Mortes em São Paulo

Não há indícios de que assassinatos sejam orquestrados

Autor

  • José Vicente da Silva Filho

    é professor no doutorado do Centro de Altos Estudos de Segurança da Polícia Militar de São Paulo e coronel aposentado da Polícia. Mestre em Psicologia Social e doutor em Administração pela USP.

13 de novembro de 2012, 13h04

Os motivos da alta dos homicídios em São Paulo (predominantemente na região metropolitana) ainda não são claros. Aparentemente, começou num processo de "onda", o que não é novidade no comportamento criminoso. Já tivemos ondas de roubo a shopping, joalheria, arrastões, onda de assalto a bancos em 1996, como também ocorreu em quatro dias de terror nas badernas e saques que assustaram Londres no ano passado, na onda que resultou em mais de 10 mil veículos queimados na França em 2005 (quando o Congresso editou lei de situação de emergência por três meses no país). Em fevereiro ocorreu absurda onda de homicídios na região metropolitana de Salvador, sem qualquer coordenação, chegando aos 31 homicídios no dia 3 de fevereiro.

Estudos de psicologia mostram a tendência de adesão por imitação, principalmente por mentes perturbadas (em agosto de 1962, quando Marylin Monroe morreu, os suicídios aumentaram 40% em Los Angeles) e primitivas (como é comum em violentos).

A intensa focalização dos problemas de São Paulo, principalmente pelos jornais da TV Globo, geram a impressão de que o estado e sua capital estão com os maiores níveis de violência do país, além de infundir o pânico na população.

A média de homicídios na capital de janeiro a setembro é de 102 ao mês. Ponderando o fator população, a média mensal do Rio de Janeiro é 187, Curitiba 250, Salvador 540, Fortaleza 620. Todos os estados e Brasília têm resultados piores que São Paulo, mas o governo ofereceu "ajuda" a São Paulo e não ao companheiro Jaques Wagner.

A violência está em alta no Brasil, piorando muito desde a entrada do PT no governo. Em janeiro, após 10 anos de governo, teremos alcançado a cifra de 1.000.000 de mortes violentas (incluídas as decorrentes de acidentes de trânsito), com o custo da violência superando R$ 1 trilhão, segundo indicador do Ipea (5,09% do PIB).

A despeito dessa tragédia que ceifa vidas, principalmente de jovens e pobres, não há plano do governo para o setor da segurança que sofre seguidos cortes. Em 2011 o orçamento foi 26% menor que 2010. Este ano, até outubro, foram gastos apenas 46% do orçamento de R$ 10,783 bilhões e a previsão para 2013 é de R$ 7,198 bilhões (redução de 33%), de acordo com dados da Comissão de Segurança da Câmara dos Deputados.

Apesar de especulações, não há nenhuma evidência de que o incremento das mortes em São Paulo se deva a qualquer coordenação centralizada de alguma facção criminosa. Das 90 mortes de PMs ao longo do ano (apenas três em serviço) menos de um terço tem características de execução. A maior parte desses ataques já está esclarecida, com mais de 120 criminosos presos e registro de aproximadamente 20 mortos em confronto.

Os interrogatórios dos criminosos presos dão razão ao argumento do advogado Celso Mori, publicado na ConJur, de que nos ataques "há um confronto caótico entre vários grupos criminosos, não necessariamente articulados entre si, e a Polícia" (clique aqui para ler).

Ao crime dito "organizado" (o crime violento não é lá muito organizado, tanto que o PCC obriga seus filiados a pagar R$ 600 de mensalidade e a comprar rifas para sustentar a administração) não interessa fustigar a Polícia pelos perigos de revide e prejuízo aos negócios do crime. As evidências apontam como principal motivação dessas ações vingativas a forte repressão que a Polícia vem fazendo desde abril sobre o varejo da distribuição de drogas (as chamadas "bocas de fumo" ou "biqueiras").

A mídia, principalmente a televisão, vem prestando um desserviço monumental à causa da segurança. Divulga "ordens" de ataque de criminosos, ampliando seu alcance no meio criminoso; mostra o "sucesso" das ações criminosas, motivando novas ações; infunde o medo na população (há inúmeros trabalhos mostrando que a sensação de medo é formada basicamente a partir do tratamento da violência pela mídia).

A força que os criminosos estão descobrindo em sua capacidade de afrontar o Estado através de ataques pode ter avanços. Nesta última semana, o sistema de Inteligência da Segurança do Rio de Janeiro constatou plano do Comando Vermelho para copiar os "colegas paulistas" e atacar policiais, agentes penitenciários e policiais das UPP. Dois ataques ocorridos na noite de domingo, ferindo um agente penitenciário e um sargento podem estar ligados. Caso se expanda para o Rio, não se sabe quais os possíveis efeitos dessa expansão, não se descartando outros alvos como policiais da ativa, promotores e juízes, com o delineamento de cenário de crise institucional.

Esse cenário, como possibilidade nada desprezível, deve ser seriamente considerado, não sendo descabida a discussão de instrumental adequado para prevenir e reprimir manifestações mais perturbadoras de grupos criminosos.

Com certeza não bastam ajustes improvisados e táticos na Polícia e na Justiça (como a correta adoção do gabinete de crise no Tribunal de Justiça de São Paulo). Não se pode subestimar o poder dissuasório do instrumental básico da Justiça Criminal (leis, Polícia, Justiça, presídios) para enfraquecer ímpetos criminosos. Há verdadeiro pavor nos criminosos do presídio paulista com RDD (que está com vagas ociosas), apesar de parecer do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária considerando esse regime penitenciário como "desumano".

A legislação de exceção e os mecanismos policiais e judiciários criados para enfrentamento das brigadas vermelhas italianas e do grupo do Baader Meinhoff da Alemanha foram decisivos para seu enfrentamento. Em 38 estados dos EUA crimes contra policiais e juízes têm sua pena fortemente agravada, podendo ser dobrada; onde há pena de morte nunca ocorre perdão ou conversão de pena quando a vítima for uma dessas autoridades.

O instrumental de proteção institucional precisa começar a ser desenhado. As autoridades do setor precisam criar condições para enfrentar o pior cenário. Tomara que nunca sejam usadas, mas não há justificativa para não tê-las numa crise. Napoleão ensinou que um comandante pode até perder a batalha, mas nada justifica que ele seja surpreendido.

Autores

  • é professor no doutorado do Centro de Altos Estudos de Segurança da Polícia Militar de São Paulo e coronel aposentado da Polícia. Mestre em Psicologia Social e doutor em Administração pela USP.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!