quero dizer é isso: Nós temos cinco tribunais regionais. Então, uma decisão tributária – uma posição jurisprudencial, melhor dizendo, sobre matéria tributária – que o Tribunal do Rio Grande do Sul seja favorável ao contribuinte, mas o Tribunal de São Paulo não, o que cria isso? Até o Supremo decidir isso, depois de cinco, dez anos, por um largo passo de tempo, os empreendedores no Rio Grande do Sul terão vantagem de mercado sobre os de São Paulo ou vice-versa. Porque o mercado não tem jeito. O preço ao final do produto é concorrência.
Então, nós temos uma situação em que essa discussão tributária influi na economia real e influi na livre concorrência. Então, precisamos trazer racionalidade ao tema.
Ministro, na semana passada, o Supremo Tribunal Federal decidiu – o senhornem estava lá presente – arquivar um caso referente à um calouro, um estudante de medicina da USP, que morreu logo no início, no trote, quando iria ingressar na universidade. Nesse julgamento, voto vencido, o presidente da Corte, Joaquim Barbosa, para fazer de maneira bem clara, "passou um sabão" nos colegas ali ao final, ao proclamar o resultado. Eu gostaria de mostrar 30 segundos do discurso do ministro Joaquim para que a gente pudesse analisa-lo.
Inserção [Joaquim Barbosa]: Não é a primeira vez que, nesses meus dez anos de Supremo Tribunal Federal, eu presenciei uma situação como a que aqui nós estamos vivendo hoje. De o Tribunal se debruçar sobre teorias, sobre hipóteses e esquecer aquilo que é essencial: a vítima. A vítima. Não se fala da vítima. Não se fala da sua família. Eu quero dizer simplesmente que o Supremo Tribunal Federal está impedindo… Impedindo que essa triste história seja esclarecida. É só isso.
Bom, o que o senhor acha dessa manifestação do ministro Joaquim Barbosa?
Quando você disse que ele "passou um sabão", eu achei que vinha uma coisa mais forte. Isso está dentro do razoável. Antigamente, no Supremo Tribunal Federal, quando não havia TV Justiça, as discussões eram mais acaloradas. Eram bem mais incisivas. Com a TV Justiça, aliás, diminuiu. Eu sempre digo, Fernando, que eu sou a favor desses debates, embora eu tenha um outro estilo. Tenho um estilo mais conciliador. Tenho um estilo de falar menos no que diz respeito aos debates. E, de vez em quando, acabamos nos envolvendo mais com o tema e com o assunto.
Eu entendo que ele não passou um sabão. Ele expressou uma ótima que uma grande parte da sociedade brasileira tem. É que, em matéria de criminalidade e de violência, se faz mais a defesa dos acusados do que o olhar sobre a vítima dos crimes e dos delitos. E o caso concreto, se eu estivesse lá… Eu estava ausente para um compromisso fora do Brasil justificadamente, mas, se eu estivesse lá – e não é por conta da repercussão do caso, eu fico muito a vontade de dizer – eu teria acompanhado o ministro Marco Aurélio, que foi também apoiado pelo ministro Joaquim Barbosa. Eu penso que caberia ao tribunal do júri fazer a análise sobre os fatos.
O ministro Joaquim disse que o Supremo Tribunal Federal esquece o essencial; esquece de pensar na vítima. Isso não é uma palavra forte?
Dias Toffoli: Eu acabei de dizer aqui que, na minha ótica, o Supremo errou lá trás, na cláusula de barreira.
E errou agora também?
Dias Toffoli: Na ótica do Joaquim, errou. E na minha ótica… É que não existe decisão judicial errada. É que essa discussão entre certo e errado no direito não existe. O direito não trabalha com o saber científico. O direito não vai atrás da verdade absoluta. O direito trabalha com a prudência. E a prudência tem uma outra metodologia de trabalho.
Ou seja, qual é a forma de decidir que para em pé? Tem três, quatro decisões que param em pé. Então, onde se tem três, quatro decisões que param em pé, qual é a que melhor para em pé? Qual é a mais sólida? Qual é a mais correta nesse sentido, não de certo ou errado, mas no sentido de solidez. E é nesse sentido que eu entendo, por exemplo, que a história vem mostrando que aquela decisão sobre cláusula de barreira não foi boa para a democracia brasileira. Hoje nós temos na Câmara dos Deputados 23 partidos representados. Existem 23 partidos forças sociais no Brasil?
Essa questão do olhar sobre a vítima é uma ótica e é necessário que o Tribunal seja um colegiado por isso. Porque tem que ter a ótica daquele que veio do Ministério Público, como é ministro Joaquim Barbosa. Tem que ter a ótica do que vem da advocacia privada e pública, na qual eu tenho a minha origem. Tem a ótica do juiz de carreira. Tem a ótica do juiz do Quinto Constitucional, como é o caso do ministro Lewandowiski, que antes foi advogado e depois foi juiz e desembargador de tribunal estadual. Essa ordem de vários olhares é que legitimam a decisão da corte e é o que a sociedade vai analisar ao final.
Ministro, mas o presidente Joaquim, desde que assumiu o cargo, apresentou posições muito duras em relação a alguns segmentos. Por exemplo, criticou a mídia, criticou o Congresso, partidos políticos, o que ele chamou de "conluio entre advogados e juízes". O senhor avalia que é bom ter um presidente da Corte que expresse dessa forma as opiniões dele?
