Foco distorcido

Combate à corrupção virou histeria coletiva

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30 de agosto de 2013, 7h46

Já adianto, aos mais afoitos, que este artigo não defende a prática de corrupção, ou a considera irrelevante. Muito menos acredita que não há inúmeras pessoas que se corromperam em todo mundo, por toda a história.

É notável o crescimento de campanhas e discursos pelo combate à corrupção. Temos campanhas por parte da mídia, instituições, jornais que concentram incalculáveis esforços para noticiar denúncias, julgamentos, numa espécie (nem tão moderna assim) de fogueira pública ao atual pária do momento: o corrupto.

Como consequência da necessidade do combate a este ser desprezível existe — ou pelo menos, deveria existir — a questão central de saber qual (e se há algum) limite. Ou ainda, em outras palavras, até que ponto (ou se estamos) dispostos a ir até chegar ao lugar impossível — um país sem corrupção.

As primeiras impressões é de que pelo menos as instituições estão dispostas a ir muito longe. Longe demais. Recentemente, a Revista Consultor Jurídico revelou que há mais de 16 mil (!) telefones grampeados pelo Ministério Público (com o esperado aval do Poder Judiciário). É óbvio que este número é elevado à potência na medida que cada telefone realiza incontáveis telefonemas.

Não é só. Há alguns meses, o ambiente jurídico envolveu toda a rede social em torno da discussão em torno da PEC 37, que para alguns — cujo grupo eu me incluo — mantinha tudo como já era, ou como idealmente deveria ser, e para outros era um “atentado contra o combate à corrupção”. Pode até ser, nunca saberemos e nem é o ponto.

O ponto é o alarme que as expressões “corruptos” e “impunidade” causaram em toda a população. De repente, a PEC 37 fazia parte das “cinco causas da manifestação”, imagens do relator da proposta de emenda circulou por todos os lados, mensagens contra a PEC estamparam cartazes nas ruas, colunistas agitados, cantou-se o hino nacional por toda a parte, todos contra o terror, todos contra a impunidade, todos contra os corruptos, até que a PEC, que tinha uma aceitação considerável na Câmara, foi rechaçada por goleada. Os nomes dos escassos parlamentares que votaram a favor rodaram todo o Brasil, levando um influente Deputado se desculpar por seu voto, alegando que “se confundiu”.

As formas de se abordar o estimulo à histeria, ao medo, ao ódio são infinitas. O Presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, foi alçado à condição de herói nacional por seu vigor contra os “corruptos”. No auge de seu heroísmo, circularam pela internet imagens exigindo o Ministro como Presidente do Brasil — como se o vigor contra a corrupção fosse a maior qualidade que um homem público poderia ter.

Embora não deveriam, pois a História nos cansa de ensinar, surpresos ficaram as mesmas pessoas que exigiram o ministro Joaquim na Presidência, quando se revelou que o próprio Ministro fundou uma empresa para comprar um imóvel em Miami, com menos impostos — algo permitido pela Lei, porém de moralidade, no mínimo, questionável, ainda mais vindo do Paladino de Brasília.

É muito importante lembrar que abrir mão de liberdades individuais para fortalecer o “combate” a algo que causa pânico na população não é invenção, nem exclusividade tupiniquim. Só para citar um exemplo exterior recente, por histeria contra o “terrorismo” os Estados Unidos de George W. Bush editaram o Patriot Act que restringiu uma série de direitos constitucionais para fortalecer o poder repressivo do Estado.

Corrupção para os brasileiros e terrorismo para os norte-americanos possuem semelhanças. Ambos são (extremamente) abstratos e estimulam a política do medo, da suspeita até que se prove o contrário. A particularidade nacional é que para muitos a corrupção é a origem de todos os problemas – saúde, educação, transporte, entre outros. Ora, não é. A corrupção, prática vinculada à ganância, cobiça, sentimentos humanos, quando muito, é o fim, mas nunca o início, ou a causa.

O foco é (tão) distorcido quando se atribui à corrupção e impunidade a fonte de todos os problemas universais, que assuntos muito mais concretos são deixados de lado, incluindo institucionalmente, ou alguém aqui conhece Promotoria de Combate à Desigualdade Social? Ou Vara Judiciária Especializada em Assuntos Habitacionais, talvez algum estímulo à discussão da horrorosa condição de habitação que milhões de brasileiros vivem? Há demais outras matérias esquecidas pelo cego fundamentalismo da persecução.

Não é nem necessário se restringir ao campo dos debates e instituições jurídicas. Aliás, nem se deve, pois a prática forense é reflexo de nosso ambiente social, para o bem ou para o mal. Alguém deve se lembrar de um programa que começou irreverente no Canal Bandeirantes, o CQC – Custe o que Custar. Atualmente, quase a totalidade do programa é ocupado por humoristas humilhando políticos, considerados todos, sem distinção, corruptos.

Há uma mensagem muito sutil por trás do pensamento de que todos os políticos são corruptos e não fazem nada de útil. Quem pensa no Congresso inteiramente corrompido e inútil, deve, por lógica, acreditar que não precisamos dele. Essa associação não é inédita, nem reveladora.

A marcha da família em São Paulo liderada por Ademar Barros — grande pai do lema “rouba, mas faz” — foi passo decisivo para o movimento golpista de 1964, militar e totalitário, e tinha como um dos lemas o “combate à corrupção”. Para o movimento histórico, não foi surpresa que o governo militar foi o mais corrupto de todos os tempos.

Inclusive, a associação entre combate à corrupção e totalitarismo foi percebida este ano. Quando as pessoas foram às ruas insatisfeitas, dentre outras coisas, com a corrupção, um aspecto totalitário foi duramente sentido. Popularizou-se o lema “Sem partido”, rechaçando-se qualquer organização partidária, como se tudo e todos fossem corruptos.

De fato, o combate à corrupção, da forma como é estimulado no país, é o passo para justificar o Estado cada vez mais repressivo e totalitário. É o Estado do grampo, de superpoderes, da intolerância, do medo, da “impunidade”, dos corruptos. É o Estado com o gosto amargo que temos sentido cada vez mais.

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