Lei de drogas

"Maior problema das drogas são as doenças que causam"

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2 de fevereiro de 2013, 4h00

Aumento da pena para o tráfico de drogas e diminuição das atenuantes, para que o traficante fique fora de circulação mais tempo e não funcione como veiculador do ‘‘vírus da epidemia da droga’’. Este é o tom do  Projeto de Lei 7.663/2010, que altera a legislação do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sinad), prevista na Lei 11.343/2006. De autoria do deputado, médico e ex-secretário da Saúde do Rio Grande do Sul, Osmar Terra (PMDB-RS), o novo texto deve ser colocado na pauta de discussões da Câmara dos Deputados, nos próximos dias.

Hoje, a Lei Antidrogas prevê reclusão de cinco a 15 anos para o tráfico. O texto que será votado na Câmara, da relatoria do deputado Givaldo Carimbão (PSB-AL), estabelece aumento de pena de 1/6 a 2/3 para o tráfico de maior potencial ofensivo, como o crack.

O texto cria a figura da internação involuntária, uma novidade no país. ‘‘É a baixa contra a vontade daquela pessoa que dorme na rua, vendeu tudo que tinha em casa, não consegue mais trabalhar, estudar e come resto de lixo. Ela não pode ser internada, pela lei atual, porque não quer ser tratada. Com a baixa involuntária, a família, que sofre tanto quanto ele, pede a internação, e o médico determina. Não precisa do juiz’’, esclareceu. O Brasil já contabiliza 1% da população dependente só de crack. Isso representa quase dois milhões de pessoas – uma quarta parte deste contingente irá morrer até o quinto ano de consumo.

As novidades não param por aqui. Há ainda incentivos para as empresas disponibilizarem vagas aos dependentes em recuperação e o financiamento público das comunidades terapêuticas, desde que sigam critérios técnicos adequados prescritos pelo Ministério da Saúde. ‘‘Criamos a responsabilização dos gestores. Ninguém vai poder jogar a responsabilidade para o outro. Tem que assumir a responsabilidade, resolver, ajudar nas políticas públicas, na prevenção ao atendimento, prevenção e repressão. Cada nível de governo vai ter a sua responsabilidade.’’

Terra disse que propôs esta mudança na atual legislação porque, como secretário da Saúde (de 2003 a 2005), teve enorme dificuldade legal de enfrentar a questão. ‘‘Uma das razões é o conteúdo contraditório e ideologizado da lei existente, que levou a um gigantesco agravamento do problema de 2006 para cá’’, justificou. No seu entendimento, os conceitos filosóficos de sociológicos que embasaram a Lei 11.343 levaram ao aumento da violência e ao desastre das políticas públicas.

Para o parlamentar gaúcho, é muito mais desumano ver este contingente de doentes aumentar do que enfrentar o tráfico. ‘‘Se pesarmos bem as coisas, veremos que vale mais a pena criar sistemas eficientes de enfrentamento ao tráfico e manter diminuído o número de usuários do que o contrário.’’

Leia a entrevista:

ConJur – Quais são os principais pontos do Projeto de Lei 7.663/10, de sua autoria, que irá balizar a nova lei de drogas que será votada na Câmara dos deputados neste mês, em substituição à Lei 11.3453/2006?
Osmar Terra – São mais de 30 pontos que sofreram alterações. Destaco alguns que considero vitais. O envolvimento com drogas que causam dano mais rápido e mais mortes terá previsão de pena maior em até dois terços – como é o caso do crack. Outra mudança é a questão da baixa involuntária. Hoje, a lei diz que o usuário tem direito de decidir se quer a internação – mesmo que viva transtornado mentalmente e que tenha vendido tudo a sua volta para comprar crack. Ora, esta pessoa não está em condições de decidir nada, pois perdeu completamente o discernimento das coisas. Ela precisa de ajuda urgente. Por isso, a nova lei prevê que, se a família pedir e o médico determinar, o usuário será internado. Outro ponto importante é que passaremos a colocar na rede de atendimento uma série de entidades que hoje não são reconhecidas, como as comunidades terapêuticas. Se seguirem critérios técnicos e científicos adequados, elas serão financiadas com recursos públicos. Outro ponto é conceder isenção fiscal às empresas que se propõem a oferecer emprego aos dependentes em recuperação. Isto é importantíssimo para a recuperação do usuário. Finalmente, a lei cria um sistema de monitoramento, a fim de comprovar os resultados de tratamentos que são levados a cabo. E isso inclui estabelecer um protocolo científico que avalie adequadamente um centro de atendimento do usuário no Rio grande do Sul e outro no Nordeste, por exemplo. Ou seja, uniformizar alguns critérios. Assim, os gestores têm de seguir uma determinada regra, podendo ser responsabilizados em caso de omissão.