Olha, nós temos… A revolução tecnológica do final do século XX e do século XXI é a comunicação. Se lá no século XIV foi o mercantilismo, no século XVII foi a revolução industrial, a grande revolução de hoje é a comunicação. E a Justiça não pode ficar alheia à disputa da comunicação. Ela não pode. Tanto é que eu estou aqui, fazendo uma entrevista com os senhores, coisa que antigamente, pra se fazer isso há 20, 30 anos, como juiz da corte, era muito difícil.
A corte tem que ir às ruas e expressar as suas opiniões. Ele, como presidente legítimo da Suprema Corte brasileira, eleito através dos seus pares unanimemente, tem todo o direito de verbalizar as visões de mundo que ele tem no papel político de presidente da Suprema Corte. É assim que é. A ministra Ellen Gracie, quando foi presidente, ela deu muita ênfase às relações internacionais. O ministro Gilmar Mendes, quando foi presidente do Supremo e do CNJ, deu muita ênfase ao CNJ [Conselho Nacional de Justiça]. O ministro Peluzo, que tinha um perfil diferente do ministro Mendes em relação ao CNJ, ele deu um perfil de menos atuação, de menos externalidades do CNJ. E o ministro Joaquim tem esse perfil que ele tem. E esse perfil que ele tem é um perfil muito crítico da sociedade brasileira e ele nunca negou isso desde que foi para o Supremo Tribunal Federal, e ele está lá.
E ao fim e ao cabo, muito embora se possa criticar a forma como ele às vezes apresenta os seus argumentos, o fato é que eu, por exemplo, concordo em boa parte com os argumentos que ele coloca. Posso até discordar da forma, mas não é que eu concorde inteiramente, 100%, mas são temas importantes de serem colocados e trazidos à sociedade. É um papel de um presidente de uma Suprema Corte.
Ministro, a ação penal 470, o chamado caso do mensalão, chega agora à chamada fase dos embargos. Esta fase e a seguintes, quanto tempo, no melhor do seu juízo, vão tomar até que o caso chegue de fato a uma conclusão?
Olha, por enquanto vão ser analisados os embargos de declaração. Pelo que tenho conhecimento, apenas um dos condenados apresentou já os embargos infringentes, aqueles que dependem de quatro votos para a sua apresentação, quatro votos divergentes. E a maioria deixou esses embargos infringentes para após o julgamento dos embargos de declaração.
Pois bem, o que temos já? Nós vamos ter que ter o julgamento de embargos de declaração, e quando sair o acórdão desses embargos de declaração, virão embargos infringentes futuramente. A não ser que a Corte entenda pelo não cabimento, desde logo, na análise deste caso, que foi o único réu que apresentou os embargos infringentes, que eles não foram recepcionados pela Constituição de 88. Aí, se isso acontecer, evidentemente que não haverá a possibilidade dos embargos infringentes. Mas esse é um tema ainda em aberto na Corte. Há os que defendem a não existência desse tipo de recursos e há os que entendem que ele é passível de existir.
Então o que nós temos certo é que teremos esses embargos de declaração. Que teremos que enfrenta-los no próximo semestre. Se a Corte admitir a manutenção dos embargos infringentes, virão, posteriormente à publicação destes embargos, embargos infringentes. E do julgamento desses embargos infringentes virão embargos de declaração.
Então, na hipótese do Supremo admitir os embargos infringentes como cabíveis, nós teremos ainda, além desse julgamento de embargos de declaração, pelo menos mais dois julgamentos. É a minha análise.
Ministro, e quanto tempo, só pra pensar, assim, temporalmente?
A questão do tempo é muito difícil dizer porque isso tudo depende do relator. É o relator que é o senhor do tempo do processo.
Mas, ainda sim, pela sua experiência, que militou muitos anos como advogados, foi advogado-geral da União, agora ministro do Supremo, o que é exequível?
Entre um a dois anos.
Uma coisa é o seguinte, os embargos infringentes, se aceitos, só caberão para determinados crimes, se não me engano, no caso do mensalão, lavagem de dinheiro e quadrilha. Em relação aos outros crimes, o Supremo poderia começar a executar a pena de uns enquanto analise as de outros ou teria esperar tudo pra ser executado em determinado momento?
Eu não sou relator do processo. Qualquer opinião minha aqui estaria me antecipando ao relator.
Outra questão é o seguinte. Em relação aos próprios infringentes, o ministro Celso de Mello já adiantou no julgamento que acha que considera validos. Já o presidente e relator, Joaquim Barbosa, é o contrário. O senhor já teve posição sobre o tema e poderia expor agora?
Ainda não, estou com isso aberto para decisão. Até porque temos muito processos, então, cada dia sua agonia. Só que lá não é uma agonia por dia, são dezenas centenas de agonias por dia, são cem processos que chegam ao gabinete todos os dias.
Nesse caso da previsão da conclusão de fato do caso do mensalão, o senhor falou de um a dois anos. A melhor hipótese seria metade do ano que vem, mais ou menos, se não houver os infringentes, se for tudo como de uma forma mais rápida, é por volta de junho do ano que vem, é isso que o sr. diria?
Pode ser, pode ser.
É isso. Então me deixe perguntar também uma outra coisa…
Eu penso que menos de um ano não se conclui totalmente.
E daí não se pode…
Poderá ter discussões como essa que o Felipe abordou, se executa em parte, ou se tem que aguardar o trânsito de todas as penas, ou não.
