Direitos coletivos

Defensoria não pode ajuizar ACP em nome próprio

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6 de abril de 2013, 7h07

Pela Constituição Federal a Defensoria pode propor Ação civil pública  apenas como assistente jurídica da parte e não como substituta da parte. Portanto, apenas atua como representante processual do cliente, ou seja, assistente jurídica do assistido e não como substituta processual.

A Constituição Federal não atribuiu à Defensoria a condição de parte processual, mas de assistente jurídica da parte comprovadamente carente, seja pessoa física ou jurídica. Logo, a legitimação prevista pela Lei 11.448/07 deve ser interpretada sob o prisma da Constituição que atribuiu à Defensoria o papel de “assistente jurídica” e não de parte. Afinal, o termo técnico é “assistido” pela Defensoria e não “substituído” pela Defensoria.

Conforme leciona Barbosa Moreira em Apontamentos para um estudo sistemático da legitimação extraordinária, página 10, temos a hipótese da legitimação extraordinária subordinada, na qual a vontade do legitimado extraordinário sempre está condicionada à atuação do legitimado ordinário, ou seja, não se admite a “substituição processual”.  Logo, o legitimado extraordinário somente pode atuar como assistente e quando a parte principal (cliente, assistido) tiver na polaridade ativa da ação. Portanto, a legitimação da Defensoria é subordinada à iniciativa do cliente/assistido, não podendo agir de ofício.

A legitimação da Defensoria concedida pela lei 11.448/07 para ajuizar ações civis públicas é apenas um caso de legitimação extraordinária subordinada e não uma legitimação extraordinária autônoma. Logo, a lei não deu à Defensoria a condição de parte, mas apenas de assistente da parte. Nesse aspecto, a Defensoria apenas pode ajuizar Ação Civil Pública como assistente jurídica de uma entidade com mais de um ano, caso contrário estaria havendo exclusão processual em vez de inclusão.

O cliente/assistido passaria assim a ser algo abstrato, sem voz e não identificável. E até mesmo para direitos individuais “indisponíveis” a Defensoria quer ajuizar ação civil pública, embora possam atuar como assistentes jurídicos. E não haveria inclusão, mas exclusão do assistido do processo.  

Por exemplo, a parte autora da ação é a Associação dos Sem Teto, representada/assistida pela Defensori,a em razão de mandato ainda que verbal. Logo, não pode a Defensoria propor ação em nome próprio, mas pode ser assistente jurídica dos autores da ação coletiva.

Outra hipótese de atuação é no caso de uma Associação de Diretos Ambientais Difusos, sem fins lucrativos e sem recursos financeiros. Poderia a Defensoria prestar assistência jurídica judicial ou extrajudicial, mas não ser substituta processual.

No entanto, atualmente quando alguma Associação, ONG ou cidadão procura a Defensoria para propor alguma ação coletiva (ação civil pública ou popular), a mesma quer propor em nome próprio da Defensoria e não como assistente jurídica, representante processual do cliente assistido. Se a Defensoria fosse parte poderia até mesmo ajuizar ação penal privada em nome próprio e sem que a vítima solicitasse.

Existe ainda o art. 44, XI, da LC 80/94, Lei Orgânica da Defensoria, o qual estabelece o seguinte:

Art. 44. São prerrogativas dos membros da Defensoria Pública da União:
XI – Representar a parte, em feito administrativo ou judicial, independentemente de mandato, ressalvados os casos para os quais a lei exije poderes especiais.

 

Em suma, o "assistido", assessorado pela Defensoria não pode ser "substituído" pela Defensoria, pois isto seria como considerar o assistido como uma espécie de "civilmente" interditado. No entanto, as pessoas físicas e jurídicas que procuram a Defensoria para ajuizar uma ação coletiva, como popular ou ação civil pública, recebem a resposta de que a Defensoria atua apenas em nome próprio (substitura processual) e não como representante processual (advocacia). Ou seja, este modelo tem propiciado mais exclusão processual que inclusão, pois a entidade fica de fora do polo passivo. Ademais, gera duplicidade de atuação e sobreposição de atribuições.

No entanto, neste contexto, se uma ONG procurar a Defensoria para ajuizar uma ação civil publica, a instituição quer ajuizar em nome da Defensoria e exclui a ONG. O grave é que como a Defensoria alega que tem “monopólio”, exclusividade da assistência jurídica aos carentes e a ONG fica sem escolha.

Ainda resta a questão de o cidadão procurar a Defensoria para ajuizar uma ação popular, apenas pessoa física pode ajuizar, então neste caso o defensor público substituiria o cidadão? Ou atuaria como advogado (representante processual) ?

