Nova direção

“Não faz sentido o STJ julgar penhora de cuco”

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31 de agosto de 2012, 16h01

STJ
O Superior Tribunal de Justiça precisa de filtros mais efetivos para que não tenha de julgar processos cuja matéria de fundo seja “a penhora de um relógio cuco ou a devolução de pneus de um carro”. Foi o que defendeu nesta sexta-feira (31/8) o ministro Felix Fischer, pouco antes de tomar posse da Presidência do Superior Tribunal de Justiça.

Mas o ministro não é entusiasta da arguição de relevância, prevista em projeto de lei enviado ao governo federal por seu antecessor, Ari Pargendler. “A Constituição exige que toda decisão seja fundamentada. É uma boa prática. A pessoa que recorre ao Judiciário tem de saber por que não teve acolhido o pedido. E o outro lado precisa saber por que teve o pedido acolhido. Assim, a arguição de relevância nos traria um problema. Em vez de julgar um recurso, nós iremos julgar dois. Iria piorar. Uma simples e necessária fundamentação pode levar a isso”.

Para o ministro Fischer, é preciso formular outras saídas legislativas. “Por exemplo, processos de bagatela não subirem ao tribunal superior. Isso ocorre no mundo inteiro”, afirmou. Mas a restrição não pode ser meramente econômica, sob pena de o tribunal deixar de enfrentar teses importantes de pouco valor econômico. “É possível fazer a limitação também na esfera criminal, impedindo que subam recursos sobre contravenções ou crimes apenados com detenção”, disse.

O novo presidente do STJ defendeu o desmembramento como regra em processos com muitos réus. No caso do STJ, ele lembrou que os processos penais de competência originária são julgados pela Corte Especial, formada pelos 15 ministros mais antigos do tribunal. Por isso, a Corte nunca teria o problema do Supremo, onde esses processos mobilizam os 11 ministros do tribunal em plenário, como se assiste no caso da Ação Penal 470, o processo do mensalão.

Para Fischer, contudo, o ideal é que a ação seja desmembrada logo no começo. No máximo, pouco tempo depois do recebimento da denúncia. Caso contrário, pelo bem da celeridade processual, é melhor que fique onde está.

Há três semanas, o STJ mandou desmembrar o processo da operação Caixa de Pandora em relação aos crimes ainda em apuração. Ficaram no tribunal apenas os fatos em relação aos crimes já apurados e denunciados. O Ministério Público denunciou 37 pessoas na esteira do escândalo de culminou com a prisão do ex-governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda. A denúncia está no STJ somente pela prerrogativa de foro do conselheiro afastado do Tribunal de Constas do DF, Domingos Lamoglia.

O ministro Felix Fischer disse ser contrário, ao menos por enquanto, ao aumento do número de ministros no tribunal, proposta pelo ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal. Marco Aurélio propôs o aumento por conta de pedidos de Habeas Corpus recebidos pelo STF que reclamam do atraso no julgamento de pedidos de HC pelo STJ, por conta do entupimento do tribunal. Atualmente, o STJ julga mais de 300 mil recursos por ano.

“Pode ser que, com o tempo, se não surgirem filtros legais para limitar o número de processos, seja necessário. Mas não hoje”, afirmou. E aproveitou para criticar o abuso no manejo de Habeas Corpus: “O Habeas Corpus, no nosso país, está sendo utilizado para qualquer coisa. Até para obter passaporte. E não é essa a função do HC, que virou um verdadeiro substituto processual”. Para Fischer, duplicar o número de ministros não resolveria o problema dos pedidos de Habeas Corpus.

O ministro disse que não é preciso restringir as possibilidades de uso de Habeas Corpus: “Basta aplicar a Constituição. Habeas Corpus diz respeito à liberdade de ir e vir. O passaporte pode ser um instrumento para essa liberdade, mas o direito a ele não deve ser analisado por meio de HC”.

No Anuário da Justiça, deste ano, o ministro afirmou que há um acesso exagerado ao STJ. Segundo o ministro, isso cria a ilusão de que a corte é a terceira instância quando seu papel constitucional é padronizar o entendimento da legislaão infraconstitucional. "Há uma abertura muito grande de acesso e a pessoa fica iludida. Acha que o STJ é um tribunal de revisão das decisões estaduais", disse ele.

Perfis
Felix Fischer é um defensor da limitação do número de recursos judiciais. Para o ministro, o processo eletrônico e a Lei dos Recursos Repetitivos trouxeram avanços importantes para o Judiciário do Brasil. Natural de Hamburgo, na Alemanha, Fischer é naturalizado brasileiro e trilhou sua trajetória profissional no Paraná, onde ocupou, entre outras funções, a de procurador de Justiça do Ministério Público estadual. Em 1996, chegou ao STJ em vaga destinada ao Ministério Público.

Gilson Dipp, ministro do STJ desde 1998, foi coordenador-geral do Conselho da Justiça Federal, em 2007, e corregedor nacional de Justiça de 2008 a 2010. Integrou o TSE e é coordenador da Comissão da Verdade, instalada pela Presidência da República. Além disso, foi presidente da comissão de juristas que elaborou o anteprojeto do novo Código Penal.

Clique aqui para ler o discurso de posse do ministro Felix Fischer.

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