Mas há também uma outra discussão que pode surgir. Há quem alegue, por exemplo, em um caso que eu sou relator, que foi um voto divergente… Não, não, não, não. Um caso que agora não me lembro quem foi o relator, que foram três votos divergentes pela absolvição. Só que tinham três ministros ausentes. Aí, o advogado do réu alega que, como poderiam haver ministros ausentes que votassem pela absolvição, os embargos infringentes deveriam ser acatados. E coloca em discussão de que, ao reverso da inconstitucionalidade, da não recepcao, de que ficou inconstitucional foi estabelecer a necessidade de quatro votos divergentes. Que bastaria um voto divergente.
Bastaria um voto divergente para o cabimento dos embargos infringentes. E há aqueles que falam até da convenção da Costa Rica e diz que se há duplo grau teria que ter dois julgamentos, mesmo que seja pela mesma corte.
Ou seja, essa discussão é bastante ampla ainda, e tem vários enfoques. Não tem só esse enfoque apenas, o da não recepção.
Esses que defendem a segunda instância argumentam que eventualmente os infringentes funcionariam como se fossem a segunda instância, e cumpriria então esse tratado aí.
O chamado duplo grau de jurisdição.
Por esse argumento teria que valer para todos os crimes, não é?
E aí teria que valer para todos os julgamentos. Eu penso que isso não passa. Eu não quero adiantar o outro, mas essa hipótese eu penso que não… Até porque a nossa Constituição não é explícita sobre o duplo grau de jurisdição.
Entendi. E daí, então, nesse caso em que teremos aí mais um ano, possivelmente, até acabar a fase dos embargos de declaração, publicar acórdão etc, é muito difícil que alguma pena seja executada?
Pela jurisprudência do Supremo, só com trânsito em julgado. Agora, é evidente que se houver algum indicio de que alguém quer se furtar ao cumprimento da lei, aí há a hipótese da prisão cautelar.
E no caso dos congressistas que hoje são réus e aguardam a conclusão do caso, porém exercendo mandato, permaneceriam, portanto, exercendo seus mandatos?
Dentro dessa hipóteses de calendário, acabam quase que coincidindo com o fim de seus mandatos.
Ou seja, para eles não haverá efeito para a perda de mandatos talvez, se demorar até o final do ano que vem?
Mas o objetivo da ação penal não é apear ninguém do mandato que ele exerce. O objetivo dela é trazer aquele que cometeu o ilícito à devida sanção. E, no caso, as sanções estão bastante bem aplicadas.
Ministro, a jurisprudência aplicada pelo Supremo Tribunal Federal nesse caso da AP 470, até por uma questão de coerência, deve ser aplicada a outros casos como o mensalão mineiro que é ligado ao partido [PSDB]?
Eu no caso do chamado mensalão mineiro eu, inclusive, votei contra a recepção da denúncia. O recebimento da denúncia. Eu, realmente, eu não sei como estão as provas lá colocadas. O novo colega, ministro [Luís Roberto] Barroso, que deverá, ao tomar posse, se tornar o relator e, aí, ele traga o caso a julgamento quando já terminada a instrução.
Mas em questão de jurisprudência, assim, se o Supremo…
Em matéria criminal, é muito difícil formar jurisprudência. Eu inclusive já me manifestei lá, você que acompanha sempre as sessões, que eu sou contra a súmula vinculante em matéria penal. A matéria penal tem características muito próprias, muito específicas. Você pode ter alguém que matou uma pessoa, confessadamente matou, só que ele não é punível porque ele agiu em legítima defesa. Então são situações em que a realidade faz.
Eu digo uma coisa sempre quando me perguntam da área criminal – eu advoguei na área criminal, eu fiz júri na área criminal. Eu não sei dizer, Fernando, se nenhum cliente meu se ele é inocente ou culpado. Mesmo eu, que conversava com [eles]. A área criminal é uma área, assim… É muito para a área de psicologia, de análises também em outras áreas da ciência. É muito difícil saber a verdade. É muito difícil saber a verdade.
A propósito disso também, que fez um comentário relativo ao mensalão, o novo colega do senhor, o Luís Roberto Barroso, disse que o julgamento do mensalão, no juízo dele, foi "um ponto fora da curva" porque teria mostrado uma posição mais rigorosa do Tribunal em relação a outros casos. O senhor concorda?
Olha, ele evidentemente fez uma comparação relativa, não é? Eu até acho que, em matéria de jurisprudência criminal, o Supremo não tem uma curva. Ele tem uma reta. Ele é garantista. Historicamente garantista. Se olhar a jurisprudência do Supremo, então ele talvez deveria ter dito um ponto fora da reta. Eu não sei.
É mais que um ponto fora da curva?
Mas o que eu digo é o seguinte: que o Supremo Tribunal Federal não julgava casos envolvendo políticos. E muitas vezes se diz que não o fazia por opção política, quando era por proibição constitucional. Até dezembro de 2001, a Constituição vedava que os parlamentares fossem processados. A Folha, inclusive, foi um dos órgãos de imprensa que defendeu, salvo engano de memória, a mudança desse sistema de vedação, a chamada imunidade formal, a imunidade processual dos parlamentares.
Ou seja, então a partir de janeiro de 2002 é que essas investigações começam a andar. E até se aparelhar investigações etc., e isso ficar pronto para julgamento, vai ser um bom tempo. Então, veja, o Supremo começou a julgar casos penais há pouco tempo no que diz respeito a sua competência originária. E ao agir na competência originária, você atua como se fosse um verdadeiro juiz de primeiro grau, juiz da instrução. Só que, estando na última instância do Judiciário, é diferente de se analisar um recurso, é diferente de você analisar um habeas corpus.
