A Iber-rede ou Rede ibero-americana de cooperação jurídica internacional é uma ferramenta de cooperação informal em matéria civil e penal, não vinculando os Estados, cujos órgãos a compõem, a quaisquer obrigações que possam acarretar sua responsabilidade internacional (Prova objetiva do 27º concurso público para provimento de cargos de Procurador da República).
Cuidaremos hoje de buscar respostas para as questões de Direito Internacional Público e Direito Internacional Privado da prova objetiva do 27º concurso público para provimento de cargos de Procurador da República, principiando pela de número 51, alusiva ao conflito de jurisdições estatais no direito internacional. As alternativas a e b aparentam em princípio, estar erradas, porque o exercício da jurisdição extraterritorial pode, em certas circunstâncias, ter prevalência sobre o exercício da jurisdição territorial, consoante é afirmado no item d [1], pois, em regra, o direito internacional não estabelece a primazia de uma sobre a outra[2]. A matéria, não obstante, é extremamente controvertida, não se podendo ignorar, ainda, a existência de abalizado ponto de vista no sentido de que o conceito de jurisdição seria essencialmente territorial. Nesse sentido, os votos dos juízes Higgins, Kooijmans e Buergenthal no caso Arrest Warrant, § 59: "A State contemplating bringing criminal charges based on universal jurisdiction must first offer to the national State of the prospective accused person the opportunity itself to act upon the charges concerned" ("Um Estado que pretenda denunciar com base na jurisdição universal deve primeiro oferecer ao Estado do prospectivo acusado a oportunidade de agir") [3]. A alternativa c estaria, em princípio, equivocada, na medida em que o princípio do ne bis in idem “normalmente só representa uma proteção contra a dupla acusação por entidades de um mesmo poder político organizado”, sendo certo que “há tantas qualificações e restrições a ele que chega a ser difícil descrever seu status no direito internacional ou no direito penal comparado”[4].
Na questão de número 52, o artigo 16 do Decreto 4.657/1942, de início ensejaria a correção da alternativa a, porquanto “contém proibição expressa e categórica do retorno, quer no primeiro, quer no segundo grau, para a solução dos conflitos negativos entre duas normas de direito internacional privado”[5]. Se a vedação à remissão é absoluta, não haveria sentido em afirmar-se, que a referência do direito estrangeiro deve ser “considerada em sua aplicação nos estritos limites da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro”. Registre-se, contudo, que o enunciado faz menção genérica à remissão feita por lei estrangeira no âmbito do direito internacional privado e não apenas à remissão feita por lei estrangeira no sistema brasileiro de direito internacional privado. Ora, levando-se em conta que o tratamento do conflito de leis pode receber tratamento distinto a depender das legislações nacionais envolvidas, a questão, sob esta ótica, pode não admitir resposta satisfatória.
Com relação à questão de número 53, o fato de o jus cogens, ser “entendido como uma ordem pública internacional que se impõe a todos os sujeitos do direito internacional, incluindo as instâncias da ONU, o qual não é possível derrogar”[6] implica a correção da alternativa segundo a qual “as normas de direito internacional peremptório (jus cogens) pressupõem uma ordem pública internacional não disponível para os Estados individualmente”. No tocante à questão seguinte, de número 54, o candidato deveria ter saber: i) que a Convenção de Montego Bay não atribui um limite máximo de 12 milhas marítimas para as ilhas e os Estados arquipelágicos; ii) que a plataforma continental pode, de acordo com o artigo 76(1), se estender para além de 200 milhas marítimas[7]; iii) que nenhum Estado pode, segundo o artigo 89, adquirir soberania sobre partes do alto-mar[8]; iv) que a zona contígua compreende uma faixa que não pode estender-se, nos termos do artigo 33(2), além de 24 milhas marítimas, contadas a partir das linhas de base que servem para medir a largura do mar territorial; v) que a zona contígua faz parte do complexo da zona econômica exclusiva[9]; vi) que a zona econômica exclusiva começa no limite externo do mar territorial; vii) que a zona econômica exclusiva não pode estender-se para além de 200 milhas marítimas, contadas a partir das linhas de base de onde se mede a largura do mar territorial. Essas constatações, em princípio, dariam como acertada a alternativa d: “a chamada zona contígua de 12 milhas adjacentes ao mar territorial, coincide parcialmente com a zona econômica exclusiva, que tem extensão de até 200 milhas a partir do limite do mar territorial”. Há, não obstante, um equívoco na conclusão do item, pois i) se contada a partir das linhas de base que servem para medir a largura do mar territorial, a zona econômica exclusiva terá extensão de até 200 milhas marítimas; ii) se medida a partir do limite do mar territorial, a zona econômica exclusiva terá extensão de até 188 milhas marítimas [10].
