Filhos de julgadores

Higidez do Judiciário não pode estar sob suspeição prévia

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18 de fevereiro de 2013, 15h40

A opinião pública vai discutir mais uma pauta levantada pelo Conselho Nacional de Justiça: o filhotismo. Com a alcunha pejorativa, trata-se da advocacia de filhos de julgadores, nos tribunais dos quais os pais são desembargadores ou ministros. Disse a Ministra Eliana Calmon que “eles vendem a possibilidade de influenciar nos processos aqui dentro”, referindo-se ao Superior Tribunal de Justiça. E arremata a denúncia, apontando uma acumulação patrimonial espantosa, comparando-se à modéstia das condições da própria magistratura. Diz o atual Presidente do CNJ que a advocacia de filhos de julgadores “fere o princípio do equilíbrio de forças que deve haver no processo judicial”.

Convido todos a problematizar sobre o tema a fim de entender as implicações. Nas unidades federadas, há um único tribunal que jurisdiciona a justiça estadual. A esmagadora maioria dos advogados atua quase exclusivamente no âmbito estadual e federal ligados estreitamente à seção onde moram. Estaria vedada a advocacia de um filho de desembargador? Como poderia o parente do julgador sobreviver no próprio domicílio profissional, caso seja tolhida a liberdade de recorrer e patrocinar causas nos respectivos tribunais? Na prática, a parte contratante seria obrigada a contratar outro advogado e este substabelecer para outro colega? Ou deveria ser vedada a atuação do advogado-filho apenas em processos na câmara julgadora do juiz-pai? E nos casos afetos ao tribunal pleno? A proibição seria estendida a sobrinhos, netos e compadres? E nos casos de promoção, como ficariam recursos em que advogados-parentes já atuavam anteriormente?

É claro que há o mecanismo da suspeição e do impedimento, afetando a participação de julgadores ligados tão estreitamente pelo parentesco, previsto nos artigos 134, IV e 135, I, IV e V do Código de Processo Civil. No entanto, a questão fomentada pelo CNJ é mais ampla e transbordaria os casos de exceção para simplesmente vedar a atuação direta de filhos, irmãos e esposas de desembargadores e ministros, de forma generalizada, nos tribunais cujo um assento fosse ocupado pelo parente. Uma vez proibido o exercício profissional do titular, poderia o sócio do escritório continuar advogando? Deveria a petição retirar o timbre do filho do julgador? São tão absurdas hipóteses que beiram a o ridículo.

É que o personalismo e o patrimonialismo são tão arraigados na mentalidade e na práxis brasileiras que, realmente, uma questão de tão baixo quilate é capaz de despertar um sério debate nacional. E, como testemunharam dois ministros, há comprovadas influências de parentes de julgadores sobre colegas de seus pais, a vender facilidade, influência e resultado. Resumindo: o lobby criminoso que abarca um amplo espectro penal — do tráfico de influência à corrupção ativa e passiva. E de tão afrontosos são os pedidos e as promessas de uma suja minoria que a regra da advocacia limpa fica comprometida pela picaretagem de exceção que grassa nos tribunais brasileiros.

Os advogados sérios, éticos, honestos que são irmãos, filhos, netos e cônjuges de julgadores estão indistintamente ameaçados por episódicas corrupções de empresários inescrupulosos que procuram as facilidades do parentesco, a descompostura de advogados malandros que se apresentam como parentes e não como patronos e, finalmente, a criminosa cobertura dos próprios julgadores que se inclinam pela fraternal simpatia e não sabem discernir o parente do colega, do profissional que se apresenta insidiosamente. De fato, como disse a Ministra Eliana Calmon, deve haver muitos casos em que a sobrevivência do “filhote” depende do prestígio paternal, prosperando os desprezíveis “embargos auriculares”. No entanto, é abominável injustiça fazer da exceção uma regra. Mais proveitoso seria discutir o patrocínio que o Judiciário recebe de empresas particulares.

O bom advogado não se vê ameaçado pelo picareta. E o bom julgador não se vê constrangido e sim orgulhoso pelo sucesso dos filhos honestos. Quem é ético, sabe distinguir alhos de bugalhos. Ir além dos já previstos impedimentos e proibir indistintamente a advocacia em todo o tribunal onde parentes têm oportunidade de atuar não só é um atentado à liberdade profissional como piora o cenário pela camuflagem do que se quer ver revelado. É muito mais saudável a transparência que se fiscaliza (e se pune, quando há corrupção) do que o tráfico de influência de sociedades informais de advogados que se escondem do/no parentesco. A higidez das instituições judiciárias não pode estar sob uma suspeição prévia, onerosa e preconceituosa. De mais a mais, no final das contas, todos sabem quem é quem.

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