Então, quando se fala da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal… E me desculpe por ter me estendido um pouco mais nesta resposta, mas quando se fala da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal em matéria penal, nós estamos falando de uma jurisprudência em matéria recursal de habeas corpus, que enfoca muitos as questões formais e processuais. Quando passa a atuar como um verdadeiro instrutor e julgador, diretamente, originariamente da ação penal, ele passa a se deparar com as provas e com outras situações. Então, essas jurisprudências não podem ser comparadas porque eu entendo que elas não são a mesma coisa.
No caso do mensalão, muita gente criticou as penas muito altas. Recentemente teve até o julgamento dos PMs do Carandiru e alguns foram condenados a 20 e poucos anos. E no caso do mensalão teve gente com quase 40 anos. O senhor acha que foi desproporcional a pena? Teve muita gente criticando isso ao longo do julgamento. E precisaria rever o cálculo dessas penas?
No caso, por exemplo, do Carandiru, se fosse fazer a aplicação para cada morte a pena individualizada, sem o chamado concurso material… Eu não gosto de ficar com vocês falando termos técnicos. Eu fico tentando pensar numa maneira de traduzir isso. Ou seja, se fosse somar cada um dos crimes individualmente, você teria penas de, no caso do Carandiru, para 1.000 anos. Mas existe uma determinação no Código Penal de que isso pode ser contado como crime continuado. E ao contar como crime continuado, se há um aumento, pega-se a pena de um único crime e se aumenta em um valor proporcional aquela pena aplicada para aquele único crime.
O ministro Marco Aurélio sugeriu no caso da Ação Penal 470 que se entendesse que tudo ali era uma coisa só. Eu estou fazendo uma caricatura – me perdoe o ministro o ministro Marco Aurélio – da situação para uma fácil compreensão. É que tecnicamente para explicar fica mais complexo. Já me desculpo com ele [ministro Marco Aurélio] desde já. Ele quis entender, e entendeu e propôs à Corte que entendesse tudo aquilo [mensalão] como um ato só. E então aplicasse uma pena a um crime continuado que faria com que as penas baixassem significativamente.
Ao se analisar a denúncia, parece ter certa lógica isso que foi colocado pelo ministro Marco Aurélio. Porque realmente a denúncia coloca aquilo tudo como uma coisa só. A única coisa separada que a denúncia colocou foi o caso da Câmara dos Deputados, que ali ela [a denúncia] não evolveu aquilo com a chamada troca de apoio político da base junto ao Congresso Nacional por favores econômicos. Então, aquilo que era a contratação das empresas de Marcos Valério para a Câmara dos Deputados é que estava à parte disso [a denúncia geral do mensalão]. No resto, ela coloca tudo como se fosse uma coisa só: realmente uma política de angariar votos. É isso que a denúncia mencionou. Então, daí de o ministro Marco Aurélio entender de tratar aquilo de uma coisa única, uma coisa só, e aplicar então a continuidade delitiva, o que faria com que as penas baixassem.
Mas, por outro lado, aí é que entra a dificuldade da Suprema Corte em ser um juiz penal originário. Porque nós temos de trabalhar muito com a dogmática jurídica. E essa dogmática jurídica não é algo que se formou no julgamento A, B ou C ou que se forma agora. Ela é uma prática da teoria jurídica. E nós adotamos uma teoria, uma dogmática jurídica na área penal que vem principalmente da doutrina alemã, da teoria jurídica alemã, em que você tem ali exatamente as interpretações já fixadas, as nomenclaturas já dadas. Então, se você fugir de determinadas nomenclaturas, fica difícil quando você é uma Suprema Corte porque você sinaliza não para aquele julgamento, mas você sinaliza para todos os julgamentos criminais do Brasil a possibilidade de uma aplicação daquele tipo de interpretação daquele modelo exegético.
Aí, o que ocorre? Uma série de crimes continuados, por exemplo, que são aceitos em determinados tribunais do Brasil, e que o Supremo não aceita. Como, por exemplo, aquela pessoa que rouba hoje, daqui uma semana rouba um carro, daqui outra semana rouba um carro, daqui mais uma semana rouba umcarro… Alguns tribunais já aplicaram que aquilo é uma continuidade delitiva. O Supremo mesmo não aceita isso na sua jurisprudência. Ele entende que cada roubo daquele [é diferente] porque as circunstâncias de tempo, as circunstâncias de modo, as circunstâncias de local são diferentes, não se aceita a continuidade delitiva. Desculpe-me. É um tema muito técnico e eu não tenho capacidade para traduzir.
Deixe eu perguntar sobre um tema que sempre volta e meia aparece na mídia: A indicação de ministros para o Supremo Tribunal Federal. Neste momento há duas PECs em tramitação no Congresso tentando modificar aí a forma como são indicados. O senhor acha que já está na hora de aperfeiçoar a regra pela qual o presidente da República indica ministros para o Supremo Tribunal Federal?
Olha, a forma de indicação de ministros para o Supremo pode ser comparada a aquilo que que o [Norbeto] Bobbio falou sobre democracia: pode não ser o melhor sistema, pode não ser o sistema ideal, mas é o melhor sistema que a humanidade conseguiu construir para se jogar o jogo da política.
O senhor acha que não há reparo a ser feito?
Eu penso que pode ser considerado não o modelo ideal, mas dos modelos que existem, é o menos ruim.
Tem algum reparo que o senhor sugeriria?
Talvez aumentar o quórum no Senado [para a aprovação do nome indicado]. O quórum no Brasil é de maioria absoluta. Talvez aumentar para dois terços. Porque aí teria uma participação maior da minoria e a possibilidade, então, de uma intervenção maior. Eu fico tranquilo porque eu, se fossem dois terços, eu estaria aprovado.