Na questão 55, é correto dizer que as forças militares de um Estado estacionadas em outro Estado têm o estatuto jurídico de bens e pessoas definidos em acordos específicos denominados SOFA (Status of Forces Agreement)[11]. O equívoco da alternativa c está em afirmar que eventual crime de agressão dá ensejo à jurisdição do Tribunal Penal Internacional quando o Estado hóspede ou o Estado hospedeiro são partes do Estatuto de Roma. Para que isso ocorra, é preciso que ambos sejam signatários do tratado e que pelo menos um deles tenha aceitado as emendas acrescidas ao artigo 8º pela Resolução RC/Res.6, sem prejuízo de uma série de outras exigências[12].
A questão 56 trata do recente caso Bélgica versus Senegal ou “Questões Relativas à Obrigação de Perseguir ou Extraditar” ou, ainda, caso Hissène Habré, que tratamos de resumir em meados de julho em nossa conta do Twitter (@aldo__costa). A resposta, nos termos do que consta nos parágrafos 96-105 da decisão proferida pela Corte Internacional de Justiça[13], está na alternativa c: “o crime de tortura é, no direito internacional, de natureza consuetudinária, mas, a obrigação do Senegal de extraditar ou promover a persecução penal (aut dedere aut judicare} contra o ex-presidente do Chad, Hissène Habré, somente prevalece para os fatos que tiveram lugar após a entrada em vigor da Convenção da ONU contra a Tortura para o Senegal”. A questão subsequente, de número 57, exigia conhecimento das hipóteses em que um Estado contratante da Convenção sobre a Redução dos Casos de Apatridia de 1961 pode privar uma pessoa de sua nacionalidade e, nesse particular, a alternativa d reflete precisamente o que descrito no artigo (8)(3)(ii) do acordo.
Relativamente à questão 58, o sítio da Rede Ibero-americana de Cooperação Jurídica Internacional (IberRede) na internet aponta a correção da alternativa c. Na formulação seguinte, de número 59, não há erro em conceituar-se cláusula de estabilização como o “dispositivo contratual que impede Estados de alterar unilateralmente as condições do contrato por via de alteração de sua legislação que dificulte ou onere, para o particular contratado, o adimplemento de suas obrigações”[14]. Relativamente à questão de número 60, a alternativa c está em conformidade com o artigo 13(a)(b) da Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças. Basta contrastar: “a autoridade judicial ou administrativa do Estado requerido não é obrigada a ordenar o retomo da criança se a pessoa, instiuição ou organismo que se oponha a seu retomo provar que a pessoa, instituição ou organismo que tinha a seu cuidado a pessoa da crinaça não exercia efetivamente o direito de guarda na época da transferência ou da retenção, ou que havia consentido ou concordado posteriormente com esta transferência ou retenção; ou que existe um risco grave de a criança, no seu retorno, ficar sujeita a perigos de ordem fisica ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, ficar numa situação intolerável”.
A sequência da resolução da prova objetiva do 27º Concurso do Ministério Público Federal será publicada nesta terça (13/8). Na quinta parte serão abordadas as questões relativas às disciplinas Direito Econômico e Direito do Consumidor.
* Coluna alterada às 14h55 do dia 14/10/2013 para alterações conforme as respostas aos recursos apresentados.
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