Perigo de retrocesso

Ecad é exemplo de empresa privada que deu certo

Autor

  • Hildebrando Pontes

    é professor de Propriedade Intelectual da Faculdade de Direito Milton Campos presidente da Comissão de PI da OAB-MG e ex-presidente do Conselho Nacional de Direito Autoral (CNDA).

18 de junho de 2012, 13h48

Estou convencido de que as recomendações apresentadas pela CPI instaurada contra o Ecad têm endereço certo: ferir de morte a gestão coletiva dos direitos autorais musicais no Brasil, ou quando menos, torná-la imprestável, em detrimento dos compositores e intérpretes. Quem lê o relatório final, fica com a nítida sensação de uma investigação parcial, de uma gritante omissão com relação a fatos e situações a envolver o sistema autoral como um todo.

A parcialidade foi de tal ordem, que o Ecad teve que recorrer ao STF para ver garantido seu direito de defesa, obstado pelos integrantes da CPI.

As investigações recaíram apenas sobre o Ecad,  sociedades autorais e seus dirigentes, como se fosse plausível examinar a execução pública musical sem incluir o sistema de radiodifusão, cuja inadimplência em 2011, das TVs fechadas foi de 98%, e das TVs abertas de 70%, sem contabilizar, ainda, a inadimplência do próprio Poder Público.

Celso B. Mello, citado por Rodrigo Moraes em “Uma Reflexão Sobre a CPI do Ecad”, denuncia que nas concessões públicas (radiodifusão): “é grande o número de congressistas que desfruta de tal benesse. Neste setor reina — e não por acaso — autêntico descalabro. (…) inexiste coragem para enfrentar ou sequer incomodar forças tão poderosas — as maiores existentes no país”.

A CPI da conta de que estabeleceu “virtuosa parceria” com o Centro de Tecnologia da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas, esquecendo-se os seus membros que qualquer neófito sabe que o CTS-FGV defende abertamente a “flexibilização” das regras autorais e a implementação das licenças virtuais Creative Commons, pressupostos alienígenas, sem qualquer compromisso com a cultura deste país.

Proclamou, ainda, a CPI, que o CTS-FGV é dirigido “pelo jovem e brilhante professor Ronaldo Lemos”, autor do anteprojeto, que redundou no projeto do anexo I, confuso, contraditório, um péssimo remix do que já existia. O ardoroso defensor do “Creative Commons”, tem se notabilizado como crítico do direito autoral brasileiro, que sob a sua ótica funciona como “um grande NÃO”, presente em Direito, tecnologia e cultura (Editora FGV).

A CPI recomendou a criação no âmbito do Ministério da Justiça de uma Secretaria e de um Conselho Nacional de Direitos Autorais (SNDA e CNDA), estruturas administrativas burocráticas, com competência para regular, mediar conflitos e fiscalizar as entidades de gestão coletiva de direitos autorais, como se esta função coubesse a este órgão. A proposta da CPI é retirar do MinC a condução das políticas autorais, a derrogar todo o sistema com a fragilização do Ecad.

Com a criação da Secretaria e do Conselho consumados, sugere a CPI que “o Ministério da Justiça abra um amplo debate com a sociedade sobre a pertinência de criação de uma autarquia própria, autônoma, com competência para dispor sobre a gestão coletiva de direitos autorais.”

Inflar a máquina estatal com a criação de novas estruturas para conduzir a gestão coletiva das obras musicais, um direito privado, é um retrocesso.

O projeto do anexo I encontra-se em rota de colisão com o projeto autoral enviado à Casa Civil, na medida em que ele propõe separar o sistema de gestão coletiva de direitos de execução pública musical das demais regras previstas sistemicamente! Que interesses econômicos pugnam pelo desmantelamento do sistema vigente, construído a duras penas pelos autores deste País?

O relatório da CPI expressa que o Ecad administra atualmente 3,225 milhões de obras musicais, 1.194 fonogramas e 536 mil titulares de música cadastrados. Reconhece que o EcadD é um das maiores instituições de direitos autorais da América Latina, que em 2011 arrecadou R$ 540,5 milhões, tendo distribuído R$ 411,8 milhões.

Esses dados são um indicativo, até para os mais desavisados, de que o Ecad constitui-se numa empresa privada que deu certo. Na atividade privada só se alcança tão expressivos resultados com um mínimo de organização. O Ecad de hoje é o Ecad possível, é o que suporta o peso da inadimplência da radiodifusão nacional, e de parcela do Poder Público. O Ecad ideal virá, mesmo contra a vontade de seus detratores de plantão.  

Que fique a lição: “Por mais graves que sejam os fatos pesquisados pela Comissão Legislativa, não pode desviar-se dos limites traçados pela Constituição nem transgredir as garantias que, decorrentes do sistema normativo, foram atribuídas à generalidade das pessoas. Não se pode tergiversar na defesa dos postulados do Estado Democrático de Direito e na sustentação da autoridade normativa da Constituição da República, eis que nada pode justificar o desprezo pelos princípios que regem, em nosso sistema político, as relações entre o poder do Estado e os direitos do cidadão — de qualquer cidadão" (STF, MS 23.576).

O Ecad é fruto de uma conquista histórica, que começou a ser desenhada em 1916, com a primeira sociedade autoral, a SBAT: conquista se preserva, se mantém, se aperfeiçoa.

Autores

  • é professor de Propriedade Intelectual da Faculdade de Direito Milton Campos, presidente da Comissão de PI da OAB-MG e ex-presidente do Conselho Nacional de Direito Autoral (CNDA).

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