Mas a possibilidade de a presidente demorar até seis meses para indicar… Fica uma cadeira vaga… Sobre isso não há o que fazer?
Olha, talvez colocar um prazo. Talvez, poderia ser um prazo de 30 dias para a indicação. Mas eu penso que… Olha, demorou, mas foi uma boa indicação, por outro lado. Não é? O ministro [Luís Roberto] Barroso chega sendo bastante festejado e na Casa terá uma boa aceitação, uma boa recepção.
Questão de lista feita pelo próprio Supremo seria uma boa alternativa?
Sou contrário. Qualquer coisa que envolva corporativismo. A ideia de o presidente indicar e o Senado aprovar é a base de legitimidade política e democrática, a densidade política e democrática que um indicado tem que ter. Então, quantos votos o presidente da República teve e indicou aquele cidadão para a Suprema Corte? E quantos parlamentares que aprovaram aquele nome? Talvez, aumentar o quórum do Senado.
A gente viu recentemente o caso do seu colega, o ministro Luiz Fux, que revelou os bastidores da nomeação. E a gente fica se perguntando: o senhor, por exemplo, passou por alguma coisa parecida a alguma coisa parecida com o que ele revelou até em uma entrevista à Folha?
Eu nem sei o que ele revelou para a Folha. Não me lembro o que que foi.
Ele [Luiz Fux] falou, ministro, que fez campanha. Não sei se usou esse termo, mas é como se fosse. Ele foi a vários agentes políticos pedir para que levassem o nome dele à Presidência da República para que ele pudesse ser indicado. Ele fez isso, inclusive, várias vezes. Disse que não conseguiu ser indicado uma vez, tentou de novo e outra, até que conseguiu, por meio de vários interlocutores, que o seu nome, no caso, dele, Luiz Fux, fosse apreciado e indicado. E nesse processo, inclusive, falou com pessoas que eram parte em processos no Supremo, como o ex-ministro José Dirceu. Foi isso o que ele [Fux] relatou. Primeiro: isso é bom, apropriado, que alguém que pleiteie ser ministro procure esses agentes todos para ser nomeado? Dois: ele [Fux] disse que procurou uma pessoa que era parte [em um processo do STF], José Dirceu que era parte no caso do mensalão. É correto?
Olha, eu não vou analisar o caso específico. Desconheço as situações concretas.
Mas um caso desses é bom…?
Mas o que ocorre? Há pessoas da área jurídica que o presidente da República conhece. Ou a presidenta, agora. E há pessoas que [ele] não conhece e que têm a vocação ou têm o desejo ou têm a convicção de que seriam importantes para a nação brasileira atuando no Supremo Tribunal Federal. Essas pessoas que não têm relação procuram, realmente, pessoas que são próximas ao grupo político que esteja no Palácio do Planalto para se fazer conhecer. Para se fazer ouvir. Para se fazer ser recebida.
Não se cria uma relação imprópria?
Eu penso que não. Eu penso que não. Assim como se indica pessoas que são do núcleo de poder – como eu era, como o Gilmar [Mendes] era, como o Celso de Mello era – não cria nenhuma vinculação. De maneira nenhuma. Eu atuo lá com plena liberdade. Gilmar, Celso… Podem ver em relação aos governos dos quais, no passado, fizemos parte e a maneira como temos atuado.
O Brasil, nesse aspecto, é muito mais avançado do que nos Estados Unidos. Lá nos Estados Unidos há uma vinculação mais ferrenha ao grupo político que indica. Se é republicano, se é democrata. Então, aqui no Brasil, não. Aqui no Brasil, há vitaliciedade, aqui no Brasil há plena liberdade.
O senhor, voltando ao tema do mensalão, pouco antes de iniciar o julgamento falou que o senhor não se considerava impedido, por ter vindo desse núcleo de poder, a julgar esse caso que era relativo ao PT, ao governo Lula e tal. Chegou a dizer até que, em um determinado momento, estava estudando uma possível declaração de suspeição pelo fato da [sua namorada] Roberta ter atuado ainda na fase inquérito na defesa do [deputado federal Professor] Luizinho. Eu até lhe cobrava muito isso ao longo do pré-julgamento sobre quando é que o senhor ia se decidir. Eu gostaria de saber, se o senhor pudesse contar, como que o senhor… O que o senhor precisou refletir para tomar essa decisão [e continuar a julgar sem se declarar suspeito ou impedido]?
A decisão de um juiz não é diferente de um caso para outro. Ela é muito solitária. Ela é muito sozinha. Essa é a melhor decisão. Um juiz tem que tomar a decisão consigo mesmo e, idealmente falando, até sem "sigo" mesmo, sem ele mesmo. O que é: você tem que sair de você. Não naquele sentido divino, que alguns acham que o juiz tem que ter. O juiz é de carne e osso. Tem que sair de seus preconceitos, tem que sair de suas idiossincrasias, muitas vezes, e tentar olhar todos os lados, todas as partes. E, aí, voltar pegar a caneta e tomar uma decisão. Essa é a arte de julgar, essa é a metodologia que eu faço, vinculada à Constituição, às leis. Mas não é a Constituição na minha leitura, não é as lei na minha leitura. Como eu falei agora a pouco da dogmática jurídica na área penal. Existem 100, 200, 300 anos em que as nomenclaturas já estão definidas e conceituadas e não é o fato de alguém estar na Suprema Corte que ele tem o poder de mudar um conceito que já é centenário. Então você tem que levar em consideração tudo isso ao se decidir e é uma decisão solitária, sozinha.
