Resolução da prova do 27º Concurso do MPF (parte 3)
11 de agosto de 2013, 14h20
Apenas às taxas de utilização de serviços específicos e divisíveis faculta a Constituição Federal a prestação potencial do serviço público (Prova objetiva do 27º concurso público para provimento de cargos de Procurador da República).
Comecemos pela de número 31. O Supremo já enfrentou a matéria versada na alternativa d no RE 579.951, um dos precedentes para a edição do Verbete Vinculante 13, e no AgR-Rcl-MC 6.650. É correto, portanto, afirmar, consoante a jurisprudência do Tribunal, que “exclui-se da vedação concernente ao nepotismo a nomeação de irmão de Governador para exercício do cargo de Secretário de Estado, por se tratar de agente político”. A alternativa b contém erro, porquanto prescindível a edição de lei formal para coibir a prática do nepotismo, conforme constou no voto condutor do RE 579.951.
Na questão de número 32, está correto o item I, segundo o disposto no artigo 37, inciso XVII, da Constituição Federal e no artigo 118, § 1º da Lei nº 8.112/1990. Idem quanto ao item II, pois não havendo redução global da remuneração, não há que se falar em violação aos princípios do direito adquirido e da irredutibilidade de vencimentos, não sendo assegurado a servidor público direito adquirido a regime jurídico. Destarte, revela-se possível a Administração promover alterações na composição dos vencimentos dos servidores públicos desde que não haja redução do montante até então percebido (STJ AgR-EDcl-RMS 28.743). Não há equívoco também no item III, pois de fato foi excluída, por ocasião do julgamento da medida cautelar requerida na ADI 3854, a submissão dos membros da magistratura estadual ao subteto de remuneração, suspendendo a eficácia de resoluções do Conselho Nacional de Justiça, na qual fixadas, como limite remuneratório dos magistrados e servidores dos Tribunais de Justiça, 90,25% do subsídio mensal de ministro do Supremo. No mais, o artigo 95 da Constituição Federal prevê a garantia da vitaliciedade aos membros do Poder Judiciário, o artigo 128, § 5º, inciso I, alínea a, aos membros do Ministério Público, e o artigo 73, § 3º, aos membros do Tribunal de Contas. Assim, está incorreta apenas a afirmação contida no item IV, segundo a qual “a vitaliciedade é atributo exclusivo dos cargos das carreiras do Ministério Público e do Poder Judiciário”[1].
Com relação à questão de número 33, em se tratando de descentralização de serviços públicos e atividades administrativas, não há equívoco em afirmar-se que “a concessão patrocinada é modalidade de concessão de serviço público em que ocorre a delegação da execução de um serviço, mediante a conjugação de tarifa paga pelo usuário e a contraprestação pecuniária do concedente ao concessionário”. Confira-se, a propósito, o art. 2º, § 1º, da Lei 11.079/2004. Na questão seguinte, de número 34, entende o Superior Tribunal de Justiça, em conformidade com o artigo 37, § 5º, da Constituição Federal, pela não submissão da ação de ressarcimento de danos ao Erário a qualquer prazo prescricional (REsp 705.715). Não merece reparos, assim, a afirmação constante da alternativa b: “a prescrição das penalidades previstas na Lei 8.429/92 não obsta ao prosseguimento da ação de improbidade administrativa quanto ao pedido de ressarcimento dos danos causados ao Erário”.
A alternativa b da questão 35 está, em princípio, errada[2]. As entidades que desempenham serviços sociais autônomos são dotadas de personalidade jurídica de direito privado[3], e, por essa precisa razão, não haveria como investir os componentes do “Sistema S” de competências materialmente administrativas relativas ao exercício do poder de polícia da Administração, “pois tem se entendido que o poder de polícia só pode ser delegado a pessoas jurídicas de direito público”[4]. A vedação só tem sido relativizada quando essa pessoa privada é integrante da Administração Pública Indireta[5]. Ocorre, entretanto, que entes de cooperação governamental como o SESC, SESI, SENAI e SENAC, entre outros, “não integram o elenco das pessoas da Administração Indireta”[6].
A assertiva constante da alternativa d da questão 36, no sentido de que “o licenciamento ambiental dá-se em um só nível de competência, sob a responsabilidade de um único ente político, sem prejuízo de que outros entes federativos eventualmente interessados se manifestem, sem força vinculante”, está de acordo com o que prescreve o artigo 13, §1º, da Lei Complementar 140/2011. Na questão seguinte, de número 37, todos os itens estão errados. Em primeiro lugar, por ser viável a formalização de compromissos de ajustamento de conduta relativamente a situação caracterizadora de dano ambiental já consumado, que deverá ser “reparado através de obrigação pecuniária e/ou obrigação de dar”[7]. Em segundo lugar, porque “o art. 153 do Código Civil desqualifica como coação a ameaça do exercício normal de um direito”, sendo “dever dos órgãos públicos legitimados esclarecer aos compromissários as conseqüências da celebração ou não do compromisso de ajustamento, não se caracterizando [a advertência] como ameaça a ensejar a posterior anulação do ajuste”[8]. Em terceiro lugar, porque a Lei 7.347/1985 conferiu a mais de um órgão a legitimidade ativa para celebrar o termo de ajustamento de conduta (legitimidade concorrente), ao mesmo tempo em que possibilita que apenas um único legitimado possa atuar individualmente, sem anuência dos demais (legitimidade disjuntiva), não havendo que se falar, assim, na invalidade de compromisso de ajuste de conduta com vistas à tutela do meio ambiente firmado sob a direção de órgão do Ministério Público que não detenha atribuição em matéria ambiental, ou na obrigatoriedade, como requisito de validade do ato, da participação do ente ou órgão ambiental do Poder Executivo na formalização deste instrumento, quando voltado para a tutela do meio ambiente.
No que diz respeito à questão de número 38, é sabido que, em nosso sistema normativo, a obrigação de demarcar, averbar e restaurar a área de reserva legal nas propriedades rurais constitui limitação administrativa ao uso da propriedade privada destinada a tutelar o meio ambiente (STJ REsp 1.179.316). A redação do inciso III do artigo 3º da Lei 12.651/2012[9] sugere a correção do item I. O fato de a reserva legal não estar arrolada no artigo 14 da Lei nº 9.985/2000[10] como categoria de unidade de conservação pertencente ao grupo das unidades de uso sustentável indica, a seu turno, o desacerto do item II. Os §§1º e 2º do Código Florestal afirmam ser a obrigação de recompor a área de preservação permanente natureza real, sendo transmitida ao sucessor no caso de transferência de domínio ou posse do imóvel rural, o que nos permite consignar o acerto do item III. Quanto ao item IV, de fato é possível dizer que a reserva legal visa “a assegurar o mínimo ecológico do imóvel” (STJ REsp 1.240.122), caracterizando-se como “uma obrigação geral, gratuita e de ordem pública”[11]. No mais, a jurisprudência confirma ser indenizável a cobertura florística nela existente, mas desde que exista plano de manejo devidamente confirmado pela autoridade competente (STJ REsp 867.085) e prévia e lícita exploração da vegetação (STJ REsp 1182.986).
Quanto à proteção do patrimônio cultural brasileiro, objeto de indagação na questão de número 39, há equívoco na afirmação constante do item I, pois só podem ser tombados os bens de natureza material, móveis ou imóveis, cabendo aos bens de natureza imaterial o registro[12]. Já a assertiva segundo a qual “o ordenamento jurídico prevê a possibilidade de proteção de bens culturais de natureza material apenas numa perspectiva individual, haja vista a necessidade de identificar precisamente o bem merecedor de especial tutela”, é problemática, pois embora não se desconheça a existência de julgado no sentido de não ser necessário que o tombamento geral tenha procedimento para individualizar o bem (STJ REsp 1.098.640), há expressiva corrente doutrinária que qualifica o tombamento como meio de intervenção do Estado consistente na restrição de propriedades determinadas[13]. Já o item III está correto, pois se “o ato administrativo de tombamento de bem imóvel, com o fim de preservar a sua expressão cultural e ambiental, esvaziar-se, economicamente, de modo total, transforma-se, por si só, de simples servidão administrativa em desapropriação, pelo que a indenização deve corresponder ao valor que o imóvel tem no mercado” (STJ REsp 220.983). Acertada, por fim, a afirmação presente no item IV, a teor do que dispõem os artigos 18 da Lei 9.985/2000[14] e 216, incisos I e II, da Constituição Federal.
No tocante à questão 40, não se equivoca o item I ao asseverar que o ordenamento jurídico admite a adoção de mecanismos de incentivo à conservação ambiental. É o caso da comercialização de créditos de carbono, do ICMS Ecológico, da compensação ambiental, da reposição florestal, da isenção de impostos para Reservas Particulares do Patrimônio Natural e do Programa de Desenvolvimento Socioambiental da Produção Familiar. Correto, também, asseverar-se, conforme feito no item II, que o pagamento por serviços ambientais fundamenta-se na função socioambiental da propriedade, na medida em que “a lógica do instituto decorre, fundamentalmente, do reconhecimento de que a propriedade possui uma função socioambiental”[15]. Quanto ao item III, há quem afirme estar a compensação ambiental, espécie de pagamento por serviços ambientais, fundada “essencialmente no princípio usuário-pagador e, reflexamente, nos princípios poluidor-pagador, da reparação, da precaução e da prevenção”[16]. Esse entedimento foi chancelado pelo Supremo, que ao apreciar a ADI 3.378, definiu o instituto como um “compartilhamento-compensação ambiental”, uma “forma de compartilhamento das despesas com as medidas oficiais de específica prevenção ante empreendimentos de significativo impacto ambiental” (nº 1 da ementa e p. 2 do voto do relator – fls. 242 e 248 dos autos), ou seja, “uma cláusula econômica geral voltada para a prevenção de possíveis danos ambientais”[17]. Abalizada doutrina, no entanto, rechaça essa compreensão, ante o argumento de que o pagamento em questão “não visa prevenir impacto ambiental”[18]. Relativamente ao item IV, a Lei 6.938/1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, não restringe a utilização dos instrumentos econômicos previstos no artigo 9º tão somente à União.
Nas questões 41 e 42, o que decidido pelo Supremo na ADI-MC 2010 e no RE 601.392 fundamentam a correção das alternativas a e b, respectivamente. Na de número 43, há substituição tributária progressiva, também conhecida como substituição tributária para frente, em relação à montadora de veículos automotores que é compelida a recolher ICMS ao vendê-los sob presunção legal de que serão revendidos[19]. Em relação à questão 44, o Supremo admitiu que a existência de órgão administrativo constitui elemento demonstrador do poder de polícia, o que não se confunde com admitir o seu exercício potencial. O tema foi discutido no julgamento do RE 588.322. Como “o texto constitucional diferencia as taxas decorrentes do exercício do poder de polícia daquelas de utilização de serviços específicos e divisíveis, facultando apenas a estas a prestação potencial do serviço público” (STF RE 588.322), correta a alternativa c. Na questão seguinte, de número 45, a doutrina de Hugo de Brito Machado[20] sugere a correção da alternativa d.
A alternativa c da questão 46 repercute o que decidido no STF AI nº 662.441. A responsabilidade tributária solidária não comporta benefício de ordem, à luz do parágrafo único do artigo 124, do Código Tributário Nacional, ensejando, assim, o acerto da alternativa d da questão 47. Na de número 48, o candidato deveria saber que “o chamado controle privado veio expresso, pela vez primeira, no §2º do art. 74 da Constituição Federal de 1988, facultando a qualquer cidadão denunciar irregularidades ou ilegalidades perante as Cortes de Contas”[21]. Já a questão 49 repete a mesma formulação constante do 17º concurso para o cargo de Procurador da República. Na oportunidade, asseverou-se inovar a Lei de Responsabilidade Fiscal no atinente às licitações e contratações públicas. [*Após a apresentação dos recursos, o examinador decidiu pela anulação da questão, ante os seguintes argumentos: "Apesar de a referida questão 49 constituir reprodução da questão nº 38 do 18º CPR, convém ressaltar, por necessário, que, atualmente, o enunciado do caput da questão comporta, no tocante à interpretação, inovação não só quanto às licitações e contratações públicas (gabarito da letra "c" da questão 38 do 18º CPR e da questão 49, deste 27º CPR), mas também quanto à coordenação e controle entre Estados, com vistas a evitar a chamada guerra fiscal (letra "b"). Com efeito, quando da elaboração da citada questão 38, em 2001, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000), havia entrado em vigor há pouco tempo e só com o evoluir da sua aplicação é que certos delineamentos foram se firmando. Dentre esses, sobressaíram com mais repercussão, as regras rígidas na administração das finanças públicas, exempli gratia o controle dos benefícios fiscais que, a partir dela, hão de ser aprovados pelo Legislativo, no ano anterior à sua concessão. Com isso, passou a inibir a concessão unilateral do benefício de natureza tributária, mediante cálculo do impacto orçamentário-financeiro do benefício; observância das exigências da Lei de Diretrizes Orçamentárias; demonstração de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária e que repercutirá sobre as metas de resultados fiscais da LDO, prevendo, ainda, mecanismos de compensação por perdas de receita (elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo etc.). Nesse passo, não só a assertiva da letra "c", atualmente continua correta, como também a da alínea "b", com os contornos que se configuraram a partir da sua efetiva aplicação e observância, nos anos posteriores à sua vigência"]
Quanto à questão de número 50, a doutrina de Kyoshi Harada sugere não haver consenso doutrinário quanto ao conceito da compensação financeira de que se trata o artigo 20, §1º da Constituição Federal[22], muito embora já se tenha declarado tratar-se de receita originária dos entes federados beneficiados (STF MS 24.312). [*A formulação, repetição da questão 40, do 19º CPR, foi anulada pelo examinador após a apresentação dos recursos. Seguem as razões: "Malgrado a questão 50 traga redação, ipsis litteris, da referida questão 50, a alternativa já não é a mesma, porquanto não só a doutrina, como o eg. STF, propenderam para entender que a compensação financeira constitui receita originária (alternativa "c"), como no caso de exploração de petróleo, xisto betuminoso e gás natural, participando os Estados, o DF e Municípios do seu resultado são receitas originárias destes últimos. Em resumo, a jurisprudência já se consolidou, com reflexos na doutrina, no sentido de que, quanto à sua classificação, se trata de receita originária. […] Em arremate, exsurge incerteza quanto à alternativa correta: a da letra "d" do remoto Concurso 19º repetida neste 27º, ou da letra "c", com a evolução do entendimento jurisprudencial, ou ambas estariam certas a depender de cada caso"].
A sequência da resolução da prova objetiva do 27º Concurso do Ministério Público Federal será publicada nesta segunda (12/8). Na quarta parte serão abordadas as questões relativas às disciplinas Direito Internacional Público e Direito Internacional Privado.
* Coluna alterada às 14h30 do dia 14/10/2013 para alterações conforme as respostas aos recursos apresentados.
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