Judiciário democrático-contemporâneo pode ser inovador
13 de janeiro de 2013, 7h00

Avançar para um Judiciário democrático-contemporâneo é o grande desafio após a implantação e o amadurecimento do sistema democrático. E a pergunta instigadora que se coloca é: pode o Judiciário democrático-contemporâneo ser criativo e inovador?
A relação democracia e Judiciário guarda proximidade com o tema da eleição direta dos dirigentes dos tribunais por todos os juízes e não somente pelos integrantes das cortes. Penso que se caminha para este consenso a partir das experiências de diversos Ministérios Públicos e do crescente debate sobre o tema. A questão também depende, em parte, da mudança de mentalidade das cúpulas que congregam poder e nem sempre estão preparadas ou dispostas a compartilhar os poderes (diga-se que compartilhar poder é um dos princípios elementares da democracia).
A par da perspectiva interna acima referida, há ainda revoluções e transformações, muitas delas silenciosas, que promovem rasgos significativos nas estruturas conservadoras e tradicionais do Judiciário. Em regra, as transformações partem das bases, dos juízes de primeira instância, que vencem a postura estática, reservada aos gabinetes, por meio da interação e integração com a comunidade jurídica e a sociedade civil. A proximidade dos juízes de primeira instância com os casos concretos revela, de forma direta, as dificuldades e os entraves à prestação jurisdicional, bem como despontam alternativas para efetivá-la, principalmente diante de inúmeras frustrações vivenciadas.
Interação, integração e proximidade são fatores fortes que impulsionam a mudança de paradigma do Judiciário. As ações dos magistrados calcadas nas premissas acima expostas são destaque na mídia e ganham a credibilidade das comunidades locais. Os agentes e operadores jurídicos vislumbram novos horizontes de realização de justiça, fortalecem parcerias, novos espaços, diferentes dos tradicionais, são construídos e proliferam para outras cidades e comunidades. Ao ponto de muitas ações que chegam até as cúpulas são encampadas e as ideias se transformam em políticas públicas para o Judiciário.
Pode parecer que as linhas acima escritas são frutos apenas de reflexões filosóficas de um modelo de justiça e Judiciário democrático-contemporâneo. Ao contrário, a partir da observação de certas práticas, em especial nos últimos dez anos, foi possível perceber que as principais alterações nos sistemas judiciais advêm da inovação e criatividade dos operadores do Direito, em especial, dos magistrados responsáveis pela condução de processos em primeira instância. Logo, a partir do estudo a respeito da sociologia das práticas judiciais (instrumentos fundamentais para observarmos as transformações que ocorreram de baixo para cima), percebe-se que elas são instrumentos indispensáveis na construção de uma teoria (não de uma teoria geral, pois defendo que nas sociedades contemporâneas não há espaço para teorias generalizantes e universais), sobretudo democrática, para um Judiciário verdadeiramente democrático-contemporâneo.
Aguçada a curiosidade para exemplos daquilo que acima escrevo, cito as práticas de conciliação implantadas no Judiciário cuja referência será exposta a seguir, para além de diversas e inúmeras experiências que ocorrem constantemente nos órgãos judiciais.
A conciliação não é novidade criada pelas sociedades contemporâneas (Freitas, 2012). Talvez a conciliação tenha sido a primeira das fórmulas de resolução de conflitos. Após chegarmos ao extremo da “judicialização de tudo”, inclusive da vida privada e pública, com o esgotamento e exaustão do sistema oficial judicial de resolução de conflitos, o sistema retorna a dar relevância às formas de conciliação. Num primeiro momento a partir das experiências dos juizados especiais de pequenas causas (articuladas em grande parte por magistrados de primeiro grau), depois pelo próprio legislador com as Leis 9.099/95 e 10.259/01 e as referências expressas às formas conciliatórias. A partir da mudança de paradigma impulsionada pelas citações acima proliferaram diversas experiências de conciliação no Judiciário.
Dentre muitos exemplos que podem ser citados (ver a quantidade de experiências, projetos e boas práticas inscritas no Prêmio Innovare), destaco uma prática. A experiência de conciliação realizada na Subseção de Maringá/PR nas demandas sobre o sistema financeiro de habitação. De fato uma parceria entre os envolvidos foi estabelecida e os resultados foram excelentes no sentido de solucionar os contratos de mútuo hipotecário com transações recíprocas das partes e solução de inúmeros conflitos. A prática foi levada ou buscada por outras localidades de todo o Brasil até aportar no CNJ, e tornar-se referência, bem como integra o programa nacional de conciliação (Resolução 125/2010 do CNJ).
Numa análise sociológica (também filosófica) é possível observar e constatar que as práticas, as boas práticas, verificadas no Judiciário brasileiro são espaços de criatividade e inovação dos operadores do sistema judicial com destaque para a participação ativa dos indivíduos envolvidos. Em outras palavras, a abertura de espaço no Judiciário fomenta a participação democrática no sentido de inovar e criar novas formas partilhadas de decisão ou dar nova roupagem as velhas e antigas formas de resolução de conflitos. O juiz inovador e criativo compartilha o poder decisório e as responsabilidades da solução do conflito. De outro lado, o magistrado inovador e criativo não pode prescindir de buscar parcerias institucionais ou com a sociedade civil, as quais facilitam e aperfeiçoam a administração da justiça e a prestação jurisdicional, sobretudo, porque aproximam as pessoas do Judiciário.
As práticas revelam aspectos democráticos de alta intensidade (Santos, 2001), pois são: a) construídas das bases para as cúpulas (de baixo para cima); b) envolve a comunidade (sociedade civil, entidades públicas e privadas, governamentais ou não) que compartilha os espaços e as responsabilidades sobre a decisão, principalmente por participar do processo de construção da decisão; c) notabilizam pela utilização de instrumentos e estruturas mais próximas das pessoas e em sintonia com as sociedades contemporâneas.
Num retrospecto sintético dos princípios da administração pública, após a Constituição de 1988, percebe-se que a luta da sociedade civil e classe política consistia em dar aplicabilidade efetiva aos princípios da legalidade e impessoalidade, desprezado, ignorados e desrespeitados pelo regime totalitário anterior. Num segundo momento, na década de 1990, a pauta voltou-se para a observação e efetivação dos princípios da moralidade e eficiência administrativa. Posteriormente, assistimos a evolução do princípio da publicidade para o da transparência e controle social dos atos administrativos. Então, a partir das experiências observadas e narradas acima, penso que a democratização da administração pública, inclusive do Judiciário, deve pautar-se na abertura de espaços de participação das pessoas, principalmente voltados à criatividade e inovação, na construção das ações administrativas consentâneas com as sociedades contemporâneas. Portanto, a aposta é para o fortalecimento dos princípios da inovação e da criatividade.
Neste sentido, proponho uma observação mais atenta às práticas que despontam por todos os segmentos do Judiciário brasileiro para retirar aspectos democráticos e participativos que poderão ser agentes transformadores para um Judiciário democrático-contemporâneo, independentemente de reformas normativas, mas que sobretudo, em breve, serão alçadas como premissas e ações para uma revolução democrática da justiça.
FREITAS, Vladimir Passos de (2012). Conciliação é a melhor forma de solução dos conflitos. São Paulo: ConJur. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2012-out-14/segunda-leitura-conciliacao-melhor-forma-solucao-conflitos
SANTOS, Boaventura de Sousa (2001). Direito e democracia: a reforma global da justiça. Porto: Afrontamento.
ZAFFARONI, Eugenio Raúl (1995). Poder Judiciário: Crise, Acertos e Desacertos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais
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