Mas o que é que pesou, porque o senhor declarou até "estou considerando". O que pesou na hora que o senhor saiu de si mesmo e decidiu ir adiante?
Não havia, do ponto de vista objetivo, que é o caso de impedimento, nenhuma razão para eu me declarar impedido. E do ponto de vista subjetivo, também não havia nenhuma razão para eu me declarar impedido. Não havia nenhuma amizade íntima, não havia nenhuma daquelas circunstâncias que a lei prevê como incidente para que o juiz não participe de um julgamento.
E olha, confesso que para mim seria mais cômodo simplesmente me declarar suspeito. Eu teria tomado conta dos processos do meu gabinete e teria ficado sem ir à sessão por seis meses. Mas quando o homem está de frente ao seu destino ele tem que enfrenta-lo.
É que havia também notas nos jornais na época pré-mensalão, do início do julgamento do mensalão, que diziam o seguinte: "Poxa, o PT tem muita esperança porque o ministro Toffoli, que foi indicado pelo presidente Lula, vai ter um voto a favor dos réus e não contrário". E, daí, quando o senhorchegou a sugerir…
Talvez erraram. Porque eu condenei alguns, né [risos].
Pois é, exato. Deixa eu… Só concluindo: E, daí, existia a seguinte especulação: "Poxa vida, o ex-presidente Lula está preocupado que talvez o ministro Toffoli não vote". E teria até conversado com o senhor a respeito disso. Essa conversa existiu?
Não. O presidente Lula nunca conversou comigo, não sobre esse caso, sobre nenhum. E eu vou mais longe, Fernando. Você acompanhou alguns casos, como jornalista, que diziam respeito ao Palácio do Planalto na época em que eu era subchefe e outros quando eu era AGU [Advocacia-geral da União]. Vou dar só um exemplo do caso da anistia. O presidente Lula… Eu dei um parecer de que a anistia foi pra valer. Vários ministros de governo… O ministro Tarso Genro, a própria ministra Dilma, hoje presidente da República, o ministro Paulo Vanucchi e o ministro da Comunicação, Franklin Martins, foram reclamar ao presidente que a AGU estava a dar um parecer equivocado, um parecer errado. O presidente disse: "ele é o meu AGU" e nunca me procurou para pedir para eu mudar o parecer. Nunca. Isso eu estou falando quando eu era demissível ad nutum.
Sobre o mensalão, o senhor disse que condenou algumas pessoas. Uma das surpresas, digamos assim, principalmente de petistas, foi a condenação de José Genoino, que o senhor votou para condená-lo. Ele era uma pessoa que, ao longo do processo, a gente ouvia de petistas dizendo que era uma injustiça contra ele, existia muita defesa em relação ao nome dele. Foi complicado tomar essa decisão em relação a ele, que era um petista histórico e uma pessoa até querida por pessoas da sua convivência?
Tão complicada quanto qualquer outra decisão. Como eu falei, é uma decisão muito sozinha. Conheço o deputado José Genoino. Respeito sua história. Respeito seu passado. Teve contribuições admiráveis para a nação brasileira. Mas eu tinha que julgar com aquilo que eu vi nos autos e com essa liberdade que o juiz tem que ter. Não por determinados vínculos ou relações que teve no passado.
Talvez para mim, o mais cômodo seria eu realmente ter me declarado suspeito, mas eu estava diante do destino. Que juiz eu queria ser a partir dali? E eu optei por enfrentar. Absolver aqueles que eu entendia que não há provas. Não há provas contra José Dirceu, eu digo isso claramente. Não há. É a minha opinião diante do que eu li do processo. E votei assim, acompanhando o ministro revisor, ministro Ricardo Lewandowski. Agora, em relação a outros, pelo que eu analisei, e meu voto está dado, está ai colocado, está público… Felizmente nós vivemos em um país em que os votos são públicos. Pouca gente sabe, Fernando, que quase a totalidade dos outros países, isso às vezes não é transmitido ao vivo, etc., fica-se sabendo depois, ou se acomoda no acompanhamento de um relator.
O senhor declarou que foi a sua convicção, o senhor votou desse jeito, que não há provas contra José Dirceu, votou para absolvê-lo, como o ministro revisor Ricardo Lewandowski. Essa convicção também foi o que norteou quando o senhor estava como advogado-geral da União e houve o convite do Ministério Público Federal para entrar em conjunto com a AGU com uma ação de improbidade contra José Dirceu e a AGU preferiu ficar de fora deste caso?
Não, não. Isso daí são coisas completamente diferentes. O que ocorre é que eu nunca aceitei, enquanto AGU, que o Ministério Público pautasse a instituição Advocacia Geral da União. São coisas completamente diferentes. Aliás, eu criei na Advocacia Geral da União o Departamento de Defesa à Probidade e Recuperação de Ativos e comecei a entrar com ações contra políticos. Eu gostaria que a imprensa um dia fizesse um levantamento: Quanto esse departamento que eu criei enquanto AGU já recuperou de recursos públicos para o Estado e quanto que o Ministério Público em 20 anos recuperou? Façam um comparativo.
Ministro, ativismo judiciário. Já falamos um pouco aqui, mas eu gostaria de retomar um pouco. O senhor acha que essa reclamação que a gente ouve dos políticos em relação ao judiciário é procedente?