Na atuação como substituto processual não se exige mandato. O defensor decide quem vai processar, sem pedido das partes. E com base neste critério abstrato de pobreza pode processar pobres com base nos interesses difusos de outros pobres não identificáveis.

A Defensoria quer ajuizar ACPS até mesmo para direitos individuais, e não apenas para direitos coletivos. Qual o sentido de ajuizar ACPs quando poderia ajuizar ações judiciais comuns ? Excluir a parte do comando a ação? Pode acontecer também que nas ações civis públicas, a eventual reparação vá para o Fundo Nacional de Defesa dos Direitos Difusos e não para o “pobre”, ou seja, nem distribuição de renda haveria.

Recentemente a Defensoria conseguiu a conformação de uma liminar no Tribunal para anular um concurso e o argumento era de que eventualmente algum pobre “poderia” estar fazendo o concurso. Ora, se o pobre foi aprovado no concurso, estaria sendo prejudicado pela liminar. A Defensoria não é fiscal, pior se tornar fiscal de pobre.

No caso da substituição processual começa com a ideologia de defender os direitos do substituído e depois termina defendendo os próprios interesses do substituto, como no caso de a Defensoria que ajuizou ACP para proibir que pobres fossem atendidos pelo município. Ou seja, uma ACP contra os interesses do carente e exclusivamente da Defensoria que ententde ser “dona dos pobres”, como se estes fossem objetos e apropriáveis. Ou seja, deixariam os carentes  de serem sujeitos e passariam a ser objeto, pois perderam a autonomia e liberdade. Em suma, o pobre tornou-se invisível e serve para tudo, inclusive justificar os interesses de um determinado grupo.

Por exemplo: seria como se o governo criasse um campeonato de futebol para inclusão dos pobres, mas para ajudá-los no campo estimulou uma espécie de “assistência técnica” pela classe média. Contudo, esta “assistência técnica” arvorou-se na condição de jogador, substituiu os jogadores carentes e criou superpoderes para si. Em suma, o “assistido” deixou de ser protagonista, não decide nada, nem administrativamente na onstituição e agora nem processualmente. É a criatura dominando o criador (os carentes). Ou seja, deixa de ser assessor e passa a ser uma espécie de fiscal.

Outro exemplo para destacar esta situação é o fato de que no Direito Muçulmano qualquer pessoa pode em nome próprio pedir o divórcio de um casal, sem pedido destes. Ou seja, se a moda pega no Brasil vamos ter defensor público ajuizando ação, em nome próprio, de um casal com base nos interesses abstratos.

O que define “advocacia” não é postular em juízo, como equivocadamente sustentam alguns. Mas a forma de se postular em juízo. Isto é, postular como representante processual é exercício da advocacia. Mas, postular em nome próprio não é advocacia. Não faz sentido, a Defensoria ora atuar como substituta processual e ora como representante processual.

No caso do Ministério Público sua função não impede a atuação dos direitos individuais, nem tem “exclusividade” para ajuizar ação civil pública. Outros legitimados podem ajuizar, mas não faz a Lei criar atribuição para outra instituição e excluir os demais legitimados por falta de assistência jurídica efetiva. Para que as ONGs possam ajuizar Ações civis Públicas é preciso que a Defensoria atue como representante processual das mesmas e não em nome próprio da Defensoria.

É um paradoxo o Estado somente poder prestar assistência jurídica através da Defensoria, uma área de direitos individuais e poder ter vários para ajuizar ações coletivas. Ora, o ideal é que o  Estado tivesse vários entes para prestar assistência jurídica. A inversão está se propagando de tal forma que poderemos ter vários entes para acusar e apenas um para defender no processo penal, como proposto em uma Emenda Constitucional.

O Ministério Público não pode atuar como representante processual (exercer advocacia), sob pena do cargo. Mas tem previsão constitucional de atuar em nome próprio em prol dos interesses da sociedade. Não se pode passar de assessor/assistente dos carentes, a titular e dono dos carentes. Lei alguma pode conceder esta prerrogativa por ser inconstitucional neste caso. A restrição para exigir mandato é uma garantia da cidadania. A lei apenas dispensa o instrumento do mandato que é a procuração, mas não se pode dispensar o mandato para os “assistentes jurídicos”, o que é um risco grave aos direitos humanos.

A Lei 11.448/07 ao atribuir a legitimidade da Defensoria para ajuizar Ação Civil Pública deve ser interpretada conforme a Constituição Federal, a qual em seu art.134 atribuiu à Defensoria o seguinte: 

" A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados na forma do art. 5º, LXXIV, da CF.
§1º. ….. vedado o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais. 

