Decisão desrespeitada

SP é recordista na inadimplência de precatórios

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4 de junho de 2012, 14h19

O governo do estado de São Paulo, maior devedor de precatórios do país, com débito de R$ 20 bilhões, quer quebrar mais um recorde de inadimplência esse ano. Além de desembolsar em 2012 menos da metade dos recursos que disponibilizou ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo nos exercícios de 2010 e 2011 para pagamento de precatórios, quer também aumentar ainda mais a própria dívida, ao voltar a pagar por imóveis desapropriados apenas o valor venal, ficando a diferença para ser paga em precatórios.

Embora a Emenda Constitucional 62, de 2009, conhecida como “Emenda do Calote”, tivesse previsto o prazo de 15 anos para a quitação dos precatórios — o que já é, em si, um prazo absurdo — , o que exigiria do estado de São Paulo um aumento dos recursos destinados nos anos anteriores (R$ 1,758 e R$ 2,041 bilhões em 2008 e 2009, respectivamente), a Secretaria da Fazenda alocou ainda menos recursos em 2010 e 2011, colocando à disposição do TJ-SP, respectivamente, R$ 1,387 e R$ 1,545 bilhão.

Pagando menos do que pagava antes da EC 62, e considerando o ingresso de R$ 1 bilhão a cada ano em precatórios novos previstos pela própria Procuradoria-Geral do Estado, o governo paulista, por não conseguir equacionar sua dívida nem em 15 anos, estaria na contingência de ter sequestrado, pelo TJ-SP, o valor da diferença entre aquilo que é disponibilizado e o montante que seria necessário para que o pagamento integral do estoque fosse feito naquele prazo.

Para tentar se livrar dessa ameaça, que impunha o aumento da alíquota de 1,5% da sua receita corrente líquida para quase 3% (o que ocorreu com inúmeras prefeituras de São Paulo que, a exemplo do governo estadual, não conseguiam equacionar suas dívidas depositando a alíquota menor), o estado de São Paulo optou pela realização dos leilões no exercício de 2012. Mecanismo questionado pela OAB na ADI 4.357, cujo julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, embora suspenso em 2011, foi iniciado com o voto do relator ministro Ayres Britto, hoje presidente da Corte Suprema.

Entretanto, feita de afogadilho apenas para tentar convencer o TJ-SP de que, com os descontos que pretendia obter, conseguiria pagar o estoque da dívida até 2025, a opção pelos leilões não passa de um mero artifício para bloquear, nos próprios cofres da Secretaria da Fazenda, quase metade dos recursos previstos para os precatórios em 2012. O que representa uma economia ao Governo de São Paulo de aproximadamente R$ 800 milhões, que não serão repassados ao TJ-SP simplesmente porque os leilões não têm a menor condição de serem realizados.

Isso porque nem o TJ-SP nem a PGE tem a menor ideia de quantos credores estão compreendidos dentro dos milhares de precatórios pendentes de pagamento. Muito menos o valor que a Fazenda estadual deve a cada um deles, informação imprescindível para a realização dos leilões. Também não há banco de dados com informações sobre credores preferenciais (idosos e doentes graves), nem tampouco cadastro dos sucessores dos credores originários, informações igualmente fundamentais, pois é certo que milhares deles faleceram nos últimos anos ou cederam seus créditos a terceiros que, por sua vez, não podem ser alijados da participação nos leilões.

Nem mesmo existe consenso entre a PGE e o TJ-SP sobre quem seria responsável pela própria realização dos leilões, ou ainda quem deveria licitar e contratar empresa apta à sua realização. Isso sem falar das enormes dificuldades na área de informática, já que a base de dados da PGE e do TJ-SP não é compatível para a transferência de dados, havendo ainda divergências em relação aos critérios de correção dos débitos.

Claro que todas essas dificuldades, previstas e amplamente propaladas pela OAB no curso da longa tramitação da “PEC do Calote” no Congresso Nacional, foram levadas em conta pelos defensores dos leilões de precatórios, tendo o estado de São Paulo liderado o movimento de pressão para sua promulgação. Já que não se objetivava mesmo outra coisa senão tornar caótico o próprio cumprimento do regime especial criado pelo artigo 97-ADCT, como vem realmente ocorrendo na prática, especialmente quanto aos leilões.

Tanto assim que, por pura falta de condições para sua realização, a grande maioria dos estados deixou de instituir os leilões, mas, agindo com boa-fé, ao contrário do estado de São Paulo, optou pela realização da conciliação, com resultados práticos bastante eficientes. Na maioria dos casos, instado o credor ou seu sucessor a abrir mão da disputa acerca de determinado critério de atualização do crédito, recebe imediatamente a importância acordada, sem nenhuma burocracia ou resistência do devedor.

Mas, como vem acontecendo há praticamente 20 anos, o estado de São Paulo não quer perder seu posto de liderança no calote dos precatórios, razão pela qual não está interessado senão na instauração do caos e no infortúnio de milhares de credores. E pior, jogando a culpa, que é exclusivamente sua, no Poder Judiciário, que enfrenta sem nenhuma colaboração da PGE, dificuldades criadas pelo próprio Executivo até mesmo para o levantamento, pelos credores, de importâncias incontroversas já depositadas, e que ainda assim são frequentemente impugnadas, sob orientação do Procurador Geral do Estado, com intuito puramente protelatório.

Essa hipocrisia torna-se ainda mais clara quando, ao instituir um leilão que não tem a menor condição de ser realizado, o Governo estadual ainda propõe, perante o STF, a ADPF 249, postulando, na contramão da Lei de Responsabilidade Fiscal e da jurisprudência consolidada na Súmula 30 do TJ-SP, para que seja imitido na posse dos imóveis que quer desapropriar mediante o depósito prévio apenas do valor venal, ficando a diferença para ser paga no futuro em precatórios, com a geração de outra dívida ainda maior do que a atual.

Portanto, o Governo paulista não apenas quer desembolsar menos recursos do que destinava antes da EC 62 para o pagamento dos precatórios, como ainda pretende ampliar nos próximos anos a maior dívida de precatórios do Brasil. Intenções que revelam que, se tiver sucesso, baterá ainda outros recordes de inadimplência, criando uma dívida ainda maior que a atual.

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