Olha, isso seria uma longa conversa porque eu quando gosto de abordar esse assunto, eu gosto de ir lá na proclamação da República, criação do Supremo Tribunal Federal do Brasil, passando ao longo da história.
Não faça isso [risos].
Então, vamos tentar sintetizar. O Supremo hoje, com a Constituição de 88, passamos a ter uma Constituição nova com um Supremo antigo. Quando vem a substituição dos ministros e a nova geração, nós passamos a ter um Supremo Tribunal Federal que está aggiornato, para usar a expressão do aggiornamento, está atualizado com a atual Constituição, está em sintonia com a atual Constituição e passa a aplicá-la, dar efetividade. Ao mesmo tempo, no mundo inteiro existe um movimento de um maior poder às Constituições, uma maior efetividade às Constituições. Isso também não é algo que nasceu ao acaso, é algo que vem crescendo desde a…
Mas isto posto?
Isto posto, o que ocorre? Nós temos uma Constituição. E essa Constituição traz poderes ao Supremo Tribunal Federal e o Supremo Tribunal Federal, ao aplicar a Constituição, muitas vezes ele atua de diversas formas. Uma das consequências de sua atuação, da sua forma de atuação, é achar que se está imiscuindo em decisões do Parlamento, quando, na verdade não está se imiscuindo, nem substituindo. Ele está sendo provocado. Porque o Judiciário é um poder eunuco. Ele não tem desejo. Ele é desejado pelos outros, mas ele não tem desejo. As pessoas provocam o Judiciário. Isso que nós vamos julgar, sobre a tramitação de um projeto de lei, foi provocado por um parlamentar.
Então, o que ocorre, esse ativismo eu não o vejo, assim, como um ativismo. Até porque uma não decisão, uma omissão, como já ocorreu no passado, quando o Supremo aplicava uma Constituição nova com o pensamento antigo, no sentido conservador, ou numa época em que a Constituição era a Constituição dos militares e que traziam princípios escritos, mas que não eram pra valer e o Judiciário, muitas vezes, historicamente não lhe dava a devida efetividade, o devido enforcement, isso também não é um ativismo? Um ativismo por omissão? Por não assumir suas responsabilidades? Por não agir?
Agora, recentemente o novo ministro, Luís Roberto Barroso, afirmou que o Supremo pode ser mais ousado quando a questão trata de minorias. O senhor concorda com isso?
Eu volto a dizer: juiz não tem que ser ousado. O juiz não pode ter desejo. Eu tenho uma visão de mundo. Evidente, todos nós temos. Agora, se eu quero impor essa visão de mundo do ponto de vista da inovação, eu tenho que deixar a toga, entrar em um partido político e disputar o voto popular. A minha atuação não é de desejo, minha atuação é de guarda da Constituição. Então, de acordo com aquilo que está na Constituição, é que eu posso atuar quando provocado, quando há uma ação provocando. Juiz não pode ter desejo.
Então não se trata de promover direitos de minorias ou não promover, trata-se de cumprir a Constituição. E ficar falando de minorias…
A nossa Constituição defende as minorias ou não defende? Aonde defende? Como defende? Ai, então, uma vez que provocado, analisar essas situações.
Mas, então, o senhor é contra esses conceitos do neoconstitucionalismo?
Sou. Eu já disse isso em voto. Essa ideia de que o juiz tem que ir atrás de fazer a Constituição valer, isso não é o papel do juiz. O juiz é guarda.
Ministros, há na sociedade uma percepção, o senhor há de talvez concordar, imagino, de que o Judiciário brasileiro é lento. Trabalha devagar por vários aspectos. Essa também seria uma discussão muito longa.
Falei aqui da questão tributária.
Pois é. Agora, um aspecto que é muito fácil para qualquer brasileiro entender é que juízes têm, oficialmente, mais dias de férias do que têm os outros trabalhadores. Eu sei alguns juízes, magistrados como o senhor do Supremo, que já estiveram aqui falam: "Mas eu trabalho nas férias, nem tenho férias, nem tiro". Mas isso é uma outra questão, o fato é que oficialmente tem.
Essa está fácil de responder. Sabe por quê? Fui perguntado na sabatina sobre isso e eu falei: Por que vossas excelências não ampliam o direito de férias de dois meses para todos os trabalhadores brasileiros, como deveriam fazer em relação às empregadas domésticas que têm descriminação? E hoje… Isso eu disse na sabatina, que a legislação brasileira discriminava as empregadas domésticas, e veio uma emenda constitucional para dar igual tratamento.
Mas o senhor acha que no caso dos magistrados, dos juízes…
Ou seja, não vamos cortar para baixo. Vamos ampliar os direitos.
Mas o senhor… Como assim? Falando sério, o senhor acha que o…
Eu estou falando sério.
O senhor acha que dois meses de férias para todos os trabalhadores?
Por que não?
Mas é viável isso? Economicamente isso é viável, ministro?
O debate… Eu não coloco o debate no sentido de cortar direitos, mas de ampliar direitos. Por que então não se cortou os direitos de todos para trazer aos da empregada doméstica, que existia uma discriminação? Por que se ampliou?
Mas se ampliou até o limite dos funcionários…
Aliás, isso até tem um nome no meio jurídico, que é o retrocesso social.
O senhor acha, portanto, que tem que ser mantido o período de 60 dias [de férias]?
Eu sou a favor da manutenção das férias de 60 dias. Disse isso na minha sabatina. Ou seja, os senadores que me aprovaram, os mais de dois terços dos senadores que me aprovaram para o Supremo Tribunal Federal sabiam que eu defendia férias de dois meses de juiz.