ConJur – E há ânimo, na Câmara dos Deputados e na sociedade, para mudar a atual legislação sobre drogas?
Deputado Osmar Terra – Há, sim. Tanto que a Comissão Especial do Sistema Nacional Políticas sobre Drogas aprovou por unanimidade, no dia 11 de dezembro, o relatório do PL 7663/10, cuja relatoria pertence ao deputado Givaldo Carimbão (PSB-AL). O texto do PL, de minha autoria, prevê aumento de penas para traficantes e foi preservado na essência. A mudança do marco legal reflete um anseio da sociedade.

ConJur – O Senado também discute a reforma do Código Penal, proposta por um grupo de juristas que quer descriminalizar totalmente o usuário. O senhor acha que vinga?
Deputado Osmar TerraEu acho que esse grupo de juristas não representa a sociedade, mas uma linha de pensamento. Não representa a opinião do Parlamento. Na medida em que este tema for para a discussão, nós vamos poder nos posicionar melhor.

ConJur – A descriminalização poderia abrir a ‘‘porteira’’ para a legalização das drogas?
Deputado Osmar Terra – Lógico que abre caminho. Não há como descriminalizar o usuário sem levar em conta a descriminalização do tráfico. Porque, se nós descriminalizarmos o usuário, haverá um aumento – experiência dos países que tentaram fazer isso – substancial do consumo. Ora, havendo aumento substancial do consumo e o tráfico continuando a ser ilegal, haverá um aumento do lucro da atividade do tráfico. Quem vai fornecer a droga para esse consumo aumentar? É o tráfico. E o tráfico não está legalizado. Então, vai haver aumento substancial da criminalidade, de tudo que o tráfico traz com ele. Embora eu entenda que a violência não é só oriunda do tráfico. Tem a ver com a ação específica da droga, com a compulsão que ela causa, com o desespero para adquiri-la, que é uma outra questão que temos que analisar também quando se discute o problema das drogas. Assim, eu acho que descriminalizar totalmente o usuário, em primeiro lugar, vai aumentar o consumo exponencialmente. Em segundo lugar, vai aumentar a estrutura do tráfico.

ConJur – O que fazer, então…
Deputado Osmar Terra – Olha, eu acho que nós devemos deixar de lado este grupo de juristas. Se eles pensam que isso é uma solução, não é. Se eles querem dar o primeiro passo para a legalização das drogas, então que digam abertamente isso: que querem legalizar as drogas, que querem só regulamentar o uso.

ConJur – Se legalizado, o tráfico poderia ser comandado por grandes indústrias, como se especula?
Deputado Osmar Terra – De fato, o risco é real. Esta história de achar que todo mundo que quer fumar vai plantar maconha no quintal de casa é bobagem. Na verdade, vai haver produção em grande escala, uma industrialização. As próprias indústrias que vivem do vício hoje, da dependência química do cigarro, da bebida, vão entrar nesse mercado – e em escala gigantesca. Isso fará com que um número muito maior de pessoas passe a utilizar drogas, tornando-se dependentes. Hoje, 1% da população brasileira usa crack. Se liberarmos seu comércio, iremos para um patamar de 18% de usuários – no mínimo, igual ao de fumantes.

ConJur – Isso causaria uma explosão de doenças?
Deputado Osmar Terra – Oportuna esta questão, porque me permite esclarecer que, em minha opinião, o maior problema das drogas não é o tráfico, e sim a doença que ela causa. As pessoas ficam doentes para sempre.

ConJur – Explique melhor como o usuário é levado à doença crônica.
Deputado Osmar Terra – Veja, há uma mudança numa estrutura chamada centro de recompensa cerebral, dentro de um sistema do cérebro, chamado sistema límbico. Ali, está localizado o sistema que controla a motivação, os desejos, o prazer. É uma região crítica do cérebro, importante para o ser humano ao longo dos últimos 200 mil anos. É uma parte que orientou a nossa sobrevivência. Tudo o que dava prazer ajudava na sobrevivência. Bem, a droga, e especialmente o crack, cria uma nova rede neuronal no centro de recompensa do cérebro. Temos de considerar, também, que a maconha que se consome hoje tem 20 vezes mais THC (tetraidrocanabiol, composto químico com propriedades psicoativa que destrói neurônios em desenvolvimento) do que no tempos hippies – décadas de 60 e 70 do século passado. Isso explica por que o usuário, quando se trata, está sujeito a recaídas. O componente forma uma nova memória, de longo prazo. O usuário carrega este peso para a vida toda. Imagine um exército de milhões nesta condição?

ConJur – Mas há esperança para quem é dependente de crack ou outra droga?
Deputado Osmar Terra – Sempre há esperança para quem busca ajuda médica, mas é preciso correr contra o tempo. Estudos mostram que uma quarta parte dos usuários de crack morre antes do quinto ano de consumo. Depois, há uma certa adaptação durante a vida da pessoa, há uma diminuição da mortalidade. Mas também existe um número muito grande de pessoas em tratamento permanente. Então é um problema gravíssimo de segurança e de saúde pública, porque a droga está na esteira de muitos atos violentos.

ConJur – O senhor sustenta que o problema da droga já virou uma calamidade no país, além de contribuir expressivamente com o aumento da violência e gerar insegurança pública?
Deputado Osmar TerraNós estamos falando do Brasil, que é o país com o maior número de homicídios do mundo, em termos absolutos. Vamos pegar a China, com seus 1,3 bilhão de habitantes. Aquele enorme país registra 13 mil homicídios por ano. No Brasil, nós temos 50 mil, com sete vezes menos população que a China. Então, nós estamos vivendo uma realidade bem diferente, um agravamento do problema de violência. E eu atribuo a violência no trânsito também a drogas ilegais, que não são detectadas por bafômetro. Aliás, ele só detecta a ingestão do álcool. Se fossem detectadas, aconteceria o que estamos vendo nos EUA, na Suécia, que já registraram percentual muito elevado de acidente de trânsito vinculado a drogas ilegais. Então, se formos detectar um aumento no número de acidentes de trânsito, de homicídios, de suicídios, principalmente entre os jovens, veremos que tem a ver já com o consumo aumentado de drogas, particularmente do crack, que causa dependência muito rápida, que causa essa memória de longo prazo. Enfim, é um flagelo.

ConJur – A liberação do consumo de drogas seria muito mais desumana e onerosa para o país do que o enfrentamento ao tráfico…
Deputado Osmar Terra – Sem dúvidas. Aliás, pesquisa da Universidade Federal de São Paulo mostra que metade dos usuários de crack que morre nos primeiro cinco anos de vício tem como causa disparo de arma de fogo; e metade por doença. Há muito mais problemas de tumor de pulmão, de câncer, vinculados ao uso de maconha do que ao uso do cigarro, proporcionalmente. Haveria uma mortalidade muito maior da população também. É muito mais desumano ver este contingente de doentes aumentar do que enfrentar o tráfico. Se pesarmos bem as coisas, veremos que vale mais a pena criar sistemas eficientes de enfrentamento ao tráfico e manter diminuído o número de usuários do que o contrário.

ConJur — Que país liberou geral? Com que consequências?
Deputado Osmar Terra – É importante esclarecer que, no início do século XX, a questão das drogas era muito confusa, pois seus efeitos não eram totalmente conhecidos. Freud (Sigmund Freud, criador da Psicanálise) era usuário de cocaína. Com o aumento do número de doentes crônicos, do absenteísmo ao trabalho, da mortalidade, é que se começou a ver o dano que essas drogas causavam a longo prazo. Começou a se entender melhor o que é dependência química. E, aí, nasceram as primeiras medidas restritivas de consumo. E todos os países do mundo foram nessa direção, de impor cada vez mais restrições ao uso de drogas, por uma necessidade de saúde pública. Nós tivemos um exemplo marcante nessa área, que mostra o dano que a droga causa e por que todos os países do mundo reprimem o tráfico, têm legislação restritiva às drogas, embora pontualmente um ou outro tente descriminalizar aqui e ali o seu uso. Mas a verdade é que todos prendem traficantes, todos têm legislação dura sobre tráfico. Por que isso? A Suécia, até 1969, era um país que permitia praticamente total liberdade às drogas. A lei partia do princípio que é um direito de cada um se drogar ou não. Era questão da liberdade individual. E a Suécia teve tanto problema de saúde pública, absenteísmo, violência, grande descontrole social que o Parlamento foi obrigado a restringir o uso de drogas. Hoje, a Suécia é o país que mais reprime drogas na Europa, com legislação mais restritiva. Inclusive, prevê pena de prisão por três anos para usuário, coisa que nós não temos na nossa legislação. Na Suécia, a venda de álcool é uma concessão pública, é controlada. Se a pessoa começa a comprar muito seguidamente álcool, ela é cadastrada, sendo recomendada para tratamento de dependência química. Resultado disso é que a Suécia é o país que tem menos dependentes químicos em tratamento na Europa. É um país que tem 0,9 por 100 mil de taxa de homicídios. Portanto, num país que tem a população do Rio Grande do Sul, que é praticamente 10 milhões e pouco de habitantes, ostenta 90 homicídios por ano. No Rio Grande do Sul, há 1.800 homicídios por ano. A Suécia tem, e certamente não é tudo pela droga, mas tem a ver com a droga, hoje a menor taxa de acidentes de automóveis do mundo com vítimas fatais. Então é um país que tem menos homicídio e diminuiu dramaticamente o número de suicídios. Os fatos e os dados estão aí, e a opção de seguir este ou aquele caminho é nossa.

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