 

Por oportuno, transcreve-se o art. 5, LXXIV, da CF :

O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos. (grifo nosso)

 

Diante disso, ressaltamos que a Defensoria somente pode atender a quem comprovar a carência e isso não tem ocorrido em muitos casos e acaba reproduzindo o modelo de atender à classe média e até mesmo a alta, além de não juntar documento comprovando a carência dos seus clientes.

Quando se fala em defesa e remete ao art. 5º da Constituição conclui-se que a defesa jurídica ocorre mediante requerimento da parte interessada e não agindo de ofício. Nesse diapasão passamos à questão da natureza jurídica, ou seja, a Defensoria é um órgão de advocacia pública na área social, inclusive está no conceito topológico da Constituição Federal na mesma seção da advocacia e  submete-se à Lei 8.906/94 (Estatuto da Advocacia).

No aspecto histórico é preciso destacar que a criação da Defensoria foi para que o cidadão tivesse ao serviço de advocacia. Entendimento contrário seria o mesmo que negar o entendimento predominante de que o Advogado é essencial à administração da Justiça previsto no art. 133 da Carta Magna, independente da obrigação, ou não, de inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil. O teor do §1º do art. 134 é cristalino ao estabelecer que o defensor exerce advocacia, e veda o exercício desse ato fora das suas atribuições da Instituição.

Observa-se que a modalidade processual para atuação pela Defensoria é a representação processual, ou seja, quando a norma fala em mandato, na verdade significa dizer "procuração", tanto é que para poderes especiais exige a procuração constando os poderes especiais como na Ação Penal privada. Interpretação contrária seria o mesmo que o defensor poder ajuizar uma ação de divórcio de ofício e sem autorização das partes, como acontece no Direito muçulmano.

Dessa forma quando o art. 4º da LC 80/94 fala que é atribuição da Defensoria atender no Juizado Especial ou patrocinar Ação Penal privada. É claro que tal norma deve ser interpretada sob a ótica da Constituição Federal, logo a Defensoria somente pode atender no Juizado Especial quem comprovar a carência econômica e por representação processual.

Afinal, por mais óbvio ainda, somente pode ajuizar Ação Penal privada se algum cliente procurar a mesma, pois não pode ajuizar uma Ação Penal privada em nome próprio da Defensoria e desde que lhe outorgue uma procuração com poderes especiais e comprove a carência econômica.

Mais óbvio ainda é que a Defensoria somente pode ajuizar uma Ação Penal subsidiária da pública se a vítima do delito procurar a mesma e lhe outorgar a procuração, pois não pode atuar em nome próprio, pois a sua finalidade foi prestar assistência jurídica, ou seja, o comando da ação fica com o titular do direito. Nesse sentido, a Defensoria somente pode ajuizar uma ação popular se algum cidadão lhe outorgar mandato, pois não pode atuar em nome próprio.

Essa diferenciação entre representação processual e substituição é extremamente importante e não caracteriza mero arcaísmo processual, pois na substituição processual a titularidade fica com o órgão enquanto na representação a titularidade fica com a parte. Nesse último caso, a parte integra o processo enquanto na substituição processual a parte passa a ser mera expectadora. Ou seja, não é um conceito real de inclusão processual ou social.

Na representação processual a parte decide se vai haver acordo ou eventual desistência, se vai haver recurso, qual a medida a ser tomada e até mesmo pode trocar de advogado público ou privado, pois impera o princípio da confiança. Na substituição processual a parte é o órgão e não o carente ou sua entidade, logo estes não decidem nada.

As entidades de carentes reclamam, e algumas vezes com razão, que quando o Ministério Público ajuíza ações coletivas acaba sendo o comandante das deliberações e as entidades ficam excluídas. Inclusive é muito comum que entidades façam litisconsórcio ativo em ações propostas pelo Ministério Público para terem voz ativa processualmente, mas têm dificuldades, pois o Judiciário somente as ouve através de um advogado.

Ou seja, as entidades querem é assistência jurídica e não serem substituídas na ação, pois nesse caso não têm voz ativa. Porém, o órgão que deveria prestar a assistência jurídica, a Defensoria, vem querendo atuar em nome próprio e assumir o controle da ação, o que refoge de sua atribuição e gera um custo alto. Afinal, é uma função que já tem o Ministério Público, o qual não pode atuar por representação processual (advocacia) e assim teríamos duas instituições com função similar e a assistência jurídica relegada a segundo plano.

Existem ainda alguns empecilhos de ordem prática, pois a Defensoria somente pode atender aos carentes e como comprovar isso em uma Ação Civil Pública ? E como em ações de pagamento de natureza coletiva a verba iria para um fundo em que a comunidade seria beneficiada ? E mais, se o problema envolver problemas coletivos entre os carentes ? O órgão uno iria representar os dois segmentos ? Considerando que a Defensoria vem frequentemente atendendo pessoas da classe média, como ficaria um conflito coletivo de um bairro de classe média com uma vizinha favela ? 

Na verdade, os pobres continuam excluídos e continuarão nesse modelo fechado, estatizante e corporativo em que o pobre não tem poder de decisão administrativa, nem de escolher o seu advogado e agora está sendo até mesmo do comando do processo. É preocupante esse pensamento de que advogado particular é para rico e que o Estado tem monopólio de pobre e somente pode atuar exclusivamente através da Defensoria, pois a Constituição não quis isso, uma vez que  o carente deve ter o direito de optar por outras formas de atendimento, inclusive o Estado pode ter mais de uma linha para oferecer atendimento jurídico ao carente.

Ou seja, a implantação da Defensoria é o mínimo que o Estado tem obrigação de fazer, mas não o máximo. Ou seja, não está impedido de outras medidas para acesso ao serviço de assistência jurídica. Essa não é uma atividade privativa do Estado, mas sim uma atividade privada de interesse público e social, o que não diminui a sua importância.

Destaca-se que não se confunde advocacia com o mero fato de se requerer ao Judiciário. Por exemplo, os membros do Ministério Público são impedidos de advogar, mas podem postular institucionalmente ao Judiciário. Ademais, as pessoas podem impetrar Habeas Corpus ou ajuizar pedidos no Juizado Especial em nome próprio. Logo, advocacia é atuação por representação processual. Exemplificando, não pode um cidadão atuar por representação processual no Juizado Especial se não for advogado. Outro exemplo, um promotor pode ajuizar uma ação de cobrança no Juizado como cidadão de uma dívida sua, mas não pode representar o interesse do seu sobrinho, pois nesse último caso estaria exercendo advocacia.

Assim temos três formas de atuação jurisdicional:

1) Representação processual: advogados (públicos ou privados, como é o caso dos Defensores)

2) Substituição Processual: Ministério Público e outros, em alguns casos específicos permitidos expressamente pela lei federal.

3) Auto defesa judicial: jus postulandi, como ocorre quando o cidadão ajuíza uma ação para defender direito próprio no Juizado Especial ou na área trabalhista. Aliás, esse direito deveria ser reconhecido pelo Judiciário em qualquer ação, pois está previsto nos tratados internacionais, com natureza de direitos humanos como direito fundamental, da cidadania plena, mas isso ainda não está acontecendo.

Por analogia, não poderia a Advocacia Geral da União ajuizar uma Ação Civil Pública em nome próprio, mas apenas representando processualmente a União. 

Ora, se é para ampliar o acesso ao Judiciário dos direitos coletivos, por qual motivo não se discute o direito de o cidadão ajuizar Ação Civil Pública em  vez de apenas pessoas jurídicas? Não adianta aumentar o rol de legitimados para ajuizar Ação Civil Pública, mas permitir a redução dos objetos a serem julgados, como aconteceu com a exclusão da possibilidade de se julgar questão tributária em sede de ação coletiva.

O fato de se ter autonomia administrativa ou não, não é relevante processualmente ou do ponto de vista constitucional, pois o que deve prevalecer é a natureza da criação do órgão. Pensamento em contráriolevaria ao entendimento de que a Polícia Civil pode ajuizar ações coletivas, pois o Delegado também é bacharel em Direito e em alguns Estados a Polícia tem autonomia administrativa.

A Lei 11.448/07 deve ser interpretada à luz da Constituição Federal sobre a atribuição da Defensoria, não podendo agir de ofício, mas apenas representando o assistido (cliente), pois não pode ser “substituído. Como leciona Barbosa Moreira, sua legitimação é extraordinária subordinada à atuação do legitimado ordinário, e não uma legitimação extraordinária autônoma, criada para prestar assistência jurídica à parte e não para ser parte processual

Diante do exposto, é de se concluir que a Defensoria é onstituição criada para prestar assistência jurídica que é atividade privativa da advocacia. Logo somente pode atuar como advogados públicos na área social, sendo que sua atribuição para ajuizamento de ações coletivas, inclusive ação popular, pode dar-se apenas representando processualmente um cidadão (representação processual) comprovadamente carente, se ação popular ou de uma associação ligada aos carentes, se ACP, mas não em nome próprio.

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