E o senhor defende que isso seja estendido para todos os trabalhadores?
Defendo.
O senhor não acha que isso destoa um pouco do modelo econômico que é aplicado na maioria das democracias que são bem sucedidas atualmente?
O Brasil há muito tempo tem férias de 30 dias para a maior parte dos trabalhadores. O Brasil tem. Muitos países não têm. Tem países, não sei aqui dizer, Japão, México, o próprio Estados Unidos, que em alguns lugares são nove dias úteis, 12 dias úteis, 13 dias úteis, duas semanas…
Então, mas o Brasil não estaria… indo mais na contramão?
O Brasil já esteve à frente disso. Já está à frente disso. O Brasil lançou a urna eletrônica, foi à frente de outros países nessa área. Então o Brasil não é só…
Economicamente falando, o senhor acha que isso é viável?
Economicamente falando, diziam que a abolição da escravatura ia destruir a economia fazendeira e cafeeira do Brasil. Destruiu?
É. Mas hoje em dia, com esse dinamismo econômico, 60 dias por ano todo mundo parar… Tem um custo. O preço dos produtos e dos serviços produzidos ficará maior com mais direitos oferecidos aos trabalhadores na comparação com outros países que oferecem os mesmos serviços e os mesmos produtos.
Será que o problema de custo do Brasil é o preço da mão de obra? Se dizia que aumentar o salário mínimo.. Eu lembro que eu estava na Casa Civil na época e que o presidente Lula decidiu sozinho, contra a opinião de todos, aumentar o salário mínimo para valer no Brasil. Um aumento real.
Mas não acho que é o valor do salário, propriamente.
Diziam que isso ia quebrar o país etc. O Palocci dizia isso, a área econômica dizia isso.
Não o valor do salário, mas os encargos.
Vamos olhar para o povo trabalhador. Vamos parar com essa história de que… Tudo na história que se falou que aumentar o direito para o trabalhador quebrava a economia, quebrava o país, quebrava empresário, se mostrou uma falácia.
Para o senhor, qual é então o principal custo Brasil?
A burocracia é um custo. A necessidade de se investir em infraestrutura. Esse é o grande custo do Brasil. O tempo que se perde. As pessoas para irem trabalhar em São Paulo e Rio de Janeiro perdem duas horas para ir, duas para voltar. Tudo isso é custo. Tudo isso é dinheiro.
A inovação tecnológica… Há uma entrevista, não sei se foi na Folha e hoje ou de ontem, do [Fábio] Gandour, que é um executivo da IBM da área de pesquisas, médico de formação e que é uma pesquisa muito interessante. O Brasil tem investir em inovação e tecnologia como negócio. Isso gera riqueza nova.
A propósito, o senhor participou do governo do ex-presidente Lula, conheceu como funcionava o governo. Hoje, acompanha um pouco de longe, mas acompanha o governo – todos nós – da presidente Dilma. O senhorvê diferenças nessas áreas de gestão dos dois governos?
O estilo é diferente. Pelo que eu leio, o estilo da presidente Dilma é um estilo que se baseia mais na autoridade versus subordinação. O presidente Lula era um presidente que ouvia mais, que sentia mais e depois ele tomava uma decisão. Ele não tinha ideias pré-concebidas, não tinha certezas, ele tinha mais dúvidas que certezas.
E a presidente Dilma?
Ah, eu penso que tem mais certezas do que dúvidas. É um estilo diferente.
É por isso que talvez o país esteja crescendo um pouco menos agora?
Não. Não é isso. Eu não estou entrando nessa discussão.
Ela delega menos, não é?
Ela delega menos, centraliza mais. Pode-se tentar deduzir várias hipóteses. "A mulher é mais centralizadora" mas, enfim, não sei as razões. Eu não estou lá. O que eu posso dizer é que o presidente Lula, por exemplo, nunca interveio no meu trabalho. Nunca disse: "Toffoli, isso que você falou está errado. Esse parecer está equivocado", "Toffoli, faça um parecer assim, que eu estou precisando de um parecer para isso". Nunca. Nunca o presidente Lula interveio no trabalho quando eu fui subchefe de assuntos jurídicos da Casa Civil, nem quando eu fui advogado-geral da União. E ele sempre ouviu as minhas opiniões, ele sempre foi atento. Sempre tive a liberdade de dizer não ao presidente da República.
Será que isso não acontece hoje?
Não sei. Aí tem que perguntar para quem é ministro lá hoje.
O senhor hoje está hoje com 45 anos. Pretende ficar [no STF] até os 70? Já refletiu sobre isso ou vai tomar o mesmo caminho…
Eu espero que aprovem a vitaliciedade à la americana. E que Deus me dê muitos anos de vida.
Não está no seu horizonte, eventualmente, em algum momento, se aposentar antes dos 70 anos?
Não, hoje não. Não posso responder pelo futuro, nem pela história. Mas veja, a atuação em uma Suprema Corte é de uma grandeza e de uma possibilidade de contribuir com a nação que poucos cargos na República permitem. E com liberdade. Porque não depende de voto, não depende de nada. É o trabalho da sua consciência. É a sua responsabilidade. É o seu trabalho sozinho e que você tem que sopesar milhões de situações, das consequências da sua decisão.
Por isso que, por exemplo, eu falei aqui: a proposta do ministro Marco Aurélio – proposta interessante naquele caso – da continuidade delitiva, mas aderir àquela tese, com reflexo que ela poderia trazer em milhares de casos, eu naquele momento entendi que não